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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Os desafios de lidar com o envelhecimento dos pais – e como evitar conflitos - Parte 2

Número de idosos no Brasil aumentou mais de 50% em pouco mais de uma década (GETTY IMAGE)

Os desafios de lidar com o envelhecimento dos pais – e como evitar conflitos

Por Vinícius Lemos

24 de fevereiro de 2024

Da BBC News Brasil em São Paulo

Inversão de papéis?

Nos casos em que os idosos preservam sua autonomia, é importante que as decisões e escolhas dos pais sejam respeitadas pelos filhos, dizem os especialistas.

“Incentivar a tomada de decisões (dos pais) sempre que possível e respeitar suas escolhas contribui para uma relação mais positiva”, afirma Falcão.

A dificuldade em respeitar a autonomia dos pais pode ocorrer por estereótipos relacionados à velhice e pelo etarismo (ou idadismo), o preconceito com pessoas mais velhas.

Mas, enquanto muitos idosos conseguem permanecer independentes, outros precisam de auxílio constante.

Em diversos cenários, principalmente quando se fala em cuidados intensos, muitas mulheres acabam sobrecarregadas.

Um levantamento divulgado em 2023 pela Fundação Seade, um sistema de análise de dados, mostrou que 90% dos cuidadores de pessoas com demência em São Paulo são do sexo feminino.

O número ilustra uma realidade que pesquisadores sobre o envelhecimento apontam que ocorre em todo o país.

“Comumente, as filhas que assumem o cuidado de pais idosos com doença de Alzheimer, por exemplo, com a evolução da demência, percebem uma inversão hierárquica de papéis, em que elas passam a ter mais poder e controle em relação a eles, levando-as muitas vezes a terem a sensação de que passaram a ser mãe deles”, diz Falcão.

Mas a geriatra Fernanda Andrade diz que o envelhecimento, embora implique que pais e filhos assumirão novos papeis, não significa que estes papeis serão invertidos e que os pais passam a ser os filhos da relação.

“Os pais nunca se tornam filhos. Filhos estão aprendendo, filhos estão sendo preparados para a vida adulta e são uma tela em branco para os pais colorirem da forma que julgam melhor”, diz.

"Pessoas idosas são telas rabiscadas, cheias de experiências e valores prévios já muito bem estabelecidos."

Cuidar de um pai ou mãe idosa ou de um filho pequeno são situações bem diferentes, diz Andrade.

"Um pai com sequela de AVC ou uma mãe com Alzheimer não está no script da vida de ninguém. Isso vira a vida dos filhos de cabeça para baixo, afeta o trabalho e aumenta os custos familiares, sem planejamento algum”, pontua.

"Coletivamente falando, são poucas as pessoas compreensivas com os filhos cuidadores. Ai de você caso falte no emprego porque a sua mãe teve febre!”, acrescenta Andrade.

Envelhecimento saudável

De forma geral, é difícil prever quais serão exatamente os desafios enfrentados nesta fase da vida.

"A realidade do envelhecimento no Brasil é bem heterogênea", diz a geriatra Fernanda Andrade.

"Envelhecer bem não é só uma questão genética, mas também ambiental e está relacionada ao acesso a melhores cuidados de saúde.”

Os especialistas defendem que pessoas idosas não devem ser vistas como alguém que está necessariamente doente ou que está perto de morrer.

Possíveis problemas de saúde física ou mental, fragilidade e diminuição da capacidade funcional não devem ser um impedimento para uma velhice confortável, dentro do possível que a saúde permitir.

Em qualquer cenário, que varia conforme os cuidados que os pais precisarem, é importante que os filhos sempre tentem ser uma forma de apoio.

“Antigamente a pessoa envelhecia, adoecia e morria. Ser velho era quase uma sentença de dependência física ou cognitiva”, pontua Andrade.

"Hoje, temos uma gama enorme de pessoas envelhecendo e bem. Ativas, trabalhando, saudáveis. Mas isso ainda é recente. Leva-se tempo para mudar uma cultura.”

Cada situação e condição de saúde dos pais vai exigir um tipo de apoio diferente.

Uma das principais formas com que filhos podem apoiar seus pais nesse período, segundo especialistas, é incentivar que uma pessoa idosa cuide das doenças crônicas que surgem nessa idade para que tenham boa qualidade de vida.

Ao mesmo tempo, é importante que os filhos incentivem os pais a se exercitarem fisicamente e mentalmente – por meio de leituras e diferentes tipos de aprendizados, como o de um novo idioma.

“É importante reconhecer e apoiar o bem-estar emocional dos pais. Isso envolve estar atento a sinais de depressão, solidão ou ansiedade, e buscar ajuda profissional quando necessário”, diz Falcão.

Os benefícios de se planejar e de ter uma relação próxima

Uma forma de tornar esse período da vida mais suave é se planejar para o envelhecimento, apontam as especialistas ouvidas pela reportagem.

“Aqueles filhos que participam de discussões sobre planejamento antecipado, como cuidados de saúde e decisões financeiras, tendem a lidar de maneira mais eficaz com o envelhecimento dos pais”, afirma Falcão.

Mas esse planejamento, dizem as especialistas, ainda é pouco debatido nas famílias, que acabam enfrentando cada problema conforme eles vão surgindo.

“A educação para o envelhecimento é vital, pois nos capacita a enfrentar as transições com compreensão e empatia, o que favorece a qualidade de vida e a autonomia”, declara Falcão.

Ao mesmo tempo, nem tudo é dificuldade quando se fala em acompanhar o envelhecimento dos pais. Há benefícios ao tentar estar perto deles durante esse período.

“Conviver com os pais mais velhos e cuidar deles permite que a gente reveja laços e acerte pendências”, diz Andrade.

“Encarar o declínio e a finitude da vida de alguém também nos faz refletir sobre a nossa própria vida, valores e sobre como queremos ser cuidados na nossa velhice.”

O bom relacionamento com os filhos costuma ser fundamental para que os pais encarem os momentos mais difíceis do envelhecimento. Isso também pode ajudar os próprios filhos.

“A dinâmica familiar positiva, com expressões de afeto e envolvimento do idoso nas atividades familiares, contribui para melhorar o relacionamento entre pais e filhos”, afirma Falcão.

Pesquisas sugerem que os vínculos positivos com os pais idosos são também uma fonte de apoio para os filhos cuidadores, acrescenta a especialista.

“É importante destacar que, embora os desafios sejam comuns, o envelhecimento também pode trazer oportunidades de crescimento pessoal, novos aprendizados e formas de se envolver com a vida", diz Falcão.

"Adotar uma abordagem positiva e proativa para enfrentar esses desafios pode contribuir para um envelhecimento mais saudável e satisfatório.”

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF