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sábado, 4 de outubro de 2025

SAÚDE: Do morango do amor ao pudim: por que brasileiros gostam tanto de açúcar (Parte 1/2)

Morango do amor, doce que combina leite condensado, morango e açúcar, se tornou uma sensação no último mês (Crédito: Getty Images)

Do morango do amor ao pudim: por que brasileiros gostam tanto de açúcar?

Autor: André Biernath

Da BBC News Brasil em Londres

14 agosto 2025

Do morango do amor aos brigadeiros gourmet, passando pelos bolos de pote e ovos de Páscoa recheados, o Brasil viveu sucessivas "febres" de doces.

Mas, afinal, por que os brasileiros gostam tanto de açúcar?

A história do açúcar no Brasil começa séculos atrás, bem antes dos doces modernos, e tem relação direta com a colonização portuguesa.

A cana-de-açúcar, de onde boa parte do açúcar utilizado no país é extraído, é originária da Papua Nova Guiné, na Oceania.

Pesquisadores acreditam que ela passou a ser cultivada pelos seres humanos há cerca de 10 mil anos e, aos poucos, se espalhou pela Polinésia, pela Ásia e pelo Mediterrâneo.

Mas, durante muito tempo, a oferta de açúcar era bem limitada e ficava restrita às farmácias, onde havia uso na formulação de remédios ou como tônico para dar energia.

Isso começou a mudar a partir do século 14, quando Portugal investiu nas suas primeiras grandes plantações de cana-de-açúcar na Ilha de Madeira, modelo que foi expandido para o Brasil — em uma escala ainda maior — a partir do século 16.

O açúcar, então, se tornou a grande commodity da então colônia portuguesa, que dependia da mão-de-obra dos escravizados nas lavouras e nos engenhos.

Brasil é o principal exportador de açúcar do mundo (Crédito: Getty Images)

Em seu livro História da Alimentação no Brasil, o historiador Luís da Câmara Cascudo estima que, entre 1583 e 1587, os 66 engenhos de Pernambuco produziram quase 3 mil toneladas de açúcar.

Ainda que boa parte dessa produção fosse exportada pra Europa, a facilidade no acesso ao açúcar no Brasil influenciou diretamente as receitas de bolos e outras sobremesas, além das conservas e compotas com frutas.

"No século 16, você já começa a perceber a alteração através dos livros de receitas das rainhas, principalmente, a alteração de receitas que eram feitas com mel ou tinham uma outra configuração. Por exemplo, o manjar branco, que antes era um prato que não era feito nem com açúcar nem mel, passa a ser feito com açúcar", explica a historiadora e professora da USP Vera Ferlini.

"Gradativamente, o açúcar vai entrando como um elemento da dieta e da constituição de um receituário, principalmente conventual, de doces, que são os que nós conhecemos: os fios de ovos, vários tipos de pasteis, esses doces com massas, o pão de ló e tudo aquilo que ainda encontramos na doçaria portuguesa. Então a doçaria brasileira vai ser uma herdeira dessa doçaria portuguesa", acrescenta.

Houve ainda a influência dos africanos e dos indígenas, que de acordo com a pesquisa de Câmara Cascudo, preferiam o gosto que vinha direto da cana, de frutas como o cupuaçu, o açaí, o guaraná e o caju, ou dos favos de mel das abelhas.

Mesmo hoje, séculos depois, o Brasil continua sendo o maior exportador de açúcar do mundo.

A revolução do leite condensado

A partir do século 20, a relação do brasileiro com o açúcar se diversificou. A industrialização dos alimentos trouxe novos produtos à mesa: refrigerantes, bolachas recheadas e o leite condensado.

Em 2021, em uma reportagem da BBC Brasil, a Nestlé disse — citando dados de uma pesquisa do Kantar Ibope, realizada em 2020 — que o leite condensado estava presente na casa de 94% dos brasileiros, que consomem em média 6 quilos e meio de leite condensado por ano.

A empresa, que é uma das maiores fabricantes do produto, afirma que o leite condensado é parte de cerca de 60% das sobremesas feitas no Brasil, um número sem paralelo em nenhum outro país.

A popularização deste produto, fabricado há mais de 100 anos, se reflete em inúmeras sobremesas no Brasil: no brigadeiro, nos mousses, pavês e, mais recentemente, no morango do amor.

"O leite condensado junta em um produto só vários atributos que o brasileiro ama. Porque a gente gosta de coisas doces, bem doces. E a gente gosta de doces molhadinhos. E o leite condensado é isso. Ele é úmido, ele é doce, ele traz textura. E ele é neutro, porque a base láctea permite esses acréscimos do pistache, do chocolate, do morango, do limão, do maracujá, do coco, do café, da laranja… Então você abre um leque de receitas com saborização enorme, com uma facilidade de uso imensa", explica a historiadora Débora Oliveira, autora do livro Dos Cadernos de Receitas as Receitas de Latinha : Indústria e Tradição Culinária (Editora Senac).

O brigadeiro, marca registrada da doçaria brasileira, usa uma lata de condensado, que tem 55 gramas de açúcar a cada 100g (Crédito: Getty Images)

Curiosamente, as primeiras campanhas de marketing promoviam o leite condensado como um alimento pra bebês e crianças, uma espécie de substituto do leite tradicional e das fórmulas infantis.

Uma marca famosa dizia para as mães: "Senhora, não se aflija com a falta de leite. Há um bom substituto, o único substituto, no qual você deve ter total confiança."

Não existe nenhuma evidência científica que sustente essas afirmações — e hoje o consumo de açúcar é desaconselhado antes dos dois anos de idade.

A BBC News Brasil entrou em contato com a Nestlé, que fabrica a principal marca de leite condensado no mercado, para que ela pudesse comentar o assunto, mas não foram enviadas respostas até a publicação da reportagem.

Alguns anos depois, o leite condensado passou a trazer fascículos com receitas, ou instruções de preparo de sobremesas nos próprios rótulos, que passaram a ser colecionados pelas donas de casa.

Segundo pesquisadores, essas campanhas acertaram ao mirar exatamente nas principais dores dos consumidores e oferecer uma solução prática, confiável e barata pra preparar alimentos ligados ao conforto e ao bem-estar de reuniões de família.

"O Gilberto Freyre tem essa frase no livro dele, que eu amo, que aqui no Brasil, o doce visita. O doce agradece. O doce dá as condolências. O doce celebra e tem um papel social. Então, quando nasce alguém, nasceu seu sobrinho, você vai visitar a criança e não leva um leitão à pururuca. Você leva um docinho. O doce tem uma função social de ser recompensa, de ser essa gratidão, onde ele simboliza muito do afeto", afirma Débora Oliveira, que tem mestrado pela USP.

O antropólogo Gilberto Freyre escreveu livros inteiros sobre a importância desse ingrediente para a formação da identidade nacional. É o caso da obra Açúcar: uma Sociologia do Doce, em que ele defende que, sem o açúcar, não é possível compreender o homem do Nordeste.

Leite condensado é usado em várias receitas brasileiras (Crédito: Getty Images)

O leite condensado também teve impacto em outros setores da vida pública, como a política.

O próprio nome de um dos doces mais populares do Brasil, o brigadeiro, teve origem nas eleições de 1945, quando o brigadeiro Eduardo Gomes candidatou-se à presidência da República. No contexto militar, brigadeiro é uma das mais altas patentes da força aérea brasileira.

Os apoiadores de Eduardo Gomes criaram o slogan: "Vote no brigadeiro, que é bonito e solteiro" e distribuíram um novo doce, que recebeu o mesmo nome, em festas e eventos de campanha.

O doce virou um sucesso, mas não foi suficiente pra garantir a vitória nas eleições, que sagraram Eurico Gaspar Dutra como o novo presidente.

Anos depois, o leite condensado voltou à cena política em uma polêmica, por representar gastos de R$ 15,6 milhões pelo Governo Federal.

Na época, o presidente era Jair Bolsonaro, que compartilhou diversos vídeos comendo esse ingrediente em um pedaço de pão.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp3eqv91x1vo

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF