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quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Opção não basta: os pobres e o Reino

Felizes os pobres...o reino lhes pertence (Comunidade Católica Shalom)

OPÇÃO NÃO BASTA: OS POBRES E O REINO

08/10/2025

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

Chamar o cuidado com os pobres de “opção” soa civilizado, mas trai a realidade. Uma opção oferece alternativas, admite que possamos escolher outra coisa. O Evangelho não nos deixa essa saída. Os pobres e os últimos não têm quem os ajude, e por isso não pedem apenas simpatia, mas reclamam responsabilidade.  

A tradição bíblica encontrou uma palavra para esse vínculo que não depende do gosto. Chama-segoel, o resgatador, o parente que, por direito e por amor, se interpõe entre a miséria e a pessoa ferida. 

Quando a terra era perdida, ogoela recomprava ou redimia (Lv 25,23-28.47-55; Rt 2–4). Quando a honra era pisada, ele se punha diante (Nm 35). Era dever, não cortesia! 

Havia ainda um último recurso, reservado a quem não tinha parente nem voz – o de poder recorrer diretamente autoridade máxima, como fez a sunamita que pediu ao rei a devolução de sua casa e seus campos (2Rs 8,3-6). O trono, em Israel, existia para julgar a causa do pobre e do aflito, não para ornamentar banquetes (Sl 72,1-4.12-14; Pr 31,8-9). Nesse horizonte, dizer que “preferimos” o pobre é pouco. 

No pacto de Deus com o seu povo, o pobre não entra como preferência, mas como prioridade. 

Os profetas repetiram que o Senhor se apresenta comogoeldo órfão, da viúva, do estrangeiro (Dt 10,18-19; Is 41,14; 43,1; 54,5). Não o faz porque eles são moralmente superiores, mas porque não têm defesa. Quando todos os vínculos falham, Deus se declara parente deles. É por isso que a Escritura atrela a justiça à forma como tratamos quem não tem com quem contar: “Não maltratarás a viúva nem o órfão” (Ex 22,21).  

O critério é fidelidade à aliança, não filantropia. Jesus assume essa herança e a leva mais alto. Em Nazaré, ao proclamar o cumprimento de Isaías — “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a boa-nova aos pobres” (Lc 4,18; cf. Is 61,1), — Ele se apresenta como o grandegoel. Devolve a vista, levanta quem está caído, perdoa dívidas que acorrentavam. No Calvário, paga com a própria vida o preço que estava além de nossas posses. A Igreja recebeu essa herança jurídica e afetiva ao se propor de ser, na história, o corpo do Ressuscitado que continua a obra dogoel

A literatura compreendeu isso antes de muitos tratados teológicos. Dostoiévski, emCrime e Castigo(1866), apresenta em Sônia Marmieládova essa mesma gravidade do amor. Uma jovem que escolhe os últimos para permanecer junto deles quando todos recuam, e essa permanência revela o que o Evangelho chama de misericórdia. 

Shakespeare, noRei Lear(1606), pôs nos lábios do rei, já moribundo, a intuição tardia de que não cuidara dos “pobres desprovidos” e que o poder, sem essa justiça, é vento (Ato III, Cena 4). Dickens repete, em romances comoOliver Twist (1838) eBleak House(1853), que a caridade anônima e distante é uma ficção benigna. 

Muda o destino dos pequenos quem entra na casa, aprende o nome e interrompe o inevitável curso da ruína. Em todos esses mundos, o pobre não é causa para adeptos, é vínculo que interpela, como parente de sangue. 

Ogoelage por direito; e o rei, quando é digno da coroa, torna-se o últimogoeldo seu povo (Sl 72,12-14). A Bíblia ama retratar Deus como esse rei acessível. Jesus acolhe esse critério e o inscreve no coração de sua autoridade: “Tudo o que fizestes a um destes pequeninos, meus irmãos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). 

Não é só opção. Há a construção de uma identidade, onde tocar o pobre é tocar o próprio Cristo. A Igreja herdou esse ministério dogoel para que a terra, a liberdade e a honra dos últimos não permaneçam entregues à sorte. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF