O que esperar da Cúpula dos Povos em Belém?
Falta apoio e hospedagem ao evento que ocorrerá em paralelo à COP30, onde movimentos populares serão protagonistas.
Lideranças contam como se organizarão, suas bandeiras, os entraves para receber
cerca de 15 mil indígenas e ativistas e seu projeto de cozinha solidária.
A reportagem é de Brenda
Taketa, publicada por O Joio e o
Trigo, 21-10-2025.
Nem a inflação nos preços de serviços de hospedagem e
eventos nem a dificuldade de obter respostas dos governos federal e do Pará serão
obstáculos à realização da Cúpula dos Povos por Justiça Climática, entre os dias 12 e
16 de novembro, em Belém, cidade-sede da 30ª Conferência das Nações
Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30).
Com a representação de 1,1 mil organizações não
governamentais, de base e movimentos populares do Brasil e de outros países, a
expectativa é que o evento reúna, de forma paralela à COP, entre 15
e 20 mil pessoas ligadas a coletivos de mulheres, jovens, povos indígenas,
camponeses, defensores de direitos humanos e ativistas socioambientais.
Realizada pela primeira vez em 1992, a Cúpula dos
Povos é um espaço ocupado por grupos historicamente excluídos das
mesas de negociações climáticas, servindo como plataforma para que eles
apresentem suas demandas e reivindiquem soluções que priorizem a preservação da
vida, a defesa dos territórios e a justiça socioambiental.
Na edição de 2025, uma barqueada – manifestação
político-cultural feita por barcos – da Baía de Guajará ao Rio
Guamá, cuja margem abriga a Universidade Federal do Pará (UFPA),
marcará o início das atividades. A organização foi mantida mesmo com a demora
na confirmação de apoio por parte do governo federal e da dificuldade de
diálogo com o governo do Pará.
“O que a gente tem dito para todo mundo do governo é ‘ó,
querendo vocês ou não, financiando vocês ou não, nós vamos estar em Belém.
Ponto. Vocês decidem se com mais diálogo ou menos diálogo’”, dispara Ayala Ferreira, da direção nacional do Movimento Sem Terra (MST), que compõe o colegiado
político de organização da Cúpula. De acordo com Ayala, somente
o MST pretende levar cerca de 2 mil pessoas para Belém em
novembro, se a infraestrutura disponível para alojamentos permitir.
“Com menos gente que possa ser, menos gente vai assustar do
mesmo jeito, porque eles [os governos] não concebem eventos em que tem grandes
setores [da sociedade] e setores populares participando”, completa.
Oferta de alimentos
Assegurada apenas no final do mês de setembro, a
contrapartida do governo Lula envolverá a oferta dos alimentos
para a produção diária de 30 mil refeições – café da manhã, almoço e jantar
para um público de 10 mil pessoas – durante os cinco dias de evento. A compra
será realizada por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Além disso, o governo federal foi demandado a fornecer
infraestrutura para a UFPA, espaço de realização das principais
atividades da Cúpula, o que inclui o repasse de recursos e a
contratação de serviços para montagem de tendas e palcos, instalação de som e
aluguel de mesas e cadeiras.
A inflação descontrolada nos preços de hospedagem, amplamente
denunciada pela mídia, também está entre os entraves à organização das
atividades paralelas à COP30 pela sociedade civil. O problema
chegou a afetar delegações estrangeiras, que solicitaram ao governo brasileiro
a substituição de Belém por outra capital ou a solução dos
problemas de alojamento.
A primeira solução considerada para o problema de hospedar
cerca de 10 mil participantes da cúpula foi a cessão de uma área dentro da
própria Universidade. Para ser usado com segurança, porém, o terreno federal
disponível dependeria de obras como colocação de piso, construção de muro e
terraplanagem para a instalação de acampamentos.
O prazo para a contratação dos serviços de preparação do
espaço era até abril, mas os governos não liberaram os recursos necessários
para a realização das obras, estimadas em cerca de R$ 15 milhões. Sem o mínimo
necessário para assegurar condições sanitárias e de segurança, tornou-se
impossível acomodar tanta gente no local. Segundo os organizadores, os
visitantes ficariam alojados, literalmente, na lama.
A falta de apoio mínimo levou à procura de um plano B: a
reserva de galpões em uma das avenidas que dão acesso à UFPA,
a Bernardo Sayão. Os espaços alugados ainda terão que passar por
limpeza e adaptações, para assegurar a instalação da infraestrutura mínima para
7 mil pessoas, o que inclui cozinhas coletivas com grande capacidade.
Falta de apoio
No âmbito local, a menos de um mês do início oficial
da COP30, nem o secretariado estadual liderado pelo
governador Helder Barbalho, nem a Prefeitura de Belém,
comandada por seu primo e correligionário Igor Normando, apoiaram a
Cúpula para facilitar a acomodação dos participantes mobilizados.
Os organizadores do evento ainda têm a expectativa que haja
liberação de escolas no entorno da universidade, situada entre os bairros
populares do Guamá e da Terra Firme, para garantir a
hospedagem de outros 3 mil participantes.
“Tem sido desafiador o diálogo com o governo no sentido de
apoiar a sociedade civil que está estruturando um processo de mais 800
entidades nacionais e internacionais. De tudo que está sendo preparado em
paralelo [à COP30], [a Cúpula dos Povos] é o maior
espaço, o mais diverso, o mais amplo, o que mais vem construindo com a inclusão
de atores que se juntam em torno da agenda da justiça climática, mas que vão bem mais além dela”,
relatou Maureen Santos, coordenadora do Núcleo Políticas e
Alternativas da organização FASE, que também integra o colegiado político de
organização da Cúpula, em entrevista concedida à reportagem em julho deste ano.
Naquele momento, os entraves nas negociações com o governo
do Pará já se mostravam evidentes, mesmo com o esforço do
governo federal em servir de ponte na tentativa de diálogo.
A dificuldade de interlocução com as administrações Barbalho e Normando,
ambos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
contrasta com as celebrações das autoridades pela escolha de um país
democrático como sede da COP30. Esse cenário, em tese, facilitaria
a participação da sociedade civil nas discussões sobre o acordo climático.
A contradição é ainda maior quando se considera o
investimento federal de R$4 bilhões “para a construção de espaços, melhorias em
infraestrutura, requalificação viária, avanços ambientais e intervenções
urbanas”, segundo a fala do ministro da Casa Civil Rui Costa,
veiculada pela Agência Brasil.
Na corrida para construir os novos projetos, o governo do
estado enfrentou ainda uma greve de 5 mil trabalhadores da construção civil,
que chegaram a paralisar 80% das obras para a COP30 em meados
de setembro. Ainda assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou
algumas das novas instalações previstas para o evento – como os Parques da
Cidade e Linear da Doca, assim como o Museu das Amazônias – na primeira semana
de outubro.
A agenda da comitiva presidencial envolveu a visita do
ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo,
à Casa da Cúpula dos Povos, no dia 2 de outubro. A agenda incluiu a reunião com
representantes de movimentos populares, organizações da sociedade civil e redes
que se articulam para estar em Belém no próximo mês.
Durante a visita, o ministro declarou que o governo vê a
Cúpula dos Povos como um dos grandes momentos da COP30. “Nós
estamos realizando a COP na maior democracia dos povos e não se tem políticas
públicas sustentáveis se não tiver a participação social. Com certeza, nós
vamos construir juntos, a várias mãos, a COP30, que vai ser a COP com a maior
participação social da história”.
A promessa ministerial é que esse entusiasmo vai se
concretizar com a ampliação do diálogo com órgãos federais e os governos
locais, para que serviços de segurança, atendimento em saúde e internet sejam
assegurados aos milhares de participantes da cúpula.
Ajustes nos planos iniciais
Em entrevista concedida ao Joio, o coordenador
político da Confederação Sindical de Trabalhadores(as) das Américas (CSA), Iván
Gonzalez, contou que, há dois anos, quando o governo brasileiro e o
presidente Lula iniciaram a campanha para realizar a conferência para Belém,
havia grande expectativa por parte das organizações e movimentos de outros
países de estarem presentes na cidade.
Com a especulação nos preços de hotelaria, alugueis e
serviços em geral, junto com a demora dos governos em apresentar respostas
frente ao problema, os grupos tiveram que fazer ajustes nos planos iniciais.
Como resultado, a participação internacional provavelmente será menor do que se
esperava.
“Entendo que, nas últimas semanas e dias, o governo
brasileiro tem estado mais atento em responder a isso. A presença do
ministro Macedo na Casa da Cúpula dos Povos [no
dia 2 de outubro], e mesmo a presença do presidente Lula [em Belém,
na mesma semana], sinaliza que há uma resposta que ainda não se traduz
[completamente] em termos materiais. Mas creio que o governo brasileiro tem
consciência de que a Cúpula dos Povos é um espaço importante e que deve
apoiá-lo”, reflete Gonzalez. Apesar disso, pondera “as organizações
assumiram o compromisso político de estar presentes e ainda há organizações
buscando fundos para ir a Belém”.
O sindicalista também avalia que, em termos globais, o
cenário é de divisão política e de crise na cooperação internacional, com a
redução dos recursos internacionais para as agendas de enfrentamento da crise climática pela sociedade civil.
Apesar dos entraves e das críticas à demora dos governos
contorná-los, as lideranças políticas nacionais e internacionais ligadas à
organização da Cúpula dos Povos confirmam a importância da
escolha de Belém como sede do evento.
A leitura é que, diante da ofensiva internacional e das
crescentes pressões sofridas pelos países pan-amazônicos pela exploração
agropecuária, de minérios e energia, entre outras, a realização da Conferência do Clima
tem um aspecto simbólico para as lutas históricas e agendas atuais dos povos e
comunidades indígenas e tradicionais de todo o planeta.
“Nos parece correto que o governo brasileiro tenha decidido
que a COP seja na Amazônia, porque se fala tanto
da preservação e da responsabilidade, e há também um compromisso de todo o
conjunto da sociedade internacional e dos países de entender que a Amazônia é
um sistema vivo de gente e de natureza que é importante preservar, mas que, além
disso, são espaços onde se geram atividades econômicas, onde vivem milhões de
pessoas”, completa Gonzales.

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