A AMIZADE SEGUNDO SANTO AGOSTINHO
03/10/2025
por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá
A amizade é um dos grandes valores da vida humana e divina
(cfr. Ecl 6,14). Ela condiz com o mandamento da lei do Senhor pelo amor a Deus,
ao próximo como a si mesmo (cf. Mt 22,37-39). Jesus disse para os seus
discípulos que não os chamaria mais de servos, mas de amigos, porque Ele deu a
conhecer tudo o que ouviu de seu Pai(cfr. Jo 15,15). A amizade com Deus faz-nos
mais humanos entre nós sempre em busca da paz e do amor, da necessidade de
amigos e amigas em vista do Reino de Deus. Veremos a seguir a visão da amizade
em Santo Agostinho como graça de Deus e como responsabilidade humana[1].
O fato do bispo usar a palavra amizade: conhecimento e
amor
Santo Agostinho tinha presente o termo amizade para exprimir
idéias múltiplas. Ele a utilizava para especificar os laços que unem duas
pessoas numa mútua simpatia. É o sentido que ele encontrou num plano puramente
natural: “O ano da nossa amizade era apenas terminado”[[2], porque na sua juventude descreveu a
morte de um amigo. Ele teve presentes também a sua relação com os maniqueus nas
quais ele queria aprofundar o sentido da amizade com eles mais do que com os
outros homens. Era claro que tudo ocorreu num plano natural da amizade[3]. Mas Santo Agostinho estendeu o sentido
da amizade na perspectiva de um ponto de vista muito mais amplo do que o
simples conhecimento. A amizade não conhece limites estreitos porque ela se
estende a todos aqueles com os quais devemos o nosso amor[4]. É claro também a visão que a amizade não
pode ter ligação com o pecado[5]
A amizade cristã
Santo Agostinho especificou a importância da amizade
proveniente da visão cristã. Para ele era uma forma particular da caridade
fraterna. O amor a Deus passa pela pessoa do próximo[6]. A Palavra de Deus fala que a caridade
apaga uma multidão de pecados (cfr. 1 Pd 4,8). O bispo falava da amizade com
Deus que eleva o ser humano à participação da sua mesma vida, dizendo que
diante dos perigos é preciso esperar com toda segurança com a amizade de Cristo[7].
Sentimento com outra pessoa
A amizade provoca na pessoa uma relação com outra pessoa,
suscitando sentimentos bons. Os afetos que unem as pessoas amigas chamam-se
caridade, amor[8]. O bispo de Hipona utilizou a realidade
da amizade não sendo uma questão da razão, mas para amar a outra pessoa e a
Deus[9].
O dom da amizade
A amizade tem o seu ponto principal vindo do Senhor Deus.
Ela é um dom divino. Toda a pessoa deve pedir esta graça para vivê-la na
realidade humana. Por isso Santo Agostinho disse que “Nenhuma amizade é fiel se
não em Cristo. É somente nele que esta pode ser feliz e eterna”[10]. “Ama verdadeiramente o seu amigo aquele
que ama Deus no seu amigo, porque Ele vive nele ou pelo qual vive nele”[11]. O bispo continuou a sua argumentação
nesta mesma linha da amizade como dom ao afirmar que é potente a misericórdia
do nosso Deus, dando a sua graça para a superação da tristeza através da oração[12]. A pessoa é conhecida pela amizade dada
e recebida[13].
O conceito de amizade alargada
Santo Agostinho colocou o valor da amizade em unidade com o
mandamento da lei do Senhor (cfr. Mt 22, 37-38). Desta forma ele alargou e
enriqueceu o conceito clássico de amizade, passando do simples conhecimento em
forma de amigo, amiga, para alcançar à uma definição como amizade por uma união
entre as pessoas que amam a Deus com todo o seu coração, a sua alma, e a sua
mente e amam a outra pessoa como a si mesmas, são unidas por toda a eternidade
umas com as outras e a Cristo mesmo. O bispo de Hipona colocou a eternidade da
amizade porque ela se refere a Deus como dom dado às pessoas neste mundo em
vista da eternidade. O fato é que a amizade une as almas em Deus porque elas
nunca conhecerão fim, por Deus ser infinito e imortal[14].
A união das pessoas
A amizade faz uma pessoa amar a outra pessoa. Isto é graça
de Deus. Segundo Santo Agostinho só Deus une pessoas, porque só Ele realiza a
união das mesmas. O vinculo que as une é a caridade difundida nos corações
humanos por obra do Espírito Santo que foi dado aos seres humanos (cfr. Cl
3,14). Este amor é o ágape, é aquele que une Deus Pai a Cristo, Cristo aos seus
discípulos e os cristãos entre eles. Pelo seu caráter divino, o amor ágape
confere à amizade cristã um caráter de estabilidade, de fidelidade, de amor.
Desta forma para Santo Agostinho todas as pessoas que estão unidas a Deus, são
também ligadas pela amizade, tratando-se de caridade fraterna, porque a
caridade une as pessoas a Deus e às pessoas entre si[15].
A amizade é conhecimento, é amor a Deus pelas pessoas,
tornando-as capazes de amar como Deus ama a todas as pessoas. É preciso
cultivar amizades que nos levam à vida eterna. Santo Agostinho colocou a
importância da amizade para assim fortalecer os laços entre as pessoas e com o
Criador, a fonte da amizade para ser vivida neste mundo e um dia na eternidade,
com o Deus Uno e Trino.
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[1] Cfr. Marie Aquinas Mcmamara. L´amicizia
in Sant´Agostino. Editrice Àncora Milano. Monza, 1970, pgs. 241-258.
[2] Cfr. Santo Agostinho. Confissões,
4,4,7. São Paulo: Paulus, 1997, pg. 94.
[3] Cfr. Idem, 5, 10,19, pgs.
133-134.
[4] Cfr. Ep. 130, 13. In: Marie
Aquinas Mcmamara. L´amicizia in Sant´Agostino, pg. 242.
[5] Cfr. Serm. 20. Ibidem, pg
242.
[6] Cfr. Santo Agostinho. Confissões,
4,4,7, pg. 94.
[7] Cfr. En. in ps. 131,6: In:
Marie Aquinas Mcmamara, pg. 243.
[8] Cfr. Ibidem.
[9] Cfr. Serm. 349. Ibidem, pg.
244.
[10] Contra duas ep. Pel. 1,1. In: Ibidem, pg.
245.
[11] Serm. 336,1. Ibidem.
[12][12] Cfr. Ep. 250, 3, ad Ausílio.
Ibidem.
[13] Cfr. De Div. Quaest. 83, q.
71,5. In: Ibidem, pg 246.
[14] Cfr. Marie Aquinas Mcmamara. L´amicizia
in Sant´Agostino, pg. 249.
[15] Cfr. Idem, pg. 251.
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