A sinceridade na oração
Para orar, é preciso ter sinceridade, a
coragem de enfrentar a verdade no íntimo do coração. Vamos refletir agora sobre
isso.
É interessante verificar que o
primeiro conselho de Cristo sobre a oração, que se encontra no Evangelho, fala
de sinceridade: “Quando orardes – diz Jesus -, não façais como os hipócritas”
(Mt 6,5).
Que fazem os hipócritas? Vamos
recordar o que Jesus nos diz acerca deles, e – ao vermos as máscaras que Cristo
lhes arranca da alma – enxergaremos melhor a sinceridade que nos pede.
Primeira máscara: No meio da
parábola do semeador, Nosso Senhor faz uma citação do profeta Isaías: O coração
deste povo endureceu: taparam seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para que
seus olhos não vejam e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração compreenda; para
que não se convertam e eu os sare (Mt 13,15).
Como são claras e fortes essas
palavras! O segredo está no final da frase: não querem se converter, ou
seja, não estão dispostos a aceitar a graça de Deus, que os curaria dos seus
erros passados e os levaria a mudar. Isso faz com que seu coração se “endureça”;
e essa dureza de coração se manifesta na má vontade, que leva a não querer
ouvir nem ver: tapar os ouvidos e fechar os olhos.
Que Deus nos livre dessa dureza
de coração! Mas…, será que isso não acontece conosco? Às vezes, custa-nos abrir
o coração com plena sinceridade diante de Deus, expor sem medo a nossa vida à
luz das exigências do Evangelho, dispor-nos a acolher os conselhos de um bom
confessor…, simplesmente porque não queremos mudar. “Não quero me complicar!”.
O coração deixou de ser mando e flexível, e ganhou a dureza da pedra. Agir
assim é a mesma coisa que expulsar Deus da alma, e dizer-lhe: “Não me toques,
não mexas comigo, não me perturbes, fica longe de mim!”
Como é bela a sinceridade de uma
alma que, quando vai orar, abre de par em par o coração, disposta a aceitar
todas as luzes, inspirações, repreensões e exigências que Deus lhe quiser
manifestar. Só ora bem uma alma transparente, uma alma corajosa, que está
disposta a mudar.
Segunda máscara: a do fariseu da
parábola. Sobe o templo, e ora no seu interior desta forma: Graças te dou, ó
Deus, porque não sou como os outros homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem
como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de
todos os meus lucros (Lc 18,9-14).
É a máscara do orgulho, do
convencimento, da falsa bondade. Aparentando piedade, o fariseu, na realidade,
se defende. Ele, no fundo, diz a Deus: “Veja, Deus, eu sou bom: não tenho
pecado. Não falho nas minhas obrigações religiosas, e não me misturo com pecadores
esse publicano aí… Portanto, estamos quites, o Senhor não tem nada que reclamar
de mim, pode me deixar em paz”.
Você nunca conheceu cristãos
assim? Dizem: “Não cometo pecados, não preciso me confessar, eu cumpro as
minhas obrigações; rezo; vou à Missa sempre que posso”. Com essa mentalidade é
impossível falar com Deus e ouvi-lo.
“O orgulho cega tremendamente”,
dizia São Josemaria Escrivá. Cuidado! Porque esse orgulho que nos leva a
justificar-nos, vai nos congelando, cristalizando no erro, no mal, na
mediocridade. É natural que o Espírito Santo, quando encontra o nosso coração endurecido,
nos recorde o que Jesus comentava acerca do fariseu: Não saiu do templo
justiçado. Por quê? Porque Deus resiste aos soberbos e só dá a sua graça aos
humildes (1Pd 5,5).
Entende-se assim o que diz o
Catecismo da Igreja Católica: “O pedido do perdão é o primeiro movimento da
oração…” (§2631), e que cite como exemplo a oração do publicano, ouvida e
aceita por Deus: Tem piedade de mim, pecador (Lc 18,13).
Terceira máscara: Jesus também a
arranca da alma de alguns hipócritas, quando afirma: nem todo aquele que me diz
“Senhor, Senhor!”, entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade
de meu Pai que está nos céus (Mt 7,21).
Glosando estas palavras, são
Josemaria falava da “oração dos filhos de Deus”, em contraste com o palavreado
dos hipócritas: “Que o nosso clamar – Senhor! – se uma ao desenho eficaz de
converter em realidade essas moções interiores que o Espírito Santo desperta na
alma” (Amigos de Deus, n. 243).
A oração do egoísta sentimental,
que gosta de rezar, que chora ao cantar na Igreja, que se emociona com um bom
sermão…, mas que não procura captar nem realizar a Vontade de Deus, é a oração
dos hipócritas, que têm duas vidas separadas: a “vida espiritual” e a vida
pratica, real.
Quarta máscara: É a que nos
mostra, com palavras brevíssimas, esta frase de Cristo: Quando vos puserdes de
pé para orar, perdoai, se tiverdes algum ressentimento contra alguém, para que
também o vosso Pai que está nos céus vos perdoe os vossos pecados (Mc 11,25).
Se – como acabamos de lembrar –
o pedido de perdão é “o primeiro movimento da oração” (catecismo, §2631), com
que sinceridade pode falar com Deus aquele que pede perdão, mas não perdoa?
Poucas coisas existem que endureçam tanto a lama como o ressentimento. É uma
barricada entre o Deus da misericórdia e o pecador, que somos nós. É lógico
que, entre interlocutores tão díspares, não possa haver diálogo.
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