"A Rerum Novarum, escrita há mais de 100 anos atrás,
não apenas apontou a desigualdade social e as condições precárias dos
trabalhadores, mas também expressava uma forte esperança na possibilidade de
construir uma ordem social mais justa e solidária, baseada na caridade e na
colaboração entre classes. A esperança reside na crença que, com a atuação
conjunta de governos, patrões, trabalhadores e da Igreja, é possível superar os
problemas e alcançar um bem-estar comum."
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
A Encíclica Rerum
Novarum, de Leão XIII, lançou as bases da Doutrina Social da
Igreja, cujo compêndio foi
publicado por São João Paulo II em 29 de junho de 2004. O Papa Leão XIV, desde
o início de seu ministério petrino, vem fazendo inúmeras referências quer ao
"Papa da primeira grande encíclica social" - que inspirou a escolha
de seu nome -, bem como à referida encíclica e à própria doutrina social.
No discurso
ao Corpo Diplomático em 16 de maio, por exemplo, o novo Pontífice
recordou que "a busca da paz exige a prática da justiça", reiterando
que "na mudança de época que estamos vivendo, a Santa Sé não pode
deixar de fazer ouvir a sua voz perante os numerosos desequilíbrios e
injustiças que conduzem, entre outras coisas, a condições indignas de trabalho
e a sociedades cada vez mais fragmentadas e conflituosas. É necessário também
esforçar-se para remediar as desigualdades globais, que veem a opulência e a
indigência traçar sulcos profundos entre continentes, países e mesmo no
interior de cada sociedade."
Inspirando-se nos pronunciamentos de Leão XIV, Pe.
Gerson Schmidt* nos propõe a reflexão "A Doutrina Social da
Igreja a partir da Rerum Novarum":
"A esperança é um tema presente no Concílio Vaticano
II, principalmente na Constituição
pastoral Gaudium et Spes, que significa em latim
"Alegria e Esperança". As alegrias e as esperanças, as dores e
sofrimentos do mundo fazem parte das preocupações da Igreja, diz a Constituição
Pastoral, nas suas primeiras linhas. É louvável que o Papa Leão XIV continue a
caminhada do Concilio Vaticano II e traga à luz do dia essa maravilhosa dádiva
dos padres conciliares, naquilo que foi considerado o maior acontecimento
cultural e eclesial do século XX. Sim, assumindo-se seguidor de Leão XIII, o
Papa Leão XIV sinaliza uma referência simbólica que, sem necessidade de
explicitar, remete diretamente para o Concílio Vaticano II e, por conseguinte,
para o desejo de retomar a sua aplicação concreta e social na vida quotidiana
da Igreja.
São 134 anos desde a publicação da Encíclica Rerum
Novarum. O Papa Leão XIV afirmou que a Igreja, hoje, é chamada a responder
a uma nova revolução industrial, marcada pelos avanços da inteligência
artificial e pelas transformações do mundo do trabalho. O novo Papa eleito
disse que o Papa Leão XIII, com a Encíclica Rerum Novarum, abordou
"a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial.
Hoje, a Igreja oferece a todos o seu patrimônio de doutrina social para
responder a uma outra revolução industrial que é o desenvolvimento da
inteligência artificial, que traz novos desafios para a defesa da dignidade
humana, da justiça e do trabalho". Ao encontrar os cardeais em 10 de maio,
o Papa Prevost explicou com estas palavras a escolha de "assumir o nome de
Leão XIV". O caminho indicado é, portanto, o da doutrina social, a ser
percorrido nesse tempo dominado por desequilíbrios econômicos e novos desafios.
A Rerum Novarum, escrita há mais de 100 anos
atrás, não apenas apontou a desigualdade social e as condições precárias dos
trabalhadores, mas também expressava uma forte esperança na possibilidade de
construir uma ordem social mais justa e solidária, baseada na caridade e na
colaboração entre classes. A esperança reside na crença que, com a atuação
conjunta de governos, patrões, trabalhadores e da Igreja, é possível superar os
problemas e alcançar um bem-estar comum.
O texto do Papa Ratti – Leão XIII - denunciava um
“imperialismo internacional do dinheiro” e descreve os danos de um sistema em
que as finanças dominam a economia. Uma situação muito semelhante à que vivemos
hoje. Tamanha a preocupação com o mundo do trabalho, que os outros papas
seguiram atualizando a Rerum Novarum. Um pilar da doutrina social da Igreja,
intimamente ligada à Rerum Novarum, é a Encíclica
Quadragesimo Anno, do Papa Pio XI. Pio XII, por sua vez, também
retratou o tema social: “A encíclica Rerum Novarum, aproximando-se do povo, a
quem abraçou com estima e amor – acrescenta Pio XII –, penetrou nos corações e
mentes da classe operária e incutiu nela o sentimento cristão e a dignidade
cívica”. Em sua mensagem radiofônica de 1942, na véspera do Natal, Pio XII
enfatiza que a Igreja não hesita em deduzir as consequências práticas derivadas
da nobreza moral do trabalho.
No 70º aniversário da Rerum Novarum, outro
documento, promulgado em 15 de maio de 1961, retoma temas e questões abordados
por Leão XIII. Trata-se da Encíclica Mater
et Magistra, de São João XXIII. O Papa Roncalli, conhecido como o Papa
bom, indica duas palavras-chaves: comunidade e socialização. "Um dos
aspectos típicos que marcam a nossa época - escreve o Pontífice - é a
socialização, entendida como multiplicação progressiva das relações em
convivência com diversas formas de vida e atividades associadas, e a
institucionalização jurídica". A Igreja é então chamada a colaborar para
construir uma comunhão autêntica.
No 80º aniversário da Rerum Novarum, foi
promulgada a Carta Apostólica de São Paulo VI, Octogesima
Adveniens. O mundo mudou profundamente. “O crescimento excessivo das
cidades”, escreveu Paulo VI, que também em 1967 promulgou a encíclica Populorum
Progressio sobre o desenvolvimento dos povos, “acompanha a expansão industrial,
sem se identificar com ela”. “Baseada na pesquisa tecnológica e na
transformação da natureza”, escreveu o Papa Montini, “a industrialização
continua seu caminho sem parar, demonstrando uma criatividade inexaurível.
No 90º aniversário da Rerum Novarum, foi
promulgada a Encíclica Laborem
Exercens de São João Paulo II, que trata sobre a dignidade
do Trabalho. Celebramos este aniversário – escreve o Pontífice – na véspera de
novos progressos nas condições tecnológicas, econômicas e políticas que,
segundo muitos especialistas, influenciarão o mundo do trabalho e da produção
não menos do que a revolução industrial do século passado. No centenário da Rerum
Novarum, foi promulgada, em 1º de maio de 1991, a Encíclica Centesimus
Annus do mesmo Pontífice. Essa encíclica do Papa Wojtyła é uma
“releitura” da encíclica leonina. O Pontífice polonês exorta a “olhar para
trás”, a redescobrir a riqueza dos princípios fundamentais formulados na Rerum
Novarum. Todos esses documentos papais demonstram o que o Concilio Vaticano
II quis que a Igreja fosse luz para a realidade dos desafios no mundo."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro
de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em
Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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