Cristo Rei, homilia de São Josemaria
Disponibilizamos, em áudio e texto, a homilia Cristo Rei que
São Josemaria Escrivá pronunciou no dia 22 de novembro de 1970, festa de Cristo
Rei, e posteriormente publicada em “É Cristo que passa”.
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14/11/2022
Disponibilizamos, em áudio, a homilia Cristo Rei que
São Josemaria Escrivá pronunciou no dia 22 de novembro de 1970, festa de Cristo
Rei, e posteriormente publicada em “É
Cristo que passa”.
Homilia completa:
O Reino de Cristo é reino de liberdade: não existem nele
outros servos além dos que livremente se deixam aprisionar, por amor a Deus.
Bendita escravidão de amor, que nos torna livres! Sem liberdade, não podemos
corresponder à graça; sem liberdade, não nos podemos entregar livremente ao
Senhor, pelo motivo mais sobrenatural de todos: porque nos apetece.
Alguns dos que me escutam já me conhecem há muitos anos.
Podem testemunhar que tenho passado toda a minha vida pregando a liberdade
pessoal, com igual responsabilidade pessoal. Procurei-a e procuro-a por toda a
terra, como Diógenes procurava um homem. E cada dia que passa amo-a mais, amo-a
sobre todas as coisas da terra: é um tesouro que nunca saberemos apreciar
suficientemente.
Quando falo de liberdade pessoal, não me valho disso como
desculpa para abordar outros problemas, talvez muito legítimos, mas que não
dizem respeito ao meu ofício de sacerdote. Sei que não me compete tratar de
temas seculares e transitórios, que pertencem à esfera temporal e civil, e são
matérias que o Senhor deixou à livre e serena controvérsia dos homens. Sei
também que os lábios do sacerdote, evitando por completo parcialidades humanas,
somente devem abrir-se para conduzir as almas a Deus, à sua doutrina espiritual
salvadora, aos sacramentos que Jesus Cristo instituiu, à vida interior que nos
aproxima do Senhor, dando-nos a consciência de sermos seus filhos e, portanto,
irmãos de todos os homens sem exceção.
Celebramos hoje a festa de Cristo-Rei. E não me afasto do
meu ofício de sacerdote quando digo que, se alguém entendesse o reino de Cristo
em termos de programa político, não teria aprofundado no fim sobrenatural da fé
e estaria a um passo de oprimir as consciências com cargas que não são de
Jesus, pois seu jugo é suave e sua carga leve. Amemos de verdade todos os
homens; acima de tudo, amemos Cristo; e, então, não teremos outro remédio senão
amar a legítima liberdade dos demais homens, numa convivência pacífica e
sensata.
Talvez me digam que são poucos os que querem ouvir estas
coisas e menos ainda os que desejam pô-las em prática. Consta-me que a
liberdade é uma planta forte e sã, que se aclimata mal entre as pedras e os
espinhos, ou nos caminhos calcados pelos homens. Já o sabíamos antes de Cristo
ter vindo à terra.
Lembremo-nos do Salmo II: Por que se amotinaram as nações, e
os povos traçaram planos vãos? Sublevaram-se os reis da terra e os príncipes
coligaram-se contra o Senhor e contra o seu Cristo. Como vemos, nada de novo.
Opunham-se a Cristo antes de Ele ter nascido; a Ele se opuseram enquanto seus
pés pacíficos percorriam os caminhos da Palestina; perseguiram-no depois e
agora, atacando os membros do seu Corpo místico e real. Por quê tanto ódio, por
quê este encarniçar-se contra a cândida simplicidade, por quê este universal
esmagamento da liberdade de cada consciência?
Quebremos as suas cadeias e sacudamos de nós o seu jugo.
Quebram o jugo suave, sacodem das costas a sua carga, maravilhosa carga de
santidade e justiça, de graça, de amor e paz. Enfurecem-se diante do amor,
riem-se da bondade inerme de um Deus que renuncia ao uso das suas legiões de
anjos para se defender. Se o Senhor admitisse a barganha, se sacrificasse um
punhado de inocentes para satisfazer uma maioria de culpados, ainda poderiam
tentar um entendimento com Ele. Mas não é essa a lógica de Deus. Nosso Pai é
verdadeiramente pai, e está disposto a perdoar milhares de fautores do mal, se
houver somente dez justos. As pessoas dominadas pelo ódio não podem entender
esta misericórdia, e afincam-se na sua aparente impunidade terrena,
alimentando-se da injustiça.
Aquele que habita nos céus, ri-se, e o Senhor zomba deles.
Ele lhes fala então na sua ira, e no seu furor os aterroriza. Como é legítima a
ira de Deus, como é justo o seu furor, e como é grande também a sua clemência!
Eu, porém, fui constituído por Ele Rei sobre Sião, seu monte santo, para
promulgar a sua Lei. Disse-me o Senhor: Tu és meu filho, eu te gerei hoje. A
misericórdia de Deus Pai deu-nos por Rei o seu Filho. Quando ameaça, ao mesmo
tempo se enternece: anuncia-nos a sua ira e entrega-nos o seu amor. Tu és meu
filho: dirige-se a Cristo e dirige-se a ti e a mim, se estamos decididos a ser
alter Christus, ipse Christus, outro Cristo, o próprio Cristo.
As palavras não conseguem acompanhar o coração, que se
emociona perante a bondade de Deus. Diz-nos: Tu és meu filho. Não um estranho,
não um servo benevolamente tratado, não um amigo, que já seria muito. Filho!
Concede-nos livre trânsito para vivermos com Ele a piedade de filhos e também -
atrevo-me a afirmar - a desvergonha de filhos de um Pai que é incapaz de lhes
negar seja o que for.
Há muita gente empenhada em comportar-se injustamente? Sim,
mas o Senhor insiste: Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e em teu
domínio as extremidades da terra. Tu as governarás com vara de ferro, e qual
vaso de oleiro as quebrarás. São promessas fortes, e são de Deus: não podemos
disfarçá-las. Não em vão Cristo é o Redentor do mundo; Ele reina, soberano, à
direita do Pai. É o terrível anúncio do que nos espera a cada um - quando a
vida passar, porque passa - e a todos - quando a História acabar -, se o
coração se endurecer no mal e na falta de esperança.
No entanto, Deus, que pode vencer sempre, prefere convencer.
E agora, ó reis, atendei; instruí-vos, vós que governais a terra. Servi o
Senhor com temor, e louvai-o com tremor. Abraçai a boa doutrina, não seja que
no fim o Senhor se aborreça e pereçais fora do bom caminho, quando daqui a
pouco se inflamar a sua ira. Cristo é o Senhor e o Rei. Nós vos anunciamos que
Deus cumpriu a promessa feita a nossos pais; cumpriu-a diante de nossos filhos
ressuscitando Jesus, como também está escrito no salmo segundo: Tu és meu
Filho, eu te gerei hoje...
Agora, pois, meus irmãos, sabei que por Ele vos é anunciada
a remissão dos pecados e de todas as manchas de que não pudestes ser
justificados pela lei de Moisés: por Ele é justificado todo aquele que crê.
Tomai, pois, cuidado, para que não recaia sobre vós o que foi dito pelos
profetas: Vede, ó desprezadores, admirai-vos e desaparecei, que eu faço uma
obra nos vossos dias, uma obra em que não acabareis de acreditar, por mais que
vo-la contem.
É a obra da salvação, o reinado de Cristo nas almas, a
manifestação da misericórdia de Deus. Bem-aventurados todos os que a Ele se
acolhem!. Nós, os cristãos, temos o direito de enaltecer a realeza de Cristo,
porque - embora a injustiça seja abundante, embora muitos não desejem este
reinado de amor - na própria história da humanidade, que é o cenário do mal, se
vai tecendo a obra da salvação eterna.
Ego cogito cogitationes pacis et non afflictionis. Eu penso
pensamentos de paz, e não de tristeza, diz o Senhor. Sejamos homens de paz,
homens de justiça, praticantes do bem, e o Senhor não será para nós Juiz, mas
amigo, irmão, Amor.
Que os anjos de Deus nos acompanhem neste caminhar - alegre!
- pela terra. Antes do nascimento do nosso Redentor, escreve São Gregório
Magno, nós tínhamos perdido a amizade dos anjos. A culpa original e os nossos
pecados cotidianos tinham-nos afastado da sua pureza... Mas desde o momento em
que nós reconhecemos o nosso Rei, os anjos nos reconheceram como seus
concidadãos.
E como o Rei dos céus quis assumir a nossa carne terrena, os
anjos já não se afastam da nossa miséria. Não se atrevem a considerar inferior
à sua esta natureza que eles adoram, vendo-a exaltada, acima deles, na pessoa
do Rei do céu; e já não têm inconveniente em considerar o homem como seu
companheiro.
Maria, a Mãe santa do nosso Rei, a Rainha do nosso coração,
cuida de nós como só Ela o sabe fazer. Mãe compassiva, trono da graça: nós te
pedimos que saibamos compor na nossa vida e na vida dos que nos rodeiam, verso
a verso, o poema singelo da caridade, quasi flumen pacis , como um rio de paz.
Pois tu és um mar de inesgotável misericórdia: Os rios vão dar todos ao mar, e
o mar não transborda.
Fim.

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