A leiga consagrada Maria de Lourdes Guarda, apóstola das pessoas com deficiência no Brasil, tem virtudes heroicas confirmadas pelo Papa; no mesmo decreto, dois sacerdotes italianos mortos pelos nazistas em 1944 serão proclamados beatos.
Vatican News
A Igreja reconhece entre seus novos veneráveis a brasileira
Maria de Lourdes Guarda, leiga consagrada que viveu quase cinquenta anos
imobilizada e transformou a própria dor em fonte de evangelização e apoio às
pessoas com deficiência. Durante a audiência concedida nesta sexta-feira, 21 de
novembro, ao cardeal Marcello Semeraro, prefeito do Dicastério para as Causas
dos Santos, o Papa Leão XIV autorizou a promulgação dos decretos que confirmam
suas virtudes heroicas. Na mesma ocasião, foram aprovados os decretos relativos
ao martírio, em ódio à fé, de dois sacerdotes italianos mortos pelas tropas
nazistas em 1944, padre Ubaldo Marchioni e padre Martino Capelli, que em breve
serão proclamados beatos. Também tiveram reconhecidas suas virtudes heroicas o
arcebispo Enrico Bartoletti, dom Gaspare Goggi e a religiosa australiana Maria
do Sagrado Coração (Maria Glowrey).
Maria de Lourdes, apóstola das pessoas com deficiência no
Brasil
Nascida em 1926 na cidade de Salto, no Estado de São Paulo,
de família de origens italianas, Maria de Lourdes Guarda enfrentou desde a
juventude uma séria lesão na coluna que, aos 21 anos, a deixou paralisada da
cintura para baixo, confinada a um rígido colete de gesso e, mais tarde,
imobilizada de forma permanente. Mesmo impedida de ingressar na vida religiosa
tradicional, encontrou seu caminho de consagração no Instituto Secular Caritas
Christi, no qual professou seus votos em 1970. Ao longo de quase cinco décadas
vividas entre hospitais e a própria casa, Maria de Lourdes transformou sua
enfermidade em missão apostólica, auxiliada por intensa vida de oração e
profunda devoção eucarística.
No contato com as Irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de
Jesus, amadureceu uma espiritualidade de oferecimento e consolação. Seu quarto
de hospital converteu-se em ponto de referência para encontros, partilhas e
orientações espirituais. Mesmo sofrendo com doenças renais e uma grave gangrena
que levou à amputação de uma perna, jamais deixou de acolher quem a procurava
em busca de conselho, conforto e força na fé. Por dez anos, coordenou
nacionalmente a “Fraternidade das Pessoas com Deficiência”, empenhando-se pela
inclusão social, pelo reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência e
pela formação de agentes pastorais. Faleceu em 5 de maio de 1996, vítima de um
câncer na bexiga, com fama de santidade já difundida e fortalecida após sua
morte.
Pe. Ubaldo: o sacerdote morto pelos nazistas diante do
altar
O primeiro dos dois sacerdotes mártires, padre Ubaldo
Marchioni, nasceu em Vimignano di Grizzana Morandi, província de Bolonha, em
1918. Entrou no seminário aos dez anos e foi ordenado aos 24, tornando-se
ecônomo da paróquia de San Martino di Caprara em março de 1944, numa região
então ocupada pelas tropas alemãs em conflito com os grupos de resistência.
Durante os meses de violência e represálias, permaneceu ao lado de sua
comunidade, partilhando com os paroquianos o medo, a fome e as incertezas da
guerra. No dia 29 de setembro de 1944, enquanto se dirigia ao Oratório dos
Anjos da Guarda para celebrar a Missa, parou na igreja de Santa Maria Assunta
di Casaglia para resguardar as espécies eucarísticas e oferecer abrigo a
mulheres e crianças aterrorizadas pela aproximação dos soldados nazistas.
Tentou negociar a liberdade dos refugiados, recomendando aos
homens que fugissem para os bosques, mas todas as tentativas fracassaram. As
mulheres e as crianças foram conduzidas ao cemitério e executadas. Padre Ubaldo
foi então levado novamente à igreja e trucidado diante do altar, com tiros na
cabeça, num gesto que revelou o desprezo dos nazistas pela fé cristã e
confirmou o caráter de martírio odium fidei. Assassinado aos 26 anos, acolheu
conscientemente o risco da morte por permanecer junto aos fiéis, mesmo tendo
possibilidade de se salvar.
Padre Martino Capelli: martírio em Pioppe di Salvaro
O segundo sacerdote martirizado, padre Martino Capelli,
nasceu em 1912 em Nembro, província de Bérgamo, e entrou aos 17 anos no
postulantado da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus. No
verão de 1944 dirigiu-se a Salvaro para auxiliar o pároco idoso de San Michele,
apesar da região estar entre as mais violentamente atingidas pelo avanço
nazista.
Recusou-se a abandonar o povo, mesmo sendo alertado pelos
confrades sobre o risco iminente. Quando, em 29 de setembro de 1944, os
nazistas perpetraram o massacre de Creda, padre Capelli correu para socorrer os
agonizantes, sendo capturado e obrigado a transportar munição. Foi detido junto
com o salesiano padre Elia Comini e dezenas de civis, muitos deles sacerdotes
posteriormente libertados. Encerrado numa estrebaria em Pioppe di Salvaro,
confortou e confessou os prisioneiros. Na noite de 1º de outubro de 1944, foi
morto com padre Comini e um grupo de pessoas consideradas “inaptas ao
trabalho”. Os corpos foram dispersos no rio Reno. Seu martírio é reconhecido
como odium fidei, motivado pelo desprezo dos nazistas pelo ministério
sacerdotal, e também como martírio ex parte victimae, pela escolha consciente
de permanecer com os fiéis.
Dom Enrico Bartoletti: o “timoneiro” do pós-Concílio
O arcebispo Enrico Bartoletti nasceu em 1916 em Calenzano e
foi ordenado sacerdote aos 22 anos. Tornou-se figura central na recepção do
Concílio Vaticano II na Itália, exercendo forte influência pastoral e
intelectual. Reitor de seminários em Florença, colaborou na proteção de judeus
durante a Segunda Guerra Mundial. Nomeado bispo auxiliar de Lucca em 1958, mais
tarde se tornou arcebispo, antes de ser chamado por Paulo VI para servir como
secretário-geral da Conferência Episcopal Italiana num período particularmente
complexo para o país. Sua morte precoce, em 1976, interrompeu um ministério
marcado pela mediação, pelo diálogo e pela implementação das diretrizes
conciliares.
Padre Gaspare, o jovem discípulo de São Luís Orione
Gaspare Goggi nasceu em 1877, encontrou São Luís Orione aos
15 anos e se tornou um de seus mais próximos colaboradores na nascente Pequena
Obra da Divina Providência. Sacerdote aos 26 anos, distinguiu-se como confessor
muito procurado e como guia espiritual em Roma, onde serviu como reitor da
igreja de Sant’Anna dei Palafrenieri. Mesmo de saúde frágil, dedicou-se
incansavelmente aos pobres e aos peregrinos. Morreu em 1908, aos 31 anos, já
reconhecido como “pequeno santo” pelos fiéis.
Irmã Maria do Sagrado Coração: médica australiana e
missionária na Índia
Nascida em 1887, Maria Glowrey formou-se em medicina na
Austrália e, inspirada por modelos femininos de missão e cuidado, mudou-se para
a Índia em 1920, onde professou votos na Sociedade de Jesus, Maria e José,
tornando-se irmã Maria do Sagrado Coração. Atendeu mulheres e crianças em
contexto de extrema pobreza e desenvolveu um vasto apostolado médico, fundando
instituições, formando profissionais e promovendo a ética cristã na saúde.
Criou em 1943 a Catholic Health Association of India, hoje uma das maiores
redes católicas de assistência médica do mundo. Morreu em 1957, deixando um
legado marcante de serviço e evangelização.





Nenhum comentário:
Postar um comentário