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domingo, 5 de outubro de 2025

Reduções Jesuítico-Guarani, alternativa ao sistema de dominação e colonização reinante (Parte 1/2)

Detalhe da Misión jesuítica de San Ignacio Miní (Foto: Prof. Marina Massini)

As Reduções buscaram ser alternativa ao sistema de dominação e colonização por parte das Coroas espanhola e portuguesas dos territórios latino-americanos, "buscando uma possibilidade de espaço para as componentes indígenas da sociedade e especialmente no caso da população da etnia Guarani", cuja adesão ao projeto dos jesuítas possibilitou aos indígenas uma margem de liberdade - possível dentro daquelas circunstâncias históricas - e também de instrução, de formação, explica a Prof. Marina Massimi.

Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

Em junho de 2025, o governo do Rio Grande do Sul lançou a contagem regressiva para as comemorações, em 2026, dos 400 anos das Missões Jesuítico-Guaranis, com objetivo de criar uma ampla mobilização cultural, turística e econômica, com investimentos e planejamento a longo prazo para valorizar este importante patrimônio.

De fato, em 1983, a UNESCO declarou como Patrimônio Mundial o Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo, as ruínas de San Ignacio Miní, Nossa Senhora de Santa Ana, Nossa Senhora de Loreto e Santa María Maior, localizadas em território argentino. Em 2015, São Miguel das Missões recebeu do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) o estatuto de Patrimônio Cultural Brasileiro pelas suas associações com a história e a espiritualidade guarani.

Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo (Foto: José Roberto de Oliveira)

No contexto das comemorações dos 400 anos desta “experiência”, considerada por muitos como a “realização de uma grande utopia”, conversamos com a professora Marina Massimi*, que no âmbito do Instituto de Estudos Avançados da USP, coordena um grupo de pesquisa chamado “Tempo, Memória e Pertencimento”, que se ocupa da preservação do patrimônio histórico e documental e monumental do Brasil e da América Latina. Hoje, propomos a primeira parte da entrevista, na qual a docente italiana, que vive no Brasil desde 1981, começa falando sobre “o que foram as Reduções Jesuítico-Guaranis”:

Elas nasceram a partir de dois objetivos. Primeiro, era garantir a liberdade da população nativa, dos indígenas dentro do contexto do domínio colonial. O domínio colonial na América Latina era em parte da Coroa espanhola e em outra da Coroa portuguesa. As Reduções nasceram no âmbito de um território que pertencia à Coroa espanhola. E por que garantir a liberdade dos nativos dentro do domínio da colônia? Porque os nativos eram submetidos a um regime de trabalho semiescravo. No âmbito do Brasil se tratava de fato do trabalho escravo, propriamente dito. No âmbito do domínio espanhol se tratava de um sistema chamado de “encomenda” que de alguma forma era muito parecido ao regime da escravatura, porque o indígena tinha que trabalhar para o colono, que recebia um certo território e uma certa população por “encomenda”. Nesse sentido, a primeira coisa era garantir essa liberdade para permitir o desenvolvimento humano das populações. Isso era ligado também ao segundo objetivo das Reduções, que era a evangelização. Era possível evangelizar as pessoas, sujeitos livres portanto, que tivessem a possibilidade de se autodeterminar quanto às suas escolhas e tivessem os direitos humanos garantidos. Então, esses dois objetivos, a defesa da liberdade e da dignidade da pessoa e o objetivo da evangelização, levaram alguns jesuítas, em particular o jesuíta espanhol Diego de Torres Bollo, no início do século XVII, a encaminhar um projeto junto à Companhia, à direção geral da Companhia de Jesus, junto ao Padre Geral por um lado e à Coroa espanhola por outro, da constituição de agregações sociais, comunidades, em outras palavras, ou reduções – depois vou explicar porque esse nome -, onde fossem morar indígenas nativos e pudessem ter uma vida civil, uma vida social, uma vida de trabalho, de digamos uma vida humana nesse sentido, sob a supervisão de um pequeno grupo de dois ou três missionários da Companhia de Jesus. Nesse território, onde nasceriam essas cidades, a Coroa espanhola garantiria autonomia dessas comunidades, no sentido que nenhum colono poderia adentrar no território, ainda menos submeter à escravatura ou ao sistema da “encomenda” nenhum dos moradores dessas cidades.

Prof. Marina Massini acompanhada por colegas de pesquisa (Vatican News)

Por que eram chamadas de "Reduções” e qual o significado dessa experiência? 

O termo Redução nasce do latim de uma expressão latina que quer dizer 'Reductio ad unum'. A ideia era que - utilizando parafraseando também as palavras de Antonio Ruiz de Montoya, que foi um dos primeiros jesuítas que também se envolveram com essa experiência -, reduzir populações espalhadas no território em pequenos grupos de três, quatro famílias que viviam na floresta, e migrantes, de um lugar para outro numa comunidade fixa num certo território, onde pudesse viver uma experiência de uma comunidade civil, uma sociedade, que incluía o direito ao trabalho livre e a educação e a formação religiosa e também a formação artística, cultural, e essas populações poderiam viver isso sob a supervisão de um grupo de dois ou três jesuítas no máximo, A ideia era que, portanto, precisava da adesão dessas populações indígenas à proposta. De fato, houve muita adesão, sobretudo de um grupo de uma etnia chamada guaranis. Muitos desses grupos, desses chefes das etnias guaranis, toparam na proposta que para ele significava de alguma forma garantir uma margem de liberdade num território totalmente colonizado pelos europeus e ao mesmo tempo ter a possibilidade e a opção então de serem evangelizados. Tratava-se de uma escolha, de fato, nem todos os guaranis, nem todos os nativos toparam essa proposta, teve grupos que se rebelaram, que até se rebelaram de forma violenta e até isso levou ao martírio de alguns dos jesuítas missionários, que tinham se adentrado na floresta para fazer essa proposta. Mas uma grande parte da população topou. Topou, porque isso era muito conveniente, significava a possibilidade de uma vida livre, mas também a possibilidade de aprender, a criar uma sociedade com sustento político e econômico e cultural para si e para as suas famílias e para os seus filhos. De forma que se criaram ao longo do tempo umas cerca de 30 cidades, podemos chamá-las assim, cada uma compreendia uma população de 1000 a 7000 nativos e em cada uma delas a supervisão, a presença de três ou dois jesuítas no máximo. Isso torna também muito evidente o fato que houve uma adesão, de fato, pela população dos nativos a essa proposta. Nessas cidades, então, ao longo de cerca de 150 anos, pode se desenvolver uma vida civil, uma vida social, uma vida econômica, uma vida cultural, havia direito também à formação. Todos os moradores das Reduções haviam direito à formação, então, todos os guaranis das Reduções sabiam ler e escrever e o território das Reduções era totalmente autônomo do domínio colonial. O rei da Espanha garantia, de fato, autonomia a essas agregações. Cada um dos índios reduzidos era considerado como vassalo direto do rei da Espanha, a quem era pago imposto de forma direta, sem passar, portanto, pelo encomendero. E essa experiência, então, deu origem também a uma vivacidade civil, econômica e cultural muito grande nessas cidades. Hoje nós temos dessas cidades remanescentes, ruínas remanescentes situadas na região entre Paraguai, Brasil e Argentina - era o território que então era totalmente parte do Império espanhol, da Colônia espanhola - e que mostram de qualquer forma a grandeza dessa experiência. Eram cidades que foram construídas também de forma muito bonita, com a vinda também de arquitetos jesuítas, engenheiros, pedreiros e com envolvimento também das populações guaranis. As ruínas atestam, portanto, a beleza, mas também a organização dessas cidades. Podemos ver que ela se formava em torno de uma grande praça. Nessa praça, o ponto central era a igreja, ao lado a casa dos padres, ao lado da Casa dos Padres o colégio, que mostra, portanto, o significado da educação, dado a educação pela proposta, um cemitério, depois as oficinas, onde eram desenvolvidos vários tipos de trabalho, desde o trabalho agrícola, ao trabalho artístico e a todo o trabalho finalizado à vida e à convivência. Havia também o Cotiguaçú, que era uma casa que hospedava as viúvas e a as moças solteiras, as mães solteiras propriamente e também cada Redução tinha uma estância, que era um território distante, uma espécie de fazenda, de grande fazenda, onde também era desenvolvida de forma ampla e o cultivo, a agricultura e a pecuária, portanto, agropecuária, e a produção dessas estâncias chegou a ser muito intensa, ao ponto que as Reduções chegaram também a exportar produtos como erva-mate, como algodão, e portanto, também, as Reduções conseguiram se tornar ricas, possibilitando o bem-estar de suas populações.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF