Arquivo 30Dias nº 10 - 2008
O túmulo dos apóstolos
São Pedro
O discípulo que aprendeu a humildade.
de Lorenzo Bianchi
Entre 1939 e 1949, por vontade de Pio XII, uma escavação
arqueológica sob o altar-mor da Basílica Vaticana foi levada a cabo por quatro
estudiosos de arqueologia, arquitetura e história da arte – Bruno Maria
Apollonj-Ghetti, padre Antonio Ferrua, S.J., Enrico Josi e padre Engelbert
Kirschbaum, S.J. –, sob a direção de dom Ludwig Kaas, secretário da Insigne
Fábrica de São Pedro. Inicialmente, eles encontraram o monumento de
Constantino, um paralelepípedo com cerca de três metros de altura, revestido de
mármore pavonáceo e pórfiro. A face anterior desse monumento tinha uma abertura
que corresponde ao atual Nicho dos Retábulos, nas Grutas Vaticanas; a
posterior, parcialmente recuperada, ainda pode ser vista atrás do altar da
Capela Clementina. Escavando ao longo dos lados do monumento constantiniano,
foi possível encontrar debaixo dele o túmulo de Pedro. As escavações revelaram
uma pequena capela, formada por uma mesa sustentada por duas pequenas colunas
de mármore e apoiada num muro rebocado e pintado de vermelho (o chamado “muro
vermelho”) em posição correspondente à de um nicho; no chão, diante do nicho,
sob uma pequena laje, um túmulo escavado diretamente na terra. A pequena
capela, que pode ser datada do século II, logo foi identificada como sendo o
“troféu de Gaio”. Mas o túmulo encontrado estava vazio.
Pio XII, como dissemos antes, fez o anúncio do achado.
Passado algum tempo desde o fim das escavações e sua publicação, teve início
uma segunda fase de já havia sido notado durante as escavações, em novembro de
1941, antes que os pesquisadores chegassem ao túmulo escavado por baixo, na
terra, mas, de imediato, sua importância não fora compreendida. Segundo a
reconstrução elaborada mais tarde pela arqueóloga Margherita Guarducci, desse
lóculo havia sido retirada grande parte do material que continha, a ponto de,
no dia seguinte de sua descoberta, um dos escavadores, padre Antonio Ferrua, já
tê-lo visto vazio. O certo é que, como viemos a saber vários anos depois do fim
das escavações e de sua publicação, provinha dali um importantíssimo documento
epigráfico, um fragmento extremamente pequeno (3,2 x 5,8 cm) de reboco
vermelho, que ali se depositara, vindo do “muro vermelho” adjacente; sobre esse
fragmento, estava grafitado, em grego, a expressão “PETR[Oc] ENI”, ou seja,
“Pedro está aqui”, como a interpretou Guarducci. Seus estudos, realizados entre
1952 e 1965, levaram à decifração dos grafitos do “muro g” (que continha o
lóculo), mostrando que estes continham uma ampla série de invocações a Cristo,
a Maria e a Pedro, sobrepostas e combinadas. Os mesmos estudos, compostos de
pesquisas complexas e bem articuladas, realizadas com o máximo rigor
científico, levaram também ao reconhecimento do que estava contido no lóculo,
ou seja, as relíquias de Pedro, que para lá tinham sido transferidas, antes dos
trabalhos ordenados por Constantino, depois de retiradas do túmulo escavado na
terra. Encontradas numa pequena caixa nas dependências das Grutas Vaticanas,
onde haviam sido depositadas pela pessoa que, anos antes, as extraíra do
lóculo, as relíquias, depois de analisadas, revelaram-se pertencentes a um só
homem, de compleição robusta, que morrera em idade avançada. Tinham
incrustações de terra e mostravam ter sido envolvidas num pano de lã colorida
de púrpura, com trama de ouro; as relíquias eram compostas de fragmentos de
todos os ossos do corpo, exceto dos ossos dos pés, dos quais não havia o menor
vestígio. Esse pormenor, realmente singular, não podia deixar de trazer à
memória a circunstância da crucifixão inverso capite (de
cabeça para baixo), atestada por uma antiga tradição como símbolo da humildade
de Pedro; os resultados desse tipo de crucifixão, ou seja, a separação dos pés,
eram visíveis nos restos do corpo encontrado. A mesma circunstância
correspondia perfeitamente a um conhecimento bem sólido, do ponto de vista
histórico: o do costume romano de tornar espetaculares, para a satisfação do
povo, as execuções dos condenados à morte. O cadáver dos executados, privado do
direito de sepultura, era abandonado no lugar do suplício. Foi o que ocorreu a
Pedro, levado à morte sem nenhuma distinção, entre muitos outros; só quando foi
possível recuperar o corpo é que o apóstolo foi sepultado na terra, da maneira
mais humilde – provavelmente às pressas, no lugar mais próximo à disposição.
As relíquias que Margherita Guarducci identificou como sendo
de Pedro foram reconhecidas como tais pelo papa Paulo VI, que, em 26 de junho
de 1968, ligando-se às palavras pronunciadas em 1950 pelo papa Pio XII,
anunciou a descoberta durante a audiência pública na Basílica Vaticana: “Novas
pesquisas, feitas com extrema paciência e cuidado, foram realizadas nos últimos
anos, chegando a um resultado que nós, confortados pelo juízo de pessoas
competentes, valorosas e prudentes, acreditamos ser positivo: as relíquias de
São Pedro também foram, enfim, identificadas, de um modo que podemos considerar
convincente, pelo qual louvamos a quem empregou tamanho e tão longo estudo, e
grande esforço. Não se esgotam, com isso, as pesquisas, as verificações, as
discussões e as polêmicas. Mas, de nossa parte, parece-nos um dever, no
presente estado das conclusões arqueológicas e científicas, dar a vós e à
Igreja este anúncio feliz, obrigados como somos a honrar as sagradas relíquias,
sufragadas por uma séria prova de sua autenticidade [...]; no caso presente,
tanto mais solícitos e exultantes devemos ser, quando temos razões para
considerar que foram encontrados os poucos, mas sacrossantos, restos mortais do
Príncipe dos Apóstolos”.
Reintroduzidas no dia seguinte no lóculo do “muro g” (com
exceção de nove fragmentos, que o Papa pediu e conservou em sua capela
privada), as relíquias voltaram há poucos anos a ser expostas aos fiéis.
No que diz respeito aos lugares ligados a Pedro em Roma, é
oportuno também assinalar a epígrafe do papa Dâmaso (366-384) na Memoria
Apostolorum da Via Ápia ad catacumbas (hoje Basílica
de São Sebastião), na qual podemos ler: “Quem quer que sejas, que buscas
conjuntamente os nomes de Pedro e Paulo, sabe que esses santos aqui repousaram
[habitasse] um tempo”. Com base nesse texto, e na presença de numerosas
inscrições de invocação conjunta de Pedro e Paulo nas catacumbas, foi formulada
a hipótese de um traslado temporário das relíquias dos dois fundadores da
Igreja de Roma para esse lugar no período da perseguição iniciada pelo
imperador Valeriano (258); mas, aqui, estamos apenas no campo das hipóteses de
estudo.
Devemos lembrar ainda que, dentro das pesquisas realizadas
por Guarducci, foi também feito o reconhecimento científico das relíquias que
uma tradição medieval identificava como provenientes da cabeça de Pedro,
presentes desde o século VIII no Sancta Sanctorum e para lá
transferidas pelo papa Urbano V, em 16 de abril de 1369, no interior de um dos
dois bustos que se encontram atualmente dentro do baldaquino da Basílica de
Latrão. Os resultados desse reconhecimento não negam em nada, porém, a validade
do reconhecimento das relíquias de Pedro sob a Basílica Vaticana.
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