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sexta-feira, 24 de março de 2023

Por que Maria é como Abraão na Bíblia

Wikipedia | Domínio Público
Abraão e Sara

Maria e Abraão são convidados por Deus a confiarem com fé sobrenatural no Seu plano.

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Ao contemplar a resposta da Santíssima Virgem Maria ao arcanjo Gabriel na Anunciação, São João Paulo II observou uma notável semelhança com a resposta de Abraão no Antigo Testamento.

Ele comparou os dois casos numa homilia proferida na solenidade da Anunciação em 2000, explicando que, “De muitas maneiras, Maria é claramente diferente de Abraão; mas, de maneira mais profunda, ‘o amigo de Deus’ (cf. Is 41,8) e a jovem de Nazaré são muito parecidos”.

São João Paulo II enumerou então as muitas semelhanças entre Abraão e Maria, destacando em particular a sua resposta fiel ao convite de Deus:

“Abraão e Maria recebem uma maravilhosa promessa de Deus. Abraão ter-se-ia tornado pai de um filho, do qual iria nascer uma grande nação. Maria tornar-se-ia Mãe de um filho que seria o Messias, o Ungido do Senhor. Gabriel diz: ‘Eis que vais ficar grávida, terás um Filho… o Senhor dar-lhe-á o trono de Seu pai David… e Ele reinará para sempre’ (Lc 1, 31-33).

Tanto Abraão como Maria não esperavam de modo algum esta promessa. Deus muda o decurso quotidiano da vida deles, modificando os seus ritmos consolidados e as normais expectativas. Quer a Abraão quer a Maria a promessa parece ser impossível. A esposa de Abraão, Sara, era estéril e Maria ainda não é casada: ‘Como vai acontecer isso’, perguntou Maria, ‘se não vivo com nenhum homem?’ (Lc 1, 34)”.

Em ambas as situações, Abraão e Maria respondem generosamente a Deus, apesar de não saberem exatamente como Deus cumprirá sua promessa.

“Assim como a Abraão, também foi pedido a Maria que respondesse ‘sim’ a algo que jamais acontecera antes. Sara é a primeira mulher estéril da Bíblia que vai conceber através do poder de Deus, precisamente como Isabel será a última. Gabriel fala de Isabel para tranquilizar Maria: ‘Também a tua parenta Isabel, apesar da sua velhice, concebeu um filho’ (Lc 1, 36).

Como Abraão, também Maria deve caminhar às escuras, entregando-se àquele que a chamou. Contudo, também a sua pergunta ‘como vai acontecer isso?’ sugere que Maria está disposta a responder ‘sim’, apesar dos receios e incertezas. Maria não pergunta se a promessa se pode realizar, mas unicamente como acontecerá. Por conseguinte, não surpreende que conclua pronunciando o seu fiat: ‘Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra’ (Lc 1, 38). Com estas palavras Maria demonstra-se verdadeira filha de Abraão e torna-se a Mãe de Cristo e a Mãe de todos os crentes”.

Embora Maria não seja frequentemente comparada com Abraão, está claro que ela é uma “verdadeira filha de Abraão”, seguindo os seus passos ao responder a Deus com fé total.

IV Pregação da Quaresma 2023 "mysterium fidei!" - texto integral

Quarta Pregação da Quaresma 2023 (Vatican News)

O pregador da Casa Pontifícia, cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap, propôs à Cúria Romana, nesta sexta-feira, 24 de março, a quarta pregação da Quaresma intitulada "mysterium fidei!" - reflexões sobre a liturgia . O Papa Francisco participou deste momento.

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap

MYSTERIUM FIDEI!

Reflexões sobre a Liturgia

Quarta Pregação da Quaresma de 2023

Após aquelas sobre a evangelização e sobre a teologia, gostaria de propor hoje algumas reflexões sobre a liturgia e sobre o culto da Igreja, sempre com o intuito de dar uma contribuição, por mais modesta e indireta, aos trabalhos do Sínodo. A liturgia é o ponto de chegada, aquilo a que tende a evangelização. Na parábola evangélica, os servidores são enviados pelas estradas e encruzilhadas para convidar todos ao banquete. A Igreja é a sala do banquete e a Eucaristia, “a ceia do Senhor” (1Cor 11,20) nela preparada.

Iniciemos, em nossas reflexões, de uma palavra da Carta aos Hebreus: Quem se aproxima de Deus – diz ela – deve crer que ele existe” (Hb 11,6). Antes ainda, contudo, de crer que ele existe (que é já um aproximar-se), é necessário sentir ao menos o “aroma” da sua existência. Isto é o que chamamos de senso do sagrado e que um famoso autor chama “o numinoso”, qualificando-o como “mistério tremendo e fascinante”[1]. Santo Agostinho antecipou surpreendentemente esta descoberta da moderna Fenomenologia religiosa. Dirigindo-se a Deus, nas Confissões, diz: “Quando te conheci pela primeira vez..., tremi de amor e de assombro: contremui amore et orrore[2]. E ainda: “Estremeço e inflamo” (et inhorresco et inardesco): estremeço pela distância, inflamo pela semelhança”[3].

Se viesse a faltar completamente o senso do sagrado, viria a faltar o próprio terreno, ou o clima, em que desabrocha o ato de fé. Charles Péguy escreveu que “a assustadora penúria e indigência do sagrado é a marca profunda do mundo moderno”. Se caiu o senso do sagrado, dele permaneceu, contudo, o lamento que alguém definiu, de forma laica, “saudade do Totalmente