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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O que esperar da Cúpula dos Povos em Belém? (Parte 1/2)

Belém recebe a Cúpula dos Povos (Revista Amazônia)

O que esperar da Cúpula dos Povos em Belém?

Falta apoio e hospedagem ao evento que ocorrerá em paralelo à COP30, onde movimentos populares serão protagonistas. Lideranças contam como se organizarão, suas bandeiras, os entraves para receber cerca de 15 mil indígenas e ativistas e seu projeto de cozinha solidária.

A reportagem é de Brenda Taketa, publicada por O Joio e o Trigo, 21-10-2025.

Nem a inflação nos preços de serviços de hospedagem e eventos nem a dificuldade de obter respostas dos governos federal e do Pará serão obstáculos à realização da Cúpula dos Povos por Justiça Climática, entre os dias 12 e 16 de novembro, em Belém, cidade-sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30).

Com a representação de 1,1 mil organizações não governamentais, de base e movimentos populares do Brasil e de outros países, a expectativa é que o evento reúna, de forma paralela à COP, entre 15 e 20 mil pessoas ligadas a coletivos de mulheres, jovens, povos indígenas, camponeses, defensores de direitos humanos e ativistas socioambientais.

Realizada pela primeira vez em 1992, a Cúpula dos Povos é um espaço ocupado por grupos historicamente excluídos das mesas de negociações climáticas, servindo como plataforma para que eles apresentem suas demandas e reivindiquem soluções que priorizem a preservação da vida, a defesa dos territórios e a justiça socioambiental.

Na edição de 2025, uma barqueada – manifestação político-cultural feita por barcos – da Baía de Guajará ao Rio Guamá, cuja margem abriga a Universidade Federal do Pará (UFPA), marcará o início das atividades. A organização foi mantida mesmo com a demora na confirmação de apoio por parte do governo federal e da dificuldade de diálogo com o governo do Pará.

“O que a gente tem dito para todo mundo do governo é ‘ó, querendo vocês ou não, financiando vocês ou não, nós vamos estar em Belém. Ponto. Vocês decidem se com mais diálogo ou menos diálogo’”, dispara Ayala Ferreira, da direção nacional do Movimento Sem Terra (MST), que compõe o colegiado político de organização da Cúpula. De acordo com Ayala, somente o MST pretende levar cerca de 2 mil pessoas para Belém em novembro, se a infraestrutura disponível para alojamentos permitir.

“Com menos gente que possa ser, menos gente vai assustar do mesmo jeito, porque eles [os governos] não concebem eventos em que tem grandes setores [da sociedade] e setores populares participando”, completa.

Oferta de alimentos

Assegurada apenas no final do mês de setembro, a contrapartida do governo Lula envolverá a oferta dos alimentos para a produção diária de 30 mil refeições – café da manhã, almoço e jantar para um público de 10 mil pessoas – durante os cinco dias de evento. A compra será realizada por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Além disso, o governo federal foi demandado a fornecer infraestrutura para a UFPA, espaço de realização das principais atividades da Cúpula, o que inclui o repasse de recursos e a contratação de serviços para montagem de tendas e palcos, instalação de som e aluguel de mesas e cadeiras.

inflação descontrolada nos preços de hospedagem, amplamente denunciada pela mídia, também está entre os entraves à organização das atividades paralelas à COP30 pela sociedade civil. O problema chegou a afetar delegações estrangeiras, que solicitaram ao governo brasileiro a substituição de Belém por outra capital ou a solução dos problemas de alojamento.

A primeira solução considerada para o problema de hospedar cerca de 10 mil participantes da cúpula foi a cessão de uma área dentro da própria Universidade. Para ser usado com segurança, porém, o terreno federal disponível dependeria de obras como colocação de piso, construção de muro e terraplanagem para a instalação de acampamentos.

O prazo para a contratação dos serviços de preparação do espaço era até abril, mas os governos não liberaram os recursos necessários para a realização das obras, estimadas em cerca de R$ 15 milhões. Sem o mínimo necessário para assegurar condições sanitárias e de segurança, tornou-se impossível acomodar tanta gente no local. Segundo os organizadores, os visitantes ficariam alojados, literalmente, na lama.

A falta de apoio mínimo levou à procura de um plano B: a reserva de galpões em uma das avenidas que dão acesso à UFPA, a Bernardo Sayão. Os espaços alugados ainda terão que passar por limpeza e adaptações, para assegurar a instalação da infraestrutura mínima para 7 mil pessoas, o que inclui cozinhas coletivas com grande capacidade.

Falta de apoio

No âmbito local, a menos de um mês do início oficial da COP30, nem o secretariado estadual liderado pelo governador Helder Barbalho, nem a Prefeitura de Belém, comandada por seu primo e correligionário Igor Normando, apoiaram a Cúpula para facilitar a acomodação dos participantes mobilizados.

Os organizadores do evento ainda têm a expectativa que haja liberação de escolas no entorno da universidade, situada entre os bairros populares do Guamá e da Terra Firme, para garantir a hospedagem de outros 3 mil participantes.

“Tem sido desafiador o diálogo com o governo no sentido de apoiar a sociedade civil que está estruturando um processo de mais 800 entidades nacionais e internacionais. De tudo que está sendo preparado em paralelo [à COP30], [a Cúpula dos Povos] é o maior espaço, o mais diverso, o mais amplo, o que mais vem construindo com a inclusão de atores que se juntam em torno da agenda da justiça climática, mas que vão bem mais além dela”, relatou Maureen Santos, coordenadora do Núcleo Políticas e Alternativas da organização FASE, que também integra o colegiado político de organização da Cúpula, em entrevista concedida à reportagem em julho deste ano.

Naquele momento, os entraves nas negociações com o governo do Pará já se mostravam evidentes, mesmo com o esforço do governo federal em servir de ponte na tentativa de diálogo.

A dificuldade de interlocução com as administrações Barbalho e Normando, ambos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), contrasta com as celebrações das autoridades pela escolha de um país democrático como sede da COP30. Esse cenário, em tese, facilitaria a participação da sociedade civil nas discussões sobre o acordo climático.

A contradição é ainda maior quando se considera o investimento federal de R$4 bilhões “para a construção de espaços, melhorias em infraestrutura, requalificação viária, avanços ambientais e intervenções urbanas”, segundo a fala do ministro da Casa Civil Rui Costa, veiculada pela Agência Brasil.

Na corrida para construir os novos projetos, o governo do estado enfrentou ainda uma greve de 5 mil trabalhadores da construção civil, que chegaram a paralisar 80% das obras para a COP30 em meados de setembro. Ainda assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou algumas das novas instalações previstas para o evento – como os Parques da Cidade e Linear da Doca, assim como o Museu das Amazônias – na primeira semana de outubro.

A agenda da comitiva presidencial envolveu a visita do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, à Casa da Cúpula dos Povos, no dia 2 de outubro. A agenda incluiu a reunião com representantes de movimentos populares, organizações da sociedade civil e redes que se articulam para estar em Belém no próximo mês.

Durante a visita, o ministro declarou que o governo vê a Cúpula dos Povos como um dos grandes momentos da COP30. “Nós estamos realizando a COP na maior democracia dos povos e não se tem políticas públicas sustentáveis se não tiver a participação social. Com certeza, nós vamos construir juntos, a várias mãos, a COP30, que vai ser a COP com a maior participação social da história”.

A promessa ministerial é que esse entusiasmo vai se concretizar com a ampliação do diálogo com órgãos federais e os governos locais, para que serviços de segurança, atendimento em saúde e internet sejam assegurados aos milhares de participantes da cúpula.

Ajustes nos planos iniciais

Em entrevista concedida ao Joio, o coordenador político da Confederação Sindical de Trabalhadores(as) das Américas (CSA), Iván Gonzalez, contou que, há dois anos, quando o governo brasileiro e o presidente Lula iniciaram a campanha para realizar a conferência para Belém, havia grande expectativa por parte das organizações e movimentos de outros países de estarem presentes na cidade.

Com a especulação nos preços de hotelaria, alugueis e serviços em geral, junto com a demora dos governos em apresentar respostas frente ao problema, os grupos tiveram que fazer ajustes nos planos iniciais. Como resultado, a participação internacional provavelmente será menor do que se esperava.

“Entendo que, nas últimas semanas e dias, o governo brasileiro tem estado mais atento em responder a isso. A presença do ministro Macedo na Casa da Cúpula dos Povos [no dia 2 de outubro], e mesmo a presença do presidente Lula [em Belém, na mesma semana], sinaliza que há uma resposta que ainda não se traduz [completamente] em termos materiais. Mas creio que o governo brasileiro tem consciência de que a Cúpula dos Povos é um espaço importante e que deve apoiá-lo”, reflete Gonzalez. Apesar disso, pondera “as organizações assumiram o compromisso político de estar presentes e ainda há organizações buscando fundos para ir a Belém”.

O sindicalista também avalia que, em termos globais, o cenário é de divisão política e de crise na cooperação internacional, com a redução dos recursos internacionais para as agendas de enfrentamento da crise climática pela sociedade civil.

Apesar dos entraves e das críticas à demora dos governos contorná-los, as lideranças políticas nacionais e internacionais ligadas à organização da Cúpula dos Povos confirmam a importância da escolha de Belém como sede do evento.

A leitura é que, diante da ofensiva internacional e das crescentes pressões sofridas pelos países pan-amazônicos pela exploração agropecuária, de minérios energia, entre outras, a realização da Conferência do Clima tem um aspecto simbólico para as lutas históricas e agendas atuais dos povos e comunidades indígenas e tradicionais de todo o planeta.

“Nos parece correto que o governo brasileiro tenha decidido que a COP seja na Amazônia, porque se fala tanto da preservação e da responsabilidade, e há também um compromisso de todo o conjunto da sociedade internacional e dos países de entender que a Amazônia é um sistema vivo de gente e de natureza que é importante preservar, mas que, além disso, são espaços onde se geram atividades econômicas, onde vivem milhões de pessoas”, completa Gonzales.

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/658880-o-que-esperar-da-cupula-dos-povos-em-belem

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF