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quinta-feira, 16 de outubro de 2025

TEOLOGIA: Introdução à História da Teologia Ortodoxa (Parte 1/3)

Igreja Ortodoxa (FASBAM)

TEOLOGIA

Introdução à História da Teologia Ortodoxa

Capítulo 10 da Obra «Os Grandes Teólogos do Século Vinte» - Vol. 2 - Os Teólogos protestantes e ortodoxos.

Battista MONDIN

Teólogo católico

Os estudiosos não estão de acordo sobre a divisão da história da teologia ortodoxa. Segundo Jugie, não existem na teologia oriental escolas teológicas e sistemas que possam oferecer um “fundamentum divisionis”[1]. Segundo outros estudiosos, ao contrário, há razões de tempo, lugar e outros gêneros que justificam sua divisão em dois ou mais períodos. Também somos dessa opinião, parecendo-nos justo dividir toda a história bimilenar da teologia oriental em sete grandes períodos.

I. Período Patrístico (séculos I-VI)

O primeiro período da teologia oriental coincide com o da teologia ocidental: é o período patrístico. Nessa época, as Igrejas do Oriente e do Ocidente ainda estão unidas, dando origem a um patrimônio teológico único, para cuja formação contribuem tanto os Padres latinos (Tertuliano, Cipriano, Agostinho, Hilário, Ambrósio etc.) como os gregos (Orígenes, Clemente, Basílio, Gregório Nazianzeno e de Nissa, João Crisóstomo etc.).

Durante essa primeira fase da história da ciência sagrada, as principais características da reflexão teológica são as mesmas tanto no Oriente como no Ocidente. Ela tem caráter bíblico (inspira-se diretamente nos textos sacros), apofático (coloca preferencialmente a ênfase na incognoscibilidade e na inefabilidade de Deus e dos seus mistérios), assistemático (estuda os problemas que são impostos pelas circunstâncias, não se preocupando em abordá-los ordenadamente em seu conjunto) e platônico (adota como instrumento conceptual a filo de Platão, aplicando à divisão entre mundo natural e mundo sobrenatural a ruptura que Platão coloca entre mundo sensível e mundo inteligível).

Essas características permanecem constantes em toda a história da teologia oriental e com o tempo tendem a se acentuar em favor do misticismo e do intuicionismo. Já na teologia latina, depois da época patrística, essas características se eclipsam pouco a pouco, cedendo lugar a características contrárias: menor contato com a fonte bíblica, preocupação catafática e sistemática, aristotelismo como instrumento conceptual. Daí ter ocorrido um progressivo afastamento entre as teologias oriental e ocidental durante a Idade Média e a Época Moderna, um afastamento destinado a se aprofundar em virtude do cisma, até estender-se não só à forma, mas também ao conteúdo da reflexão teológica.

“Os primeiros cinco séculos constituem a idade de ouro dos grandes Mestres, Padres e Doutores da Igreja, que transmitem às futuras gerações a herança da Paradosis, já formada em suas grandes linhas”[2]. Os nomes inesquecíveis daqueles que mais contribuíram para a formação da teologia oriental são: Justino, Clemente, Orígenes, Atanásio, Cirilo, Basílio, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa, João Crisóstomo, Nestório, o Pseudo-Dionísio. 

II. A Era de Justiniano (séculos VI-VIII)

Na era de Justiniano (527-565), os teólogos empenham-se na luta contra dois excessos: o monofisismo e o nestorianismo.

A figura mais ilustre desse período é João Damasceno (+ 749), que supera a controvérsia através da explicitação dos conceitos de natureza e hipóstase. Sua principal obra é o De Fide Orthodoxa, uma grandiosa síntese da Tradição. Ela “encerra a era patrística e abre a época das cadeias enciclopédicas, em que a criação é substituída pelas citações e pelas justificações baseadas no consensus patrum”[3].

Outro teólogo de primeira grandeza foi Máximo, o Confessor (+ 638), que em suas viagens e seus contatos em Jerusalém e Roma, sobretudo com o papa Martinho I, combateu tanto o monofisismo como o monotelismo. O seu Florilegium revela visivelmente a influência do Pseudo-Dionísio e da filo neoplatônica, na qual são Máximo vê “o meio técnico mais apropriado para exprimir a ortodoxia”[4].

Durante a época justiniana foi que nasceu a famosa controvérsia do Filioqüe. Falando da processão do Espírito Santo, o III Concílio de Nicéia (787) utilizara a fórmula “ex patre per filium”. Essa fórmula não foi recebida favoravelmente pelos teólogos ocidentais (por exemplo: Alcuíno) que nela viam ambiguidade e o perigo de que o Espírito Santo fosse considerado uma criatura. Daí a áspera e longa disputa, que, como é sabido, foi uma das principais causas da separação entre as Igrejas de Constantinopla e de Roma.

III. Período de Fócio e Cerulário (séculos IX-XIII)

Fócio é geralmente recordado por sua participação no cisma do Oriente. Mas, frequentemente são ignorados os seus méritos no campo teológico, muito embora tenha sido o maior cultor da ciência sagrada em seu tempo.

O elemento que mais distingue a sua especulação teológica é o lugar absolutamente novo que nela ocupa a filo aristotélica. Ele utiliza a lógica do Estagirita com grande habilidade para defender a validade do “per Filium”. Geralmente, interpreta a Sagrada Escritura em sentido histórico e literal. Tem grande estima pelos Padres da Igreja (menos os latinos e João Damasceno), vendo neles os autênticos intérpretes do Evangelho. Antes da separação da Igreja latina (867), “não ensinou nada em contrário à fé da Igreja de Roma, mesmo ressaltando algumas diferenças nos usos litúrgicos e disciplinares (…)”[5]. A ruptura com Roma foi de breve duração, devendo-se mais a razões disciplinares do que dogmáticas.

No século X, a cena teológica é dominada pela figura de São Simeão, chamado o “Novo Teólogo”. Segundo Vladimir Lossky, ele merece amplamente tal título, porque foi ele quem impôs um novo rumo à teologia bizantina. Com efeito, ela, que antes tinha uma orientação essencialmente “cristológica”, passa a assumir uma orientação predominantemente” pneumatológica”: “Os problemas relativos ao Espírito Santo e à graça são agora o núcleo central em torno do qual gravita o pensamento teológico[6].

Nesse meio tempo, tornavam-se sempre mais tênues as relações de Constantinopla com Roma, em virtude das péssimas condições políticas em que se encontrava o Ocidente naquela época por causa das invasões dos húngaros, normandos e árabes. Por isso, quando Miguel Cerulário anatematiza o papa de Roma, em 1054, mais do que criar uma situação nova, ele está apenas selando o estado de fato de uma separação que já perdurava há alguns séculos. O exemplo de Bizâncio foi depois seguido pouco a pouco por todas as igrejas de rito bizantino.

Como Fócio, Cerulário também foi um dos maiores teólogos de seu tempo, tendo contribuído com seus escritos para escavar um fosso ainda mais profundo com a Igreja latina. Em duas cartas, Epistula ad Petrum Antiochenum e Epistula Leonis Achridensis, bem como nos Panoplia, acusa os latinos de se terem afastado da Tradição apostólica nos seguintes pontos: os ázimos, o jejum do sábado, a abstinência, o rito do batismo, o culto das imagens, o filioqüe e o primado romano.

Outro grande teólogo desse período foi Miguel Psellos (+ 1078), poeta, historiador e filósofo, além de teólogo. Como Fócio, utiliza tanto a filo platônica como a aristotélica. Entre as suas doutrinas, as mais dignas de nota são: a processão “ex patre tantum”, uma certa substância material nos anjos, a santidade da Mãe de Deus no momento de sua concepção, a sua função medianeira.

Psellos teve inúmeros discípulos de valor, entre os quais João Ítalo (+ 1084) e Teofilato, prelado da Bulgária (+ 1108).

No século XIII, a teologia bizantina se polarizou em torno do Concílio de Lião (1274), que se propunha a restabelecer a união entre Constantinopla e Roma. Mas os esforços daqueles que procuravam dissipar as razões do conflito não tiveram êxito. Os resultados positivos do Concílio não foram bem acolhidos pelos monges e pelo povo e o cisma continuou.

Notas:

[1] M. JUGIE, Theologia Dogmatica Christianorum Orientalium ab Ecclesia Cathotica Dissidentium, Paris, 1926-1935, v. 11, p. 18, nota.

[2] P. EVDOKIMOV, L’Ortodossia, Bolonha, 1965, p. 17.

[3] Ibid., p. 31

[4] Ibid., p. 19.

[5] V. MALANCZUK, “Byzantine Theology, I (to 1500)” em New Catholic Encyclopedia, v. lI, p. 1019.

[6] V. Lo SSKY, La Teologia Mistica delta Chiesa d’Oriente, Bolonha, 1967, p. 385.

Fonte: https://byblos.ecclesia.org.br/teologia/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF