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sábado, 18 de outubro de 2025

TEOLOGIA: Introdução à História da Teologia Ortodoxa (Parte 3/3)

Igreja Ortodoxa (FASBAM)

TEOLOGIA

Introdução à História da Teologia Ortodoxa

Capítulo 10 da Obra «Os Grandes Teólogos do Século Vinte» - Vol. 2 - Os Teólogos protestantes e ortodoxos.

Battista MONDIN

Teólogo católico

Os estudiosos não estão de acordo sobre a divisão da história da teologia ortodoxa. Segundo Jugie, não existem na teologia oriental escolas teológicas e sistemas que possam oferecer um “fundamentum divisionis”[1]. Segundo outros estudiosos, ao contrário, há razões de tempo, lugar e outros gêneros que justificam sua divisão em dois ou mais períodos. Também somos dessa opinião, parecendo-nos justo dividir toda a história bimilenar da teologia oriental em sete grandes períodos.

VII. O Renascimento Moderno (séculos XIX-XX)

Nos séculos XIX e XX, a teologia ortodoxa se renova sobretudo em duas nações, Grécia e Rússia. Neste último país, nem mesmo a revolução bolchevique, com todas as suas dolorosas consequências para a Igreja, conseguiu impedir o grande florescimento teológico em curso no início do nosso século, ainda que tenha obrigado quase todos os mais insignes cultores da ciência sagrada a buscarem refúgio no exterior, pois eles reconstituíram em Paris e Nova York dois centros de teologia ortodoxa dotados de uma prodigiosa vitalidade.

Podemos dividir a história contemporânea da teologia ortodoxa em três partes: russa, grega e da Diáspora. Vamos examiná-las uma por uma, começando pela russa.

1. O renascimento russo

No início do século XIX, o epicentro da teologia ortodoxa desloca-se de Kiev para Moscou. A faculdade de teologia da capital começa a ascender durante o patriarcado de Filarete Drozdov (+ 1867).

As principais causas do renascimento foram duas: um maior contato com as fontes bíblicas e patrísticas (em 1812, foi fundada a Sociedade Bíblica Russa) e a introdução da língua russa em lugar do latim. Com o desaparecimento do latim, decai também a influência escolástica.

Os maiores artífices da renovação antes da Revolução Russa foram quatro: o metropolita Macário, Khomiakov, Svetlov e Soloviev.

O metropolita Macário (o seu nome de nascimento era Mikhail Petrovic Bulgakov) é o autor de uma famosa História da Igreja Russa em doze volumes e de uma Teologia Dogmática Ortodoxa, sendo que esta última chegou a ser premiada pela Academia de Ciências de Moscou. Ela é considerada por N. Glubokovski, um historiador da teologia russa, como “uma grandiosa tentativa de classificação científica do material teológico acumulado no passado”[9]. A obra foi adotada não só como manual para a formação de padres ortodoxos na Rússia, mas também como critério de ortodoxia. Com efeito, as posições de Macário correspondiam exatamente às do Santo Sínodo de Moscou no rígido conservadorismo, na interpretação literal da Escritura, no tom apologético e numa forte intolerância para com as outras confissões. Por esse motivo, além da escassa originalidade da obra, os teólogos russos deste século julgam-na bem menos favoravelmente do que seus colegas do século passado[10].

Enquanto o metropolita Macário é o expoente máximo da teologia “oficial”, Alexis Khomiakov (+ 1860) é o teólogo mais representativo do movimento eslavófilo. Esse movimento nasceu como reação contra a ocidentalização da intelectualidade. Para combater esta ocidentalização os “eslavófilos” recorriam ao velho mito do messianismo russo e ao pan-eslavismo religioso, rujas raízes haviam penetrado na consciência nacional desde os tempos dos grandes tzares do século XVI.

Teórico e teólogo do “eslavofilismo”, Khomiakov afirma que a antropologia, a sociologia e a teologia orientais estão separadas do “racionalismo cristão” do Ocidente por uma oposição radical. Contra o caráter jurídico dos latinos, exalta a Sobornost’ eslava. A nova eclesiologia de que ele é fundador baseia-se toda na ideia da comunidade unânime de todos os fiéis, isto é, a Sobornost’. Em sua opinião, é nela que residem a unidade e a infalibilidade da Igreja. Consequentemente, não pode haver nenhuma diferença essencial entre Igreja docente e Igreja discente, entre hierarquia e povo: toda decisão da hierarquia, para tornar-se autorizada e infalível, deve ser aceita por todo o povo. Assim, segundo Khomiakov, viria a realizar-se na Igreja Ortodoxa aquela perfeita harmonia entre liberdade e união que não seria possível no catolicismo nem no protestantismo; no primeiro, porque a união suprime a liberdade; no segundo, porque a liberdade suprime a união. No século passado, essas teorias de Khomiakov foram duramente criticadas e condenadas pela hierarquia ortodoxa e seu autor foi asperamente censurado. A publicação de suas obras só foi autorizada vinte anos depois de sua morte. Hoje, porém, a teologia de Khomiakov é muito difundida entre os teólogos ortodoxos.

Pavel I. Svetlov (+ 1942) foi quem mais contribuiu para consolidar e difundir as doutrinas de Khomiakov. Suas obras mais importantes são: A Doutrina Cristã Apresentada em Forma Apologética e A Ideia do Reino de Deus no seu Significado Relativo à Concepção Cristã do Mundo. Ele assume uma posição conciliatória nos pontos controversos entre ortodoxos e latinos, como por exemplo na questão da processão do Espírito, em que ele não encontra nenhuma diferença substancial entre as doutrinas grega e latina, e na questão da Imaculada Conceição. Svetlov critica particularmente os teólogos ortodoxos que consideram que as confissões não-ortodoxas não pertencem à Igreja de Cristo. Contra essa tese, afirma que “as Igrejas Oriental e Ocidental não são dois corpos completamente separados um do outro e mutuamente estranhos, mas simplesmente partes do único e verdadeiro Corpo de Cristo: a Igreja universal; ambas as comunidades cristãs estão da mesma forma unidas a Cristo através da sucessão apostólica, da verdadeira fé e dos sacramentos. Portanto, em consequência da aparente divisão, a Igreja universal parece subsistir em dois corpos, enquanto, de fato, é uma só. O obstáculo à sua reunião é constituído pela ideia errada, profundamente radicada em ambas as partes da cristandade, de que depois da divisão só uma parte se identifique com o todo, com a Igreja universal… As diferenças entre as duas Igrejas não são de substância, mas foram aumentadas pela inimizade e pela polêmica; frequentemente, são apenas aparentes”[11].

Soloviev (+ 1900), além de grande filósofo, foi um dos mais válidos representantes do renascimento teológico ortodoxo. Sua obra mais importante são as Lições sobre a Divino-humanidade, um profundo ensaio cristológico no qual a Encarnação é concebida como um evento que tem lugar no próprio coração do ser, sendo o seu evento interior, e depois, por extensão, se amplia a tudo o que é humano, colocando a história sob o signo da “cristificação” universal. De tal modo, o Cristo-Deus-Homem se cumpre no Cristo-Deus-Humanidade. Em harmonia com esse “teandrismo“, Soloviev elaborou uma “sofiologia” que, através das malhas do idealismo alemão e de um misticismo por vezes equívoco, tenta reler as afirmações da Bíblia e de Orígenes sobre a Sabedoria, que ele vê sair da Trindade para criar o mundo, divinizá-lo e reintegrá-lo em sua fonte. Florensky e Bulgakov retomariam depois por sua conta os elementos essenciais dessa teoria, esforçando-se por libertá-la dos seus elementos cabalísticos e gnósticos. 

3. O renascimento grego

O ponto de partida do renascimento da teologia ortodoxa na Grécia foi a fundação da Universidade de Atenas, poucos anos depois da expulsão dos turcos. A Faculdade de Teologia ocupava o lugar de honra entre as quatro faculdades com que teve início a nova universidade. Num primeiro momento, a principal função da faculdade foi a formação do clero e dos mestres de religião no novo Estado. Em seguida, contudo, passou-se a cuidar sempre mais da pesquisa científica. Essa orientação favoreceu consideravelmente o despertar da ciência teológica. Já no século XIX surgiram alguns autores de valor, como Constantino Kontogonis e Nicola Damalas. Este último é autor de um livro, Princípios Científicos e Eclesiásticos da Teologia Ortodoxa, que ainda hoje goza de grande fama.

Mas, foi sobretudo neste século que a Grécia produziu uma série respeitável de grandes teólogos. O primeiro de todos foi Christos Antroutsos (+ 1935), do qual Bratsiotis escreveu:

“Em minha opinião pessoal e interpretando também a opinião de todos os cientistas imparciais, posso assegurar que nossa escola teológica ainda não viu um teólogo tão capaz e genial e nunca ouviu um mestre tão metódico e atraente como ele”[13].

Suas inúmeras obras teológicas e a qualidade de suas monografias, estudos e discursos científicos constituem a demonstração mais eloquente da fecundidade de seu gênio. No Simbolismo do Ponto de Vista Ortodoxo, uma de suas obras mais originais, através de um penetrante estudo da Sagrada Escritura e dos Padres, ele procura identificar e descrever as diferenças entre as principais Igrejas e precisar o pensamento da Igreja Ortodoxa.

Outros teólogos importantes são Amilcas Alivizatos, Panaghiotis Bratsiotis, Panaghiotis Trembelas, João Karmiris e Nikos Nissiotis.

Amilcas Alivizatos, além de teólogo, é também um personagem bem conhecido tanto na Grécia como no resto da Europa. Ocupou numerosos e variados cargos nos governos do seu país. Teve um papel determinante na preparação da Carta Constitucional de 1923. Participou ativamente de muitas assembleias ecumênicas. Suas maiores obras são: A Continuidade Ininterrupta da Igreja Ortodoxa Grega com a Igreja Indivisa (1934); Posição Contemporânea da Teologia Ortodoxa (1931 ); O Culto na Igreja Ortodoxa (1952). Quanto ao pensamento, “Alivizatos é o descendente espiritual da tradição patrística liberal dos tempos em que florescia o cristianismo helênico, da Ortodoxia e do espírito ecumênico da Igreja antiga”[14].

Panaghiotis Bratsiotis é eminente sobretudo como exegeta. De 1929 a 1960, ocupou a cátedra de Introdução e Interpretação do Antigo Testamento. Suas principais obras são: O Judaísmo Palestino na Palestina (192O); João Batista como Profeta (1921); Estudos sobre os LXX (1926); Introdução ao Antigo Testamento (1937); Comentário a Isaías (1956).

Panaghiotis Trembelas, talento multiforme e fecundo não negligenciou nenhum campo do saber teológico, da apologética à teologia fundamental, da exegese à liturgia, da moral à dogmática. Neste último campo, sua principal obra é A Dogmática da Igreja Católica Ortodoxa, em três volumes, publicados entre 1959 e 1961. Nela, o autor se propõe a dar a conhecer o espírito dos Santos Padres; na realidade, entre suas qualidades, a sua dogmática tem a qualidade de ser verdadeiramente patrística. Um mérito de Trembelas foi ter renovado a exposição da teologia dogmática grega, aprofundada de há muito pelos trabalhos de Androutsos, os quais, porém, já se encontravam um pouco ultrapassados.

João Karmiris é um teólogo que se formou no Ocidente, nas universidades de Berlirh e Bonn, tendo começado a conquistar fama nos ambientes internacionais com a tradução neo-helênica da Summa Theologiae de são Tomás de Aquino. São bastante numerosas suas publicações no campo histórico-dogmático. A sua obra-prima é A Tradição Histórica e Simbólica da Igreja Católica Ortodoxa, em dois volumes, publicados respectivamente em 1952 e 1953. Seus estudos “esclareceram a posição da Igreja Ortodoxa diante das várias tentativas dos Reformadores e fortaleceram o zelo e a altivez dos ortodoxos”[15].

Nikos A. Nissiotis (nascido em Atenas em 1925) está exercendo considerável influência especialmente nos ambientes ecumênicos. Atualmente, exerce o cargo de diretor do Instituto Ecumênico de Bossey (Suíça). Sua atividade teológica inspira-se constantemente nas exigências de sua função: o estudo dos problemas ecumênicos mais importantes do momento. Durante e depois do Concílio Vaticano II, granjeou apreço por suas penetrantes análises dos documentos conciliares desde o ponto de vista ortodoxo. Sua principal obra intitula-se O Problema da Fé em Kierkegaard e no Existencialismo Moderno.

E assim concluímos nossa visão panorâmica da história da Teologia Oriental. Breve síntese que, no entanto, não nos impediu de constatar como essa história é rica e variada. É bem verdade que ela teve momentos de pausa e declínio, como qualquer outra história, mas também teve longos períodos de grande esplendor, principalmente o período patrístico e neopatrístico e, depois, o período moderno e contemporâneo.

Neste século, a teologia ortodoxa registrou um reflorescimento semelhante ao das teologias irmãs, a católica e a protestante. Seus Bulgakov, Berdiaev, Florovsky e Lossky não são menores do que os nossos Rahner, Congar, Guardini, de Lubac e Chenu.

Esse é um fato bastante prometedor para o futuro da Cristandade. Faz brotar a esperança de que, por meio do diálogo entre os grandes teólogos e mediante o confronto de suas posições, as Igrejas Católica, Protestante e Ortodoxa possam reencontrar a unidade na fé. 

Notas:

[1] M. JUGIE, Theologia Dogmatica Christianorum Orientalium ab Ecclesia Cathotica Dissidentium, Paris, 1926-1935, v. 11, p. 18, nota.

[9] N. GLUBOKOVSKI, Russische Theologische Wissenschaft in lhrer Geschichtlichen Entwicklung uni lhren Heutigen Zustand, Varsóvia, 1928, p. 4.

[10] G. FLOROVSKY mostra-se severo em relação a Macário na obra Os Caminhos da teologia Russa (em ruSSO). Cf. pp. 222ss. 9. Os grandes teólogos … Vol. 2.

[11] Citação em J. CHRYSOSTOMUS, O.c., pp. 105-106.

[12] N. BERDIAEV, Autocoscienza, Esperimento di Autobiografia Filosofica, Paris, 1949, p. 99.

[13] Citado por P. DUMONT, “La Teologia Greca Odierna” em Oriente Cristiano, 1966, n. I, pp. 36-37.

[14] G. KONIDARIS, citado por P. DUMONT, “La Teologia Greca Odierna” em Oriente Cristiano, 1967, n. 4, p. 20.

[15] Idem, ibidem, n. 4, p. 53.

Fonte: https://byblos.ecclesia.org.br/teologia/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF