A Criação
A doutrina
da Criação constitui a primeira resposta às indagações fundamentais sobre nossa
origem e nosso fim.
06/01/2015
2. A
realidade criada
O efeito da
ação criadora de Deus é a totalidade do mundo criado, “céus e terra” (Gn 1,1).
Deus é “Criador de todas as coisas, das visíveis e das invisíveis, espirituais
e corporais; que por sua virtude onipotente, desde o princípio dos tempos e
simultaneamente, criou do nada a uma e outra criatura, a espiritual e a
corporal, isto é, a angélica e a material, e depois a humana, como comum,
composta de espírito e de corpo”[11].
O
cristianismo supera tanto o monismo (que afirma que a matéria e o espírito se
confundem, que a realidade de Deus e do mundo se identificam), como o dualismo
(segundo o qual a matéria e o espírito são princípios originários opostos).
A ação
criadora pertence à eternidade de Deus, mas o efeito de tal ação está marcado
pela temporalidade. A Revelação afirma que o mundo foi criado como mundo com um
início temporal[12], isto é,
que o mundo foi criado com o tempo, o qual é indício muito coerente com a
unidade do desígnio divino de revelar-se na história da salvação.
2.1. O
mundo espiritual: os anjos
“A
existência dos seres espirituais, não-corporais, que a Sagrada Escritura
habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura é tão
claro quanto a unanimidade da Tradição” (Catecismo, 328). Os dois
testemunhos mostram os anjos em sua dupla função de amar a Deus e ser
mensageiros de seu desígnio salvador. O Novo Testamento apresenta os anjos em
relação a Cristo: criados por Ele e para Ele (Col 1,16), rodeiam a
vida de Jesus desde o seu nascimento até a Ascensão, sendo os anunciadores de
sua segunda vinda, gloriosa (cf. Catecismo, 333).
Da mesma
forma, também estão presentes desde o início da vida da Igreja, que se
beneficia de sua ajuda poderosa, e em sua liturgia se une a eles na adoração a
Deus. A vida de cada homem está acompanhada desde seu nascimento por um anjo
que o protege e conduz à Vida (cf. Catecismo, 334-336).
A teologia
(especialmente São Tomás de Aquino, o Doutor Angélico) e o
Magistério da Igreja aprofundaram no estudo da natureza desses seres puramente
espirituais, dotados de inteligência e vontade, afirmando que são criaturas
pessoais e imortais, que superam em perfeição a todas as criaturas visíveis
(cf. Catecismo, 330).
Os anjos
foram criados em estado de prova. Alguns se rebelaram irrevogavelmente contra
Deus. Caídos no pecado, Satanás e os outros demônios – que haviam sido criados
bons, mas por si mesmos se fizeram maus – instigaram nossos primeiros pais para
que pecassem (cf. Catecismo, 391-395).
2.2. O
mundo material
Deus “criou
o mundo visível em toda a sua riqueza, diversidade e ordem. A Sagrada Escritura
apresenta a obra do Criador, simbolicamente, como uma sequência de seis dias
"de trabalho" divino, que terminam com o "descanso" do
sétimo dia (Gn 1,1-2,4)” (Catecismo, 337). “Repetidas vezes
a Igreja teve de defender a bondade da criação, inclusive do mundo material
(cf. DS 286; 455-463; 800; 1333; 3002)” (Catecismo, 299).
“Pela
própria condição da criação, todas as coisas estão dotadas de firmeza, verdade
e bondade próprias e de uma ordem” (GS 36,2). A verdade e bondade da criação
procedem do único Deus Criador, que é, ao mesmo tempo, Trino. Assim, o mundo
criado é um certo reflexo da atuação das Pessoas divinas: “em todas as
criaturas encontra-se uma representação da Trindade, na forma de um vestígio”[13].
O cosmos
tem uma beleza e uma dignidade enquanto obra de Deus. Há uma solidariedade e
uma hierarquia entre os seres, o que deve levar a uma atitude contemplativa de
respeito para com a criação e as leis naturais que a regem (cf. Catecismo,
339, 340, 342, 354). Certamente, o cosmos foi criado para o homem, que recebeu
de Deus a ordem de dominar a terra (cf. Gn 1,28). Tal ordem
não é um convite à exploração despótica da natureza, mas um convite para
participar no poder criador de Deus: mediante seu trabalho, o homem colabora no
aperfeiçoamento da criação.
