BENEDICTO, DOUTOR, POETA E PASTOR DA IGREJA
11/08/2025
Dom Geraldo dos Reis Maia
Bispo de Araçuaí (MG)
No entardecer do domingo, quando nas grandes Basílicas se
oferecia o incenso do sacrifício vespertino das Segundas Vésperas, no dia 03 de
agosto de 2014, Dia do Padre, e véspera da memória litúrgica de São João Maria
Vianney, no início do Mês Vocacional, partia Dom Benedicto de Ulhôa Vieira para
fazer a sua Páscoa definitiva, entrando no dia sem ocaso para o eterno repouso,
participando das alegrias do Senhor, a quem serviu por toda a sua vida.
Desde criança, em Mococa (SP), onde nascera aos 19 de
outubro de 1920, servia nos altares do Senhor, acalentando o desejo de um dia
ministrar a Santa Missa. Com brilho no olhar, Dom Benedito nos contava uma de
suas muitas memórias de infância. Ele tinha uma irmãzinha que andava com
dificuldades, amparada por muletas. A mãe, que teve a vida ceifada
precocemente, contava para as crianças reunidas na sala, a história de Nossa
Senhora Aparecida, que libertou o escravo. No mesmo instante, a menina
exclamou: “Se Nossa Senhora libertou o escravo, ela pode me curar”. Deixando as
muletas, sua irmãzinha começou a andar naturalmente para nunca mais usar
muletas. Emocionado, Dom Benedicto arrematava: “Naquele dia, Nossa Senhora
entrou na minha casa, curou minha irmã e me chamou para ser padre”.
Foi esse encanto pelo chamado de Deus, reclinado por Nossa
Senhora Aparecida em seu coração de criança, que levou o jovem Benedicto a
superar muitos desafios do processo formativo na vida de seminário e a ser
ordenado presbítero, no dia 8 de dezembro de 1948. Dentre os muitos trabalhos
que ele se dedicou como padre, na capital paulista, podemos ressaltar: foi
Professor, Vice-Reitor e Capelão da PUC-SP; Pároco dos Universitários e Reitor
do Seminário Central do Ipiranga; Vigário Geral da Arquidiocese de São Paulo e
coordenador de sua restauração administrativa.
O jovem Padre Benedicto foi o autor da primeira tese
doutoral defendida na Faculdade de Teologia “Nossa Senhora da Assunção”, em São
Paulo. Filiada à Pontifícia Universidade Católica e anexada ao Seminário
Central do Ipiranga, a insipiente Faculdade – que ainda não completara cinco
anos de sua fundação – contava já com uma dezena de sacerdotes formados na
Pontifícia Universidade de Roma. A data da defesa da tese foi marcada pelo
próprio Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos, Cardeal Motta, que presidiu a sessão
solene, aos 7 de setembro de 1953. O título da tese é “A consumação
soteriológica na Epístola aos Hebreus: Teologia de São João Crisóstomo”.
O Papa Paulo VI nomeou o então Monsenhor Benedicto como
Bispo Auxiliar de São Paulo. Sua ordenação ocorreu no dia 25 de janeiro
de 1972, pelas mãos do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, permanecendo no cargo
por sete anos. Ali, Dom Benedicto teve marcante atividade pastoral nas
comunidades da periferia e forte atuação profética em defesa dos presos
políticos e na denúncia dos desmandos da ditadura militar, como relatam
inúmeros livros de História. Recentemente, a jovem Amanda Oliveira apresentou
uma dissertação de mestrado na Universidade Federal de Uberlândia sobre este
tema, transformando-a em um livro intitulado “Dom Benedito de Ulhôa Vieira: uma
trajetória de Esperança”.
No dia 15 de setembro de 1978, Dom Benedicto tomou posse
como 2º Arcebispo Metropolitano de Uberaba-MG e 5º Bispo da cidade das sete
colinas. No seu discurso de chegada a Uberaba, ele assim se apresentou: “Sou
bandeirante. Venho de Piratininga e trago comigo a pressa daqueles que não
sabem esperar”. Seu governo pastoral foi marcado pela pressa em servir. Era o
homem que tudo fazia já de véspera. Ainda que tendo assumido encargos na CNBB,
como Vice-presidente (1983-1987) e Presidente do Regional Leste II, pastoreava
sua Igreja com todo desvelo.
No dia 6 de agosto de 1988, tive a grande satisfação de ter
sido ordenado diácono por este grande homem de Deus. Consigo ainda ouvir a sua
voz intrépida a interpretar a ordenação como verdadeira transfiguração: “Hoje,
neste Santuário, acontece uma nova transfiguração: a ordenação deste jovem.
Antes vai ele prostrar-se para sentir o cheiro da terra, de onde saímos, e
depois erguer-se, na beleza de sua mocidade, e dizer: ‘Senhor, aqui estou’”.
Aos 8 de dezembro de 1988, as mãos paternas de Dom Benedicto voltaram a ser
reclinadas sobre a minha fronte, agora para a ordenação presbiteral. Nós,
padres jovens, o rodeávamos para beber dele não somente a sabedoria, mas também
a sua afeição, como fazia o jovem Irineu aos pés do velho Policarpo, bispo de
Esmirna, no início do século II. Quais homens insignes da história da Igreja,
Dom Benedicto nos transmitia a Tradição Apostólica e nos enchia de zelo e ardor
no discipulado e na configuração a Jesus Cristo.
Além das visitas pastorais às paróquias e animação das
periódicas reuniões do clero, D. Benedicto instituiu as Assembleias
arquidiocesanas e a elaboração dos planos de pastoral (PAPIU – Plano
Arquidiocesano de Pastoral da Igreja de Uberaba). Organizou a Arquidiocese
conforme a inspiração do Concilio Vaticano II, Igreja Povo de Deus. Criou 11
paróquias; ordenou 30 padres; criou a Comissão dos Direitos Humanos; realizou a
reforma da catedral e de várias outras igrejas e, no seu governo, foi
desmembrada a Diocese de Ituiutaba. Construiu o novo Seminário, dedicado a São
José; criou a Escola de teologia para leigos e leigas (ESTELAU) e a Escola
diaconal Santo Estevão.
Foram mais de 17 anos de profícuo ministério episcopal de
Dom Benedicto na Arquidiocese de Uberaba, cujos frutos ainda reverberaram mesmo
depois de se tornar emérito, o que ocorreu a 28 de fevereiro de 1996. Suas
aulas, palestras e homilias manifestavam sua altíssima sabedoria, recolhida em
várias obras publicadas. Como Reitor do Santuário da Medalha Milagrosa, Dom
Benedicto, já Arcebispo emérito, aspergia seu zelo pastoral e a todos encantava
com seu vigor nutrido de fé inquebrantável. Às noites de sexta-feira, saía
pelas ruas da cidade levando um lanche às pessoas em situação de rua,
manifestando sua solidariedade para com os empobrecidos. Já alquebrado, tinha
grande satisfação em receber visitas em sua casa, com quem se entretinha
sobre variados assuntos, como cultura, literatura, filosofia, teologia,
religiosidade e muita prosa boa.
Foi esse o homem-doutor, rico em sabedoria para enriquecer o
seu rebanho com a iluminação divina. Foi ele o homem-poeta a inspirar o sentido
da vida de tantas pessoas. Foi ele o pastor zeloso a cuidar, com extrema
dedicação, do rebanho a ele confiado, com amor de predileção pelos empobrecidos
e descartados da sociedade. Dom Benedicto foi o homem completo, excessivamente
humano, no exercício de seu ministério como servidor de Deus e de seu
povo.
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