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domingo, 18 de fevereiro de 2024

Os Padres da Igreja (II)

Os Padres da Igreja (ChurchPOP)

Os Padres da Igreja (II)

Por Susana Costa Coutinho

ENTRE GREGOS E LATINOS

            Vários foram os “pais” da Igreja que realizaram sua missão não só de pensar a fé, mas também de anuncia-la como missionários e de cuidar das comunidades cristãs, como pastores. São de lugares e épocas diferentes. Didaticamente, costumamos organizá-los em dois grupos: os gregos e os latinos. Antes, porém, é bom lembrar que a cultura grega predominou sobre a Europa, parte da África e Ásia por muito tempo. É o que se chama de helenismo. Assim, na Antiguidade clássica, a língua “oficial” era o grego, usado para o comércio, para os estudos, para a vida social e para a escrita. Quase todo o mundo falava grego nessas regiões, além dos idiomas locais.

PATRÍSTICA GREGA

            A patrística grega se aos “pais” da Igreja que atuaram no Oriente. Aqui também vale compreender a região oriental na Antiguidade como o norte da África e o Oriente Médio. Nesse grupo, temos João Crisóstomo, Gregório de Nissa, Gregório de Nazianzo, Basílio Magno e João Damasceno (sua morte marca o final da Patrística grega, em 750). Grande parte de seus escritos são comentários aos textos bíblicos, explicações pastorais e teológicas sobre os sacramentos, principalmente os da iniciação cristã, e orientações para a vida social ou moral cristã. Como estavam mergulhados na cultura grega, é possível verificar como buscam aproximar a teologia cristã da filosofia dos antigos, como Platão e Aristóteles. Produzem, assim, uma inculturação: veem na cultura grega as sementes do Verbo, a Presença das “iluminações” do pensamento humano pelo Espírito e dão-lhes novo sentido, a partir do Evangelho. O mais importante na relação entre fé e filosofia era a primeira, e a segunda precisava sempre ser vista com discernimento. Outra característica era a de considerar a realidade do povo para comentar um texto bíblico. A exposição da fé era vista como a transmissão de um tesouro aos cristãos, direito de todos de usufruir de sua beleza e profundidade.

PATRÍSTICA LATINA

            Do grupo dos latinos (os que viveram e exerceram seu ministério no Ocidente), destacam-se Agostinho de Hipona, Ambrósio de Milão, Gregório Magno e Isidro de Sevilha. É a morte deste último que marca o final da Patrística do Ocidente, em 636. Agostinho realizou um grande trabalho de buscar conciliar a razão e a fé. Seus escritos buscam orientar os cristãos sobre a teologia dogmática (os dogmas e as verdades fundamentais da fé), a eclesiologia (sobre a Igreja) e o ensinamento social (como a fé ilumina as relações sociais). Jerônimo ficou mais conhecido pela tradição das Sagradas Escrituras do hebraico para o latim.

            Ambrósio de Milão se tornou notório pela atuação pastoral em sua diocese, pelo método de leitura da Bíblia e pelas denúncias contra a exploração dos pobres e dos pequenos agricultores. É o grande influenciador na conversão de Santo Agostinho. Seus escritos mistagógicos, sobre os símbolos e ritos dos sacramentos de iniciação cristã, são grande fonte para a catequese de inspiração catecumenal até hoje. Gregório Magno se destacou na ação de governo da Igreja, como papa, e o grande volume de escritos que abordam comentários bíblicos, a partir de uma exegese (interpretação) histórica, alegórica e moral. Hilário, um homem casado, foi ordenado presbítero e bispo (isso era possível na época) e ficou conhecido por combater o arianismo, uma corrente dentro da Igreja que levantou várias heresias, e por ser um dos conhecedores da Bíblia. Leão Magno tem seus escritos mais voltados à prática da vida cristã do que propriamente à teologia. Isidro é conhecido por sua característica de mestre da teologia, mas também um grande influenciador cultural, por meio de obras literárias. Por essas qualidades, foi declarado patrono da Internet, por São João Paulo II.

A CATEQUESE DOS “PAIS” DA IGREJA

            Nesse período, foi organizado o catecumenato, tempo de preparação para receber os sacramentos da iniciação cristã (batismo, crisma e Eucaristia). A catequese dos “pais” da Igreja era uma das manifestações da ação pastoral desses líderes, e era centrada na busca de salvação, no afastamento definitivo das práticas pagãs, na edificação espiritual, no grande valor da liturgia, na importância da penitência e do jejum. No entanto, o ponto fundamental era a união a Cristo, o Filho de Deus, o Salvador, a Palavra definitiva de Deus.

            Como muitos dos “pais” da Igreja foram bispos, tinham como uma de suas tarefas, a instrução dos catecúmenos (os convertidos que ainda não receberam o batismo e estão em processo de preparação). Em cada momento de entrega, por exemplo, do Credo (símbolo) ou do Pai-nosso, o bispo fazia uma homilia, voltada ao catecúmeno, para prepara-lo para receber esse “conteúdo” da fé. Assim, nasceram diversos textos, que não só eram escritos, mas também proferidos pelos “pais” da Igreja à sua comunidade, em especial aos que se preparavam para receber os sacramentos da iniciação cristã.

            A Bíblia é o centro da pregação dos “pais” da Igreja. Ainda que o livro sagrado não estivesse formado como conhecemos hoje, são seus escritos que guiam a catequese patrística. Esses textos, tanto Antigo como no Novo Testamento, eram lidos e refletidos, e fundamentavam as homilias e a catequese.

            Um dos pontos fundamentais do catecumenato é a unidade entre liturgia e catequese. As próprias homilias aos catecúmenos comprovam a preocupação dos “pais” da Igreja com esse elo. A preparação para a recepção dos sacramentos da iniciação cristã se dava  de forma mistagógica e incorporava os dois momentos: o de conhecer e o de celebrar a fé, sem esquecer, é claro, os ensinamentos para a vida social (no campo da economia, da política, da cultura etc.) É a mistagogia um ponto alto dessa catequese.

            Santo Agostinho busca explicar, por exemplo, o sentido dos gestos do batismo ao catecúmeno , num dos mais bonitos textos (tanto do ponto de vista teológico como literário) que conhecemos. Para explicar o mistério que é revelado pelos sinais, um de seus textos ensina: “Entraste, viste a água, viste o sacerdote, viste o levita. Por acaso, alguém não diria: Isso é tudo? Certamente isso é tudo, verdadeiramente há tudo, onde há total inocência, onde há total piedade, total graça, total santificação”.

            Santo Agostinho ensina aos catequistas como proceder para realizar uma catequese mistagógica: “A respeito do sinal que recebe, seja-lhe [o catequizando] bem esclarecido que os sinais das realidades divinas são visíveis, mas nele honramos  as próprias realidades invisíveis”.

            Assim, os santos padres ou “pais” da Igreja nos apontaram preciosos caminhos para a catequese, muitos deles vamos retomando com a catequese de inspiração catecumenal.

Revista Ecoanda – Ano 18 – nº 70 – Julho/Agosto – 2020 – Págs. 18/19

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF