Estudo com mais de 226 mil pessoas indica que turnos
irregulares aumentam em 22% o risco de formação de cálculos, uma das doenças
urológicas mais comuns. Funcionários noturnos também são prejudicados.
Por Paloma
Oliveto
postado em 17/10/2025 05:30
Trabalhar em escalas aumenta em 15% o risco de desenvolver
cálculo renal, a famosa pedra nos rins, comparado a quem mantêm uma rotina
laboral regular. Entre os que atuam frequentemente em turnos alternados ou
noturnos, como profissionais das áreas de segurança, medicina e transporte, a
chance é ainda maior: 22%. A conclusão é do maior estudo já realizado sobre
saúde ocupacional e doenças renais, que incluiu dados de 226 mil pessoas,
acompanhadas por 14 anos.
Também conhecido como nefrolitíase, o cálculo renal é uma
das doenças urológicas mais comuns, com prevalência que varia de 1% a 13% da
população mundial. Embora geralmente curável, metade dos pacientes sofre
recorrência em até 10 anos. Além da dor intensa, o problema está ligado ao
risco aumentado de insuficiência renal crônica e doenças cardiovasculares.
Também é uma das principais causas de afastamento do trabalho.
No Brasil, estima-se que cerca de 10% dos adultos sofram ao
menos um episódio de cálculo ao longo da vida, segundo a Sociedade Brasileira
de Urologia (SBU) e, segundo dados do Ministério da Saúde, o número de
internações hospitalares associadas ao problema tem aumentado anualmente. A
Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que cerca de um em cada
cinco trabalhadores no mundo realiza algum tipo de trabalho em turnos; a
estimativa nacional mais recente, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), é de que 6,9 milhões exerçam suas funções laborais em horários
atípicos.
Hormônios
Os autores do estudo, da Universidade Sun Yat-sen, na China,
explicam que a exposição contínua a horários irregulares, principalmente à
noite, afeta o ritmo circadiano (o relógio biológico), o metabolismo e a
secreção hormonal, fatores que repercutem na função renal. Estudos anteriores
já haviam apontado que trabalhadores noturnos são mais propensos a obesidade,
hipertensão e doenças cardiovasculares, condições que também favorecem o
desenvolvimento de cálculos.
Segundo o urologista Irineu Neto, da Amplexus Saúde
Especializada, o ciclo circadiano regula funções essenciais do rim, como a
filtração glomerular, a reabsorção de eletrólitos e a concentração urinária.
Quando uma pessoa trabalha à noite ou no esquema de escalas, há uma
desorganização desse sistema, com consequências diretas no órgão. Entre elas, a
alteração na secreção do hormônio antidiurético (ADH). "O organismo tende
a concentrar mais a urina durante o turno noturno, aumentando o risco de
supersaturação urinária e precipitação de cristais", explica.
Neto também diz que interrupções no ciclo circadiano
promovem mudanças no metabolismo de cálcio, fosfato e ácido úrico, com aumento
da excreção de sais que participam da formação de cálculos. "Além disso,
há maior estresse oxidativo e inflamação renal, o que prejudica os mecanismos
protetores das células tubulares contra a cristalização. Assim, o
desalinhamento do relógio biológico com o ciclo claro-escuro favorece o acúmulo
de cristais e a formação de cálculos renais."
Estilo
O estilo de vida pode justificar parte da associação
encontrada na pesquisa, publicada na revista Mayo Clinic Proceedings.
Até 22% do efeito do trabalho em turnos sobre o risco renal está associado ao
aumento do peso corporal. Tabagismo e sono inadequado respondem, cada um, por
cerca de 6%. Por outro lado, a ingestão de líquidos — especialmente água, chá e
café — demonstrou papel protetor, reduzindo a chance de cálculo nos rins em
quase 18%.
Os autores do estudo argumentam que os impactos do turno
irregular vão além do desequilíbrio do relógio biológico. "Fumar, dormir
mal, permanecer longos períodos sentado e ter índice de massa corporal elevado
foram identificados como mediadores importantes da relação entre trabalho em
turnos e formação de cálculos renais", escreveram Man He e Yin Yang,
principais autores do artigo.
O estudo usou estatísticas do UK Biobank, um banco de dados
britânico que reúne informações genéticas, clínicas e comportamentais de meio
milhão de voluntários. Foram excluídas as pessoas que já tinham histórico de
cálculo renal, totalizando 226.459 participantes empregados ou autônomos, com
idades entre 37 anos e 73 anos no início da pesquisa. Durante o período de
acompanhamento — de 2006 a 2023 — 2.893 deles desenvolveram nefrolitíase.
Sedentarismo
Os efeitos foram observados mais em profissionais com menos
de 50 anos e que realizam atividades de baixo esforço físico.
"Aparentemente, a menor ingestão de líquidos entre trabalhadores com
atividades sedentárias ajuda a explicar esse resultado", observa o artigo.
Para Yin Yang, epidemiologista e coautor do estudo, os
resultados reforçam a necessidade de políticas de saúde voltadas a
trabalhadores com horários não convencionais. "Nossas descobertas indicam
que o trabalho em turnos deve ser considerado um fator de risco para cálculos
renais. É preciso promover estilos de vida saudáveis nesse grupo, incluindo
hidratação adequada, manutenção do peso, sono regular e redução do sedentarismo
e do tabagismo", destaca o pesquisador.
"Os resultados do estudo destacam a necessidade de
explorar iniciativas que busquem remediar os fatores de risco para cálculos
renais, incluindo maior flexibilidade nos horários de trabalho", acredita
Felix Knauf, da Divisão de Nefrologia e Hipertensão da Clínica Mayo, em
Rochester, que escreveu um editorial sobre a pesquisa. Knauf cita, entre outras
iniciativas, o incentivo a check-ups regulares com exames renais simples, como
ultrassonografia; a promoção de campanhas sobre hidratação e controle de peso,
e a oferta de ambientes de descanso apropriados.
Os autores do artigo concordam que pequenas mudanças podem
reduzir significativamente o risco de pedra nos rins. "Nossos resultados
indicam que intervir em fatores modificáveis, como peso corporal e hábitos de
sono, pode evitar uma parcela considerável dos casos de cálculo renal entre
trabalhadores em turnos", escreveram. "Cuidar do corpo e respeitar o
ritmo biológico é essencial — mesmo quando o relógio insiste em dizer o
contrário."
Quatro perguntas para...
Rafael Buta, urologista, especialista em cirurgia
robótica da Clínica Veridium
De que forma a alteração do ritmo circadiano pode
favorecer o acúmulo de cristais nos rins?
O trabalho em turnos, especialmente o noturno, desregula
nosso relógio biológico (ritmo circadiano). Essa alteração impacta o
metabolismo e pode levar à obesidade, elevando os níveis de cálcio no
organismo. O excesso de cálcio na urina é um dos principais componentes da
maioria dos cálculos. Além disso, a desregulação circadiana causa estresse
oxidativo e inflamação, que estão envolvidos diretamente na formação de
cristais de oxalato de cálcio nos rins, aumentando o risco de cálculos.
De que modo fatores como sono inadequado e
sedentarismo influenciam o risco de doença renal a longo prazo?
Com o tempo, o sono inadequado eleva o estresse oxidativo e a inflamação no
corpo, processos que facilitam a formação de cristais nos rins. Já o
sedentarismo prolongado pode desencadear a síndrome metabólica, que é um
conhecido fator de risco para o desenvolvimento de cálculos renais. Ambos
afetam o equilíbrio do corpo, tornando-o mais propenso a essa condição.
O consumo de café ou chá, comuns em quem trabalha à
noite, pode contribuir positivamente para a hidratação?
O estudo sugere que o consumo de café pode estar associado a
uma menor incidência de cálculos renais, mesmo considerando seu teor de
oxalato. Café, chá e água são contabilizados na ingestão total de líquidos.
Manter uma boa hidratação ajuda a diluir a urina e a eliminar cristais,
reduzindo o risco de formação de pedras nos rins. Portanto, essas bebidas
podem, sim, contribuir positivamente para a hidratação.
Que medidas preventivas poderiam ser implementadas em
empresas com regimes noturnos?
Empresas com regimes noturnos podem promover hábitos
saudáveis. Isso inclui oferecer horários de trabalho flexíveis para minimizar a
desregulação circadiana e implementar programas educativos focados em: manejo
do peso, aumento da ingestão de líquidos, bons hábitos de sono, redução do
sedentarismo e abandono do tabagismo. Incentivar uma alimentação equilibrada
também é fundamental. (PO)
Hábitos protetores
O urologista Irineu Neto ensina como reduzir o risco de
cálculos renais:
1. Hidratação: as diretrizes da Sociedade Brasileira de
Urologia (SBU) recomendam que adultos ingiram uma média de 2,5l a 3l de
líquidos diários;
2. Manter rotina de sono regular, mesmo nos dias de
folga, e dormir em ambiente escuro e silencioso;
3. Reduzir o consumo de sal (menos de 5g/dia) e de proteína
animal, pois aumentam a excreção de cálcio e ácido úrico;
4. Evitar bebidas açucaradas e energéticos, muito usados em
turnos, que favorecem a litogênese;
5. Consumir frutas ricas em citrato, como limão e laranja,
que inibem a cristalização;
6. Urinar com frequência, evitando longos períodos de
retenção;
7. Manter peso corporal adequado e praticar atividade física
regularmente.
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