O cristão
participa das justas exigências que a sensibilidade ecológica tem manifestado
nas últimas décadas, sem cair em uma vaga divinização do mundo, e afirmando a
superioridade do homem em relação aos outros seres, como “ponto culminante da
obra da criação” (Catecismo, 343).
2.3. O
homem
As pessoas
humanas gozam de uma peculiar posição na obra criadora de Deus, ao participar,
simultaneamente, da realidade material e da espiritual. Somente do homem a
Escritura nos diz que Deus o criou “à sua imagem e semelhança” (Gn 1,26).
Ele foi colocado por Deus como cabeça da realidade visível, e goza de uma
dignidade especial, pois, “De todas as criaturas visíveis, só o homem é
"capaz de conhecer e amar seu Criador" (216); ele é a "única
criatura na terra que Deus quis por si mesma" (217); só ele é chamado a
compartilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Foi para este fim
que o homem foi criado, e aí reside a razão fundamental da sua dignidade” (Catecismo,
356; cf. ibidem, 1701-1703).
Homem e
mulher, em sua diversidade e complementaridade, queridas por Deus, gozam da
mesma dignidade como pessoas (cf. Catecismo, 357, 369, 372). Em
ambos, ocorre a união substancial do corpo e da alma, sendo esta a forma do
corpo. Sendo espiritual, a alma humana é criada imediatamente por Deus (não é
“produzida” pelos pais, nem é pré-existente), e é imortal (cf. Catecismo,
366). As duas características (espiritualidade e imortalidade) podem ser
mostradas filosoficamente. Portanto, é um reducionismo afirmar que o homem
procede exclusivamente da evolução biológica (evolucionismo absoluto). Na
verdade, há saltos ontológicos que não podem ser explicados só pela evolução. A
consciência moral e a liberdade do homem, por exemplo, manifestam sua
superioridade sobre o mundo material, e são sinais de sua especial dignidade.
A verdade
da criação ajuda a superar tanto a negação da liberdade (determinismo) como o
extremo contrário da exaltação indevida da mesma: a liberdade humana é criada,
não absoluta, e existe em mútua dependência da verdade e do bem. O sonho de uma
liberdade como puro poder e arbitrariedade corresponde a uma imagem deformada,
não só do homem, mas também de Deus.
Mediante sua atividade e seu trabalho, o homem participa do poder criador de Deus[14]. Além disso, sua inteligência e sua vontade são uma participação, uma faísca da sabedoria e do amor divinos. Enquanto o resto do mundo visível é mero vestígio da Trindade, o ser humano constitui uma autêntica imago Trinitatis.
Santiago Sanz
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Bibliografia
básica
Catecismo
da Igreja Católica, 279-374.
Compêndio
do Catecismo da Igreja Católica, 51-72.
DH, nn.
125, 150, 800, 806, 1333, 3000-3007, 3021-3026, 4319, 4336, 4341.
Concílio
Vaticano II, Gaudium et spes, 10-18, 19-21, 36-39.
João Paulo
II, Creo en Dios Padre. Catequesis sobre el Credo (I), Palabra,
Madri 1996, 181-218.
Leituras
recomendadas
Santo
Agostinho, Confissões, livro XII.
São Tomás
de Aquino, Summa Theologiae, I, qq. 44-46.
São
Josemaria, Homilia “Amar o mundo apaixonadamente”, em Entrevistas com
Mons. Josemaria Escrivá, 113-123.
Joseph
Ratzinger, Creación y pecado, Eunsa, Pamplona 1992.
João Paulo
II, Memoria e identidade, Ed. Objetiva, 2005.
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[11] Concílio
Lateranense IV (1215), DH 800.
[12] Assim
o ensina o Concílio Lateranense IV e, referindo-se a ele, o Concílio Vaticano I
(cf. respectivamente DH 800 e 3002). Trata-se de uma verdade revelada, que a
razão não pode demonstrar, como ensinou São Tomás na famosa disputa medieval
sobre a eternidade do mundo: cf. Contra Gentiles, lib. 2, cap. 31-38;
e seu opúsculo filosófico De aeternitate mundi.
[13] São
Tomás, Summa Theologiae, I, q. 45, a. 7, co.; cf. Catecismo,
237.
[14] Cf.
São Josemaria, Amigos de Deus, 57.
Fonte: https://opusdei.org/pt-br
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