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sexta-feira, 10 de setembro de 2021

ESTUDOS BÍBLICOS: «Como ler a Bíblia» (Parte 1/4)

Revista Paróquias

Bispo Kallistos Ware
Trad. por Dra. Rosita Diamantopoulos

«Como ler a Bíblia»

Nós acreditamos que as escrituras constituem um território coerente, divinamente inspiradas e humanamente expressadas. Elas outorgam a Deus a revelação de Si Mesmo, na criação, na encarnação no mundo, e em toda a história da salvação. Elas expressam a Palavra de Deus em linguagem humana. Nós sabemos, recebemos e interpretamos as escrituras de acordo com a Igreja e na Igreja. Nossa aproximação da Bíblia é uma forma de obediência.

Podemos distinguir, na Igreja Ortodoxa, quatro formas de ler as escrituras, denominadas:

— Nossa leitura deve ser obediente;

— Ela deve ser eclesiástica, junto com a Igreja;

— Ela deve ser centrada em Cristo;

— Ela deve ser pessoal.

Lendo a Bíblia com obediência

Primeiramente, quando lemos as escrituras, devemos conservar um espírito de obediência. A Igreja Ortodoxa acredita na Inspiração Divina da Bíblia. As Escrituras são uma "carta" de Deus, onde o próprio Cristo está falando. As Escrituras são um testemunho do próprio Deus. Elas expressam a palavra de Deus na linguagem humana. Uma vez que de Deus está falando conosco na Bíblia, a nossa resposta deve ser de atenção obediente e receptividade. Quando lemos, esperamos no Espírito.

No entanto, embora divinamente inspirada, a Bíblia é também humanamente expressada. É uma verdadeira biblioteca de diversos livros escritos em diferentes tempos por pessoas diferentes. Cada livro da Bíblia reflete o momento em que foi escrito e a visão particular do autor. Para Deus, nada é isolado,a graça divina colabora com a liberdade humana.

Deus não termina com a nossa liberdade, ao contrário, a aumenta, e isso é refletido na forma com que as Escrituras são redigidas. Os autores não são um instrumento passivo, alguém meramente escrevendo um ditado, cada autor nas escrituras reflete os seus dons pessoais. Portanto, ao longo do aspecto divino das escrituras, há uma participação humana e devemos valorizar as duas.

Cada um dos quatro Evangelhos, por exemplo, tem o seu relato particular. Mateus apresenta, principalmente uma visão judaica de Cristo com ênfase no Reino dos Céus. Marcos contém detalhes específicos do Ministério de Cristo não contidos em outro lugar. Lucas expressa a universalidade do amor de Cristo, a sua compaixão que abraçava judeus e gentios. Em João, há uma introspecção e uma visão mais mística de Cristo, com ênfase na luz e na encarnação divinas. Essa variedade deve ser explorada por nós ao lermos a Bíblia.

Em razão de serem as escrituras a Palavra de Deus expressa em linguagem humana, há um espaço para questionamentos honestos ao se ler a Bíblia. Explorando o seu aspecto humano, enfatizamos a razão humana para os atos de Deus. A Igreja Ortodoxa não exclui a pesquisa da origem, datas e autores da Bíblia. No entanto, ao deparamo-nos com o elemento humano, vemos, também, o divino; ou seja, que não são livros simples escritos por autores comuns, nós ouvimos nas Escrituras não apenas palavras humanas, marcadas por uma maior ou menor percepção, mas a Palavra Eterna, Não Criada de Deus, a Palavra Divina de Salvação. Quando se lê a Bíblia, não o fazemos apenas por curiosidade ou informação, nos perguntamos "Como posso ser salvo"?

Como Palavra Divina de Deus em linguagem humana, as Escrituras devem maravilhar-nos. Você já não sentiu o quanto elas não lhe parecem familiares? A Bíblia é maçante? Não, continuamente devemos limpar a nossa percepção e olhar extasiados e com novos olhos o Senhor diante de nós. Devemos sentir expectativa e surpresa ao lermos a Bíblia, pois, certamente, ainda temos muitos livros a explorar. Há muita majestade e profundidade a ser descoberta, portanto a obediência implica em maravilhar-se, em prestar atenção.

Em geral, nos damos melhor falando do que ouvindo. Ouvimos o som da nossa própria voz, mas não paramos quando outro nos fala. Portanto, o primeiro requisito ao ler a Bíblia é parar e ouvir, e ouvir com obediência.

Quando entramos na Igreja Ortodoxa, decorada em sua maneira tradicional, e olhamos o lado oeste do santuário vemos o ícone da Virgem Maria com suas mãos elevadas ao céu — que é a maneira antiga de se rezar, descrita nas Escrituras e usada até hoje. Esse ícone simboliza a nossa atitude quando decidimos ler as Escrituras, a de receptividade, com as mãos invisivelmente elevadas aos céus. Lendo a Bíblia, modelamono-nos como a Virgem Maria, a que mais ouviu. Na Anunciação, ela ouviu com obediência "seja feito conforme a Sua vontade" (Lucas 1:38). Ela não poderia ter dado a luz à Palavra de Deus se não tivesse, primeiramente, escutado a Palavra de Deus em seu coração. Depois, foi dito que "ela guardava todas essas coisas em seu coração" (Lucas 2:19). Mais uma vez, ao encontrar Jesus no templo, Maria "guardou todas essas coisas em seu coração" (Lucas 2:51). A mesma atitude de ouvir é dita a nós em Caná, na Galiléia, quando ela menciona "façam tudo o que Ele disser" (João 2:5). Em tudo isso, a Virgem Maria nos serve de espelho, como um ícone vivo dos cristãos bíblicos. Devemos ser como Ela ao ouvir a Palavra de Deus: ponderar, guardar todas essas coisas em nosso coração e fazer o que Ele nos disser. Devemos ser obedientes ao que Deus fala.

Fonte: https://www.ecclesia.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF