Vacina, agrotóxico ou erro em dados? Veja respostas para
dúvidas dos leitores sobre a 'explosão' de casos de câncer entre jovens
Após reportagem mostrar aumento de 284% nos diagnósticos
entre pessoas de até 50 anos, especialistas esclarecem mitos e explicam o que
se sabe sobre o fenômeno.
Por Talyta Vespa,
g1
15/10/2025 03h01
Diagnósticos de câncer em jovens adultos cresceram quase
quatro vezes em cerca de 10 anos, segundo dados do DataSUS apresentados
em levantamento
realizado pelo g1. Mas o que causa essa "explosão de
casos"?
🗨️SUA DÚVIDA 📲: Este
texto responde às principais perguntas dos leitores nos comentários da
reportagem "Casos
de câncer em jovens adultos de até 50 anos aumentam 284% no SUS entre 2013 e
2024". Você também pode mandar sugestões pelo VC no
g1.
Na reportagem sobre o tema, leitores enviaram perguntas
sobre as possíveis causas, questionando desde um suposto papel de vacinas,
dos agrotóxicos e dos adoçantes até os
efeitos do estresse, da alimentação e do uso
de tecnologias.
O g1 reuniu as respostas com base em
evidências científicas e dados oficiais. Veja abaixo:
💉 1. As vacinas podem
causar câncer?
Não. Nenhuma vacina — nem contra a Covid-19, nem
outras do calendário nacional — tem relação causal com câncer.
“Vacina não causa câncer”, enfatiza Stephen Stefani,
oncologista do grupo Oncoclínicas e da Americas Health Foundation. “As pessoas
podem ficar tranquilas — não há nenhum dado que relacione imunizantes à doença.
Pelo contrário: a tecnologia desenvolvida para as vacinas da Covid-19 ajudou a
impulsionar novas plataformas de terapias oncológicas.”
As vacinas contra o HPV, por exemplo, previnem um
tipo de câncer, o de colo do útero.
Além disso, o aumento recente de tumores em adultos jovens
começou anos antes da pandemia, e estudos internacionais, como o publicado na
revista Nature Medicine (2022), não encontraram qualquer
vínculo entre vacinas e aumento de risco oncológico.
☠️ 2. O uso de agrotóxicos está
relacionado ao aumento de casos?
Há evidências de risco aumentado em exposições prolongadas,
mas isso não explica sozinho o crescimento dos casos.
“Sim, há dados que mostram que o consumo de alimentos com
quantidade acima da recomendada de agrotóxicos aumenta o risco. Não é um
aumento explosivo, mas ele está relacionado, estatisticamente, ao aumento de
tumores”, explica Stephen Stefani.
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) e a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa) também reconhecem que a exposição a pesticidas
pode elevar o risco de alguns tumores, sobretudo em trabalhadores rurais e
populações vulneráveis.
No entanto, especialistas alertam que dieta, obesidade e
sedentarismo têm peso muito maior na origem do câncer do que a contaminação
química isolada.
🧁 3. O aspartame causa
câncer?
Em julho de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
divulgou os resultados da avaliação de perigo e risco do aspartame.
O adoçante foi classificado como “possivelmente cancerígeno”, mas a
própria OMS e a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura) afirmaram que o limite atual de ingestão é considerado seguro.
“O aspartame é classificado como possível risco, mas não
está bem estabelecido que vá aumentar o risco de câncer”, explica Stefani.
“É preciso calibrar esse debate para não gerar alarme e
levar as pessoas a trocar o adoçante pelo açúcar — e o açúcar, sim, contribui
para o ganho de peso, que é um fator de risco bem documentado.”
🌐 4. O 5G, o Wi-Fi ou o
micro-ondas causam câncer?
Não.
“Não, 5G e Wi-Fi não têm como causar câncer. O conteúdo
biológico é absolutamente inverossímil — essas ondas não têm energia suficiente
para danificar o DNA, que é o que precisaria acontecer para gerar uma doença
oncológica”, afirma Stefani.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não há
qualquer evidência de aumento de risco de câncer associado à exposição a redes
sem fio, celulares, antenas ou aparelhos domésticos.
😣 5. O estresse pode
causar câncer?
Não diretamente. O estresse não causa mutações
genéticas nem danos celulares suficientes para iniciar um tumor.
“O estresse não é o causador, mas pode diminuir a
imunidade em algumas situações e isso está relacionado ao crescimento de
doenças existentes”, explica Stefani. "Eu gosto de colocar de forma
prática: o estresse não é a semente; ele é o ambiente — a terra, a luz e a água
para essa semente crescer.”
Ou seja, o estresse não cria o câncer, mas pode favorecer a progressão de uma doença já instalada, dificultar o tratamento e interferir no sistema imunológico.
🍔 6. A alimentação tem
influência?
Sim, e muita. A alimentação é hoje um dos
principais fatores modificáveis de risco.
Estudos do INCA e da IARC mostram que dietas ricas
em ultraprocessados, bebidas açucaradas e carnes processadas estão relacionadas
à maior incidência de tumores colorretais, de mama e de fígado.
“É uma doença de estilo de vida. Só 5% dos casos são
hereditários; 90% têm relação com alimentação, sedentarismo e obesidade”,
explica Samuel Aguiar, líder do Centro de Referência de Tumores Colorretais do
A.C.Camargo Cancer Center e diretor do programa de residência médica da
instituição.
Segundo a médica nuclear Sumara Abdo, do INCA, a obesidade é
um fator central, porque “a gordura abdominal é um tecido biologicamente ativo
que produz substâncias inflamatórias capazes de estimular o crescimento celular
e favorecer mutações”.
“O corpo é forçado a se regenerar o tempo todo num
ambiente hostil. É um processo inflamatório silencioso, difícil de reverter”,
conclui Stefani.
🧪 7. Os dados do SUS
estão errados ou inflados?
Não. O Painel Oncologia BR – DataSUS usa a mesma
metodologia de notificação desde 2013, com dados informados por hospitais e
serviços de oncologia da rede pública de todo o país.
O crescimento de 284% reflete um aumento real na incidência.
“Toda política de saúde depende de dados, e hoje eles são
frágeis”, disse Stefani. “Na saúde suplementar, a notificação não é
compulsória. Então o país subestima a real dimensão do problema.”
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que não
é possível medir a incidência de câncer na rede privada porque, desde
2010, uma decisão judicial impede o uso da Classificação Internacional de
Doenças (CID) nas bases das operadoras.
O Ministério da Saúde também afirmou não possuir dados
completos que integrem todo o sistema de saúde.
🩺 8. O que realmente
causa câncer?
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, o risco
está mais ligado a comportamentos e exposições acumuladas ao longo da vida,
como:
- consumo
excessivo de álcool;
- tabagismo;
- alimentação
ultraprocessada e obesidade;
- radiação
solar sem proteção;
- poluição
e exposição química crônica.
“Temos coisas que realmente agridem o DNA e o danificam
ao longo da vida: álcool, cigarro, sol em excesso e poluição”, resume Stephen
Stefani. “A bebida alcoólica, por exemplo, não tem dose segura — assim como o
sol. Já o cigarro, com 7 mil substâncias e 300 delas cancerígenas, é o maior
vilão conhecido.”
📊 Fontes: Painel
Oncologia BR – DataSUS; entrevistas com Stephen Stefani (Oncoclínicas e
Americas Health Foundation), Sumara Abdo Lacerda Matedi (INCA), Samuel Aguiar
(A.C.Camargo Cancer Center); OMS; INCA; Anvisa; Nature Medicine (2022); IARC
(2023).
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