Por que a mão dos seres humanos é especial — e o maior desafio para robôs 'perfeitos'
Autor: Claudia Baxter
De BBC Future
27 janeiro 2025
A ascensão dos robôs
Há muito tempo, os roboticistas sonham com autômatos com
destreza antropomórfica suficientemente boa para realizar tarefas indesejáveis,
perigosas ou repetitivas.
Rustam Stolkin, professor de robótica da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, lidera um projeto para desenvolver robôs controlados por inteligência artificial altamente hábeis, capazes de lidar com resíduos nucleares do setor de energia, por exemplo. Embora esse trabalho normalmente use robôs controlados remotamente, Stolkin está desenvolvendo robôs autônomos guiados por visão que podem ir a locais onde é muito perigoso para os seres humanos se aventurarem.
Talvez o exemplo mais conhecido de um androide do mundo real
seja o robô humanoide Atlas, da Boston Dynamics, que cativou o mundo em 2013
com suas capacidades atléticas. A versão mais recente do Atlas foi revelada no
fim de 2024, e combina visão computacional com uma forma de inteligência
artificial conhecida como aprendizado por reforço, na qual o feedback ajuda os
sistemas de IA a se tornarem melhores no que fazem. De acordo com a Boston
Dynamics, isso permite que o robô execute tarefas complexas, como empacotar ou
organizar objetos nas prateleiras.
Mas as habilidades necessárias para realizar muitas das
tarefas em setores liderados por seres humanos, nos quais robôs como o Atlas
poderiam se destacar, como manufatura, construção e saúde, representam um
desafio especial, de acordo com Du.
"Isso acontece porque a maioria das ações motoras
manuais nesses setores exige não apenas movimentos precisos, mas também
respostas adaptativas a variáveis imprevisíveis, como formas irregulares de
objetos, texturas variadas e condições ambientais dinâmicas", diz ele.
Du e seus colegas estão trabalhando em robôs de construção
altamente habilidosos que usam inteligência artificial integrada para aprender
habilidades motoras por meio da interação com o mundo real.
Atualmente, a maioria dos robôs é treinada para tarefas
específicas, uma de cada vez, o que significa que eles têm dificuldade para se
adaptar a situações novas ou imprevisíveis. Isso limita suas aplicações. Mas Du
argumenta que isso está mudando.
"Avanços recentes sugerem que os robôs podem, em algum
momento, aprender habilidades versáteis e adaptáveis que permitam a eles lidar
com uma variedade de tarefas sem treinamento específico prévio", ele
afirma.
A Tesla também deu ao seu próprio robô humanoide Optimus uma
nova mão no fim de 2024. A empresa divulgou um vídeo do robô pegando uma bola
de tênis em pleno ar. Mas ele foi teleoperado por controle
remoto manual — em vez de ser autônomo, de acordo com os engenheiros
por trás dele. A mão tem 25 eixos de movimento, segundo eles.
Mas enquanto alguns inovadores tentaram recriar mãos e
braços humanos em forma de máquina, outros optaram por abordagens muito
diferentes em relação à destreza. A empresa de robótica Dogtooth Technologies,
com base em Cambridge, criou robôs de colheita de frutas macias, com braços
altamente hábeis e pinças de precisão capazes de colher e embalar frutas
delicadas, como morangos e framboesas, na mesma velocidade que os trabalhadores
humanos.
O cofundador e CEO da Dogtooth Technologies, Duncan
Robertson, teve a ideia dos robôs colhedores de frutas enquanto estava deitado
em uma praia no Marrocos. Com experiência em aprendizado de máquina (machine
learning) e visão computacional, Robertson queria aplicar suas habilidades
para ajudar a limpar o lixo na praia, criando um robô de baixo custo que
pudesse identificar, classificar e remover detritos. Quando voltou para casa,
ele aplicou a mesma lógica ao cultivo de frutas macias.
Os robôs que ele desenvolveu junto à equipe da Dogtooth usam
modelos de aprendizado de máquina para implementar algumas das habilidades que
nós, seres humanos, possuímos instintivamente. Cada um dos dois braços do robô
possui duas câmeras coloridas, muito parecidas com olhos, que permitem
identificar o grau de amadurecimento das frutas e determinar a profundidade de
cada uma das frutas-alvo a partir de seu "efetor" final, ou
dispositivo de preensão.
Os robôs mapeiam a dispersão e a disposição das frutas
maduras no pé e transformam isso em uma sequência de ações, com um planejamento
preciso da rota necessária para guiar o braço do colhedor até o caule da fruta
para fazer um corte.
Cada um dos braços do robô da Dogtooth tem sete eixos de
movimento, o mesmo que o braço humano, o que significa que esses apêndices
podem manobrar bem o suficiente para encontrar o ângulo ideal para alcançar
cada fruta sem danificar as outras que ainda estão no pé. O dispositivo de
preensão agarra, então, suavemente a fruta pelo caule, passando-a para uma
câmara de inspeção antes de colocá-la cuidadosamente em uma caixinha para
distribuição. Outro sistema de colheita de morangos, criado pela Octinion, usa
garras flexíveis para agarrar a fruta enquanto a transfere do pé para a cesta.
Embora muitos de nós saibamos instintivamente quanta força é
necessária para manusear um morango sem esmagá-lo, foram necessárias décadas de
pesquisa e desenvolvimento para que os robôs alcançassem a mesma destreza.
Robertson faz questão de enfatizar que os robôs da sua empresa não substituem
os trabalhadores humanos, mas que podem ajudar a solucionar a escassez de mão
de obra enfrentada em muitas áreas do setor agrícola, permitindo que pessoas e
máquinas façam a colheita juntas.
Robôs capazes de lidar com algumas das tarefas mais
delicadas atualmente executadas por seres humanos poderiam proporcionar um
importante impulso a vários setores industriais, observa Pulkit Agrawal,
professor do departamento de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação do
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA.
"Somente no setor de manufatura dos EUA, algumas
estimativas preveem [uma] escassez de mais de 2 milhões de trabalhadores",
diz Agrawal, que está desenvolvendo máquinas capazes de manipular objetos.
"Seja em aplicações industriais, busca e salvamento,
exploração espacial ou para ajudar a população idosa, o impacto da robótica
alimentada por inteligência artificial vai ser transformador — muito mais do
que o ChatGPT,
na minha opinião."
No entanto, ao longo de um dia, as mãos humanas realizam
milhares de tarefas diferentes, se adaptando para lidar com uma variedade de
formas, tamanhos e materiais diferentes. E a robótica ainda tem um longo
caminho pela frente para competir com isso. Um teste recente de uma mão
robótica usando componentes de código aberto que custam menos de US$ 5 mil
descobriu que ela poderia ser treinada para reorientar objetos no ar. Porém,
quando confrontado com um objeto desafiador — um pato de borracha de brinquedo
— o robô se atrapalhou, e deixou o pato de borracha cair em cerca de 56% das
vezes.
Próteses que preveem
Mas, talvez, a aplicação definitiva da destreza robótica
seja nas próteses —substituindo uma mão humana perdida em decorrência de um
acidente ou doença, por exemplo. As pioneiras próteses mioelétricas de mão e
braço que Sarah de Lagarde recebeu dão algumas dicas do que pode ser possível
no futuro.
Uma colaboração entre várias empresas de software e
hardware, seu braço usa reconhecimento de padrão mioelétrico, ou decodificação
de intenção neurológica, que é uma forma de aprendizado de máquina que permite
que sua mão aprenda seus movimentos e faça previsões com base em comportamentos
anteriores. Isso significa que De Lagarde é capaz de mover a mão de forma mais
instintiva.
"Uma peça de hardware integrada na prótese do braço de
Sarah registra os sinais musculares na superfície de sua pele quando ela
visualiza um movimento específico", diz Blair Lock, CEO da Coapt,
desenvolvedora do algoritmo de inteligência artificial que impulsiona os
movimentos do braço de De Lagarde. Esse hardware decodifica esses sinais
musculares para adivinhar que ação De Lagarde pretende fazer com a mão.
"O modelo de reconhecimento de padrões pode detectar a
intensidade de determinada ação, a velocidade e a intensidade. Ele é capaz de
executar os comandos em menos de 25 milissegundos", acrescenta Lock.
De Lagarde compara o processo ao uso de um controle de
videogame, no qual você pressiona uma sequência de botões para solicitar uma
resposta específica do seu avatar na tela. No início, ela achava difícil
realizar multitarefas, pois todos os seus pensamentos se concentravam em
contrair a sequência certa de fibras musculares no ombro. Mas, por fim, os
algoritmos de inteligência artificial se tornaram hábeis em prever suas
intenções, o que significa que agora ela pode realizar multitarefas com muito
mais facilidade.
"Posso instruí-la a ter um toque muito leve para que eu
possa pegar um ovo sem esmagá-lo", diz De Lagarde.
"Mas, ao mesmo tempo, posso intensificar a pegada e
torná-la muito mais forte para que eu possa realmente esmagar uma lata de
Coca-Cola."
A inteligência artificial também está integrada ao
aplicativo acoplado ao braço, que faz sugestões sobre como usar o braço de
forma mais otimizada, com base no uso anterior. Embora seja uma grande
melhoria, a prótese nunca será tão boa quanto o braço original de De Lagarde,
diz ela. Ela é pesada, fica suada nos meses de verão e precisa ser carregada
uma vez por dia. Além disso, ainda tem alguns obstáculos a superar em termos de
funcionalidade.
Os mecanismos de feedback háptico da prótese ainda são
bastante rudimentares, e De Lagarde depende principalmente da visão para
manusear objetos. Periodicamente, ela se esquece de que está segurando algo e
solta a pegada, deixando cair no chão.
As mãos humanas, em comparação, usam as redes de receptores
de toque em nossos dedos e palmas para sentir onde algo está, determinar a
força com que precisamos agarrar para pegar um objeto, e perceber se o atrito
começa a mudar.
A inteligência artificial integrada está claramente levando
a robôs e próteses cada vez mais hábeis. Por enquanto, no entanto, está claro
que a tecnologia ainda tem um caminho a percorrer antes de se equiparar ou
superar completamente o incrível design do corpo humano. De acordo com Agrawal,
os desafios permanecem no hardware robótico físico e no software.
"Embora tenhamos feito avanços significativos nos
últimos anos, e a destreza semelhante à humana pareça viável, estamos a pelo
menos cinco anos de distância, se não mais", diz ele.
Mesmo com o aprimoramento da destreza, há outros aspectos a
serem considerados, observa Du.
"A segurança é fundamental", diz ele.
"Isso abrange tanto a segurança física, garantindo que
os sistemas robóticos possam operar sem causar danos aos colegas de trabalho
humanos, quanto a segurança do sistema, envolvendo proteções robustas contra
falhas e redundâncias nos algoritmos de inteligência artificial para evitar mau
funcionamento ou ações não intencionais."
Du também cita considerações éticas, como o impacto sobre
os empregos.
Para De Lagarde, as melhorias na destreza das mãos robóticas
trouxeram de volta habilidades que ela achava ter perdido — tarefas simples,
como servir um copo de água e dar um abraço nos filhos com os dois braços.
Quando pergunto a De Lagarde onde ela gostaria de ver a
tecnologia no futuro, ela imagina um futuro em que a ampliação robótica do
corpo não se limite apenas àqueles com diferenças nos membros ou deficiência, mas
possa ajudar idosos a permanecerem ativos em seus últimos anos de vida, por
exemplo.
Embora ela não tenha escolhido ser uma embaixadora da
inteligência artificial integrada, a disposição de De Lagarde em adotar a
tecnologia também oferece um vislumbre do que pode ser possível.
Leia a íntegra
desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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