O ÚLTIMO TRONO
21/11/2025
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
O ano litúrgico se encerra diante de uma cena que, aos olhos
do mundo, não tem nada de solene. Há somente um madeiro erguido fora
da cidade, um condenado entre dois criminosos, o riso amargo dos passantes
e a indiferença dos observadores. Sobre a cabeça de Jesus, contudo,
uma inscrição insiste: “Este é o Rei dos judeus”.
É assim que a Igreja contempla o Rei do Universo!
Em Lucas 23, o contraste é dolorosamente preciso. Em
volta da cruz, estão todos os sinais de poder que
conhecemos. A multidão que observa e julga, as autoridades religiosas
que escarnecem, a máquina do império que executa sem hesitar.
Ali se acumulam todas as expectativas
de “reino” que a história aprecia. Força que se impõe,
prestígio que domina, eficiência que elimina o incômodo. Em meio a tudo isso, o
Rei de Israel parece o oposto de um rei. Não comanda exércitos, não desce do
patíbulo, não devolve insultos. A coroa é de espinhos, o trono de madeira,
o manto é o próprio silêncio.
No entanto, é precisamente aí que o
evangelho concentra o olhar. Um dos malfeitores provoca: “Não és
tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós”. Um pedido que resume toda a
lógica do poder. Um rei, para o mundo, é alguém que se protege primeiro, que
demonstra força pela fuga da humilhação, que prova sua realeza evitando a
fraqueza.
Mas o outro condenado, a antítese do primeiro, aquele que a
tradição chamará de “bom ladrão”, intui uma majestade diferente. Ele não vê
milagres, nem luzes, não vê legiões de anjos. Vê um homem crucificado
como ele, mas que suporta a dor com uma altivez que não se explica.
Então arrisca uma frase de confissão e súplica: “Jesus, lembra-te de
mim quando entrares no teu Reino”. Ele não pede para descer da cruz.
Pede para ser alcançado por uma lembrança que não esquece. Reconhece
como rei justamente aquele que não se salva a si mesmo, mas se entrega por
todos.
A resposta de Cristo sentencia como uma
proclamação real: “Hoje estarás comigo no paraíso”. Uma promessa
pronunciada entre o sangue e a poeira, quase aos sussurros, mas com a
autoridade de quem podia fazê-la. Um Rei medido pela
profundidade com que alcança o coração e o arranca do
desespero.
Celebrar Cristo Rei do Universo à luz desse evangelho é
aceitar uma contradição fecunda. Nosso imaginário pede coroas de ouro, tronos
de mármore, vitórias incontestáveis. O evangelho nos entrega um rei
desfigurado, coroado de espinhos, vitorioso no fracasso.
O mundo espera um reino que elimina as catástrofes. Cristo
inaugura um reinado que as atravessa. Guerras, abalos, injustiças, pandemias,
quedas de impérios, tudo continua a acontecer, como sempre aconteceu. Mas,
desde a cruz, essas forças perderam autoridade. O reinado de Cristo
instala na noite escura do mundo uma luz que não pode ser
apagada.
É aqui que a intuição poética de
Henry Wadsworth Longfellow se faz teologia. Quando diz que a
aurora não tarda, que a noite não é sem estrelas, que o amor é
eterno, ele desvela aquilo que a Igreja contempla quando se
ajoelha diante do crucificado. As trevas são reais, mas não
são intransponíveis. O mal é terrível, mas não é irrestrito. O
tempo humano é dramático, mas não é regido pelo acaso. Sobre tudo isso,
discreto e soberano, permanece um Reinado que não envelhece.
Dizer que Cristo é Rei do Universo é afirmar que a história
não caminha à deriva.
Quando Longfellow recorda que “Deus é sempre Deus,
e sua fé não nos falhará; [pois] Cristo é eterno”, descreve com
exatidão o fundamento desse reinado.
O Reino de Cristo não é uma instituição
passageira, nem uma hegemonia cultural, mas é a fidelidade
indestrutível do Filho que nunca se retrata.
Ao concluir o ano litúrgico diante do Cristo Rei, a Igreja
olha para o alto da cruz e reconhece, naquele rosto desfigurado, o único rosto
que não passa. Todas as coroas do mundo desbotam ou duram em vitrines
de museu. Todos os tronos desmoronam, mas a realeza de Jesus
permanece, porque está inscrita em vida ferida e
ressuscitada. Por isso, a aurora não tarda, e a noite, por mais
escura, nunca é sem estrelas.
O fim do ano católico com, a festa de Cristo
Rei, é uma concentração de sentido. Tudo o que celebramos
ao longo do ano – o Natal, a Páscoa, o Pentecostes – converge aqui para
confessar que, por trás de cada mistério, reina o Senhor. E se Ele
reina, o futuro não é ameaça.
Enquanto o mundo continuará a medir poderes por forças
visíveis, a Igreja continuará a levantar os olhos para o crucificado
e, paradoxalmente, chamá-lo de Rei.
Entre a expectativa do mundo e o Evangelho, a contradição
permanecerá, mas é nessa contradição que se esconde o segredo. O amor que
se deixa ferir sem deixar de amar é a forma mais alta de poder. E esse poder,
porque é amor, não passa.
Cristo é eterno! E, enquanto Ele reina, nenhuma noite será
absoluta, nenhuma cruz será definitiva e todo reinado neste
mundo será apenas um intervalo diante da
glória inquebrável do seu senhorio.

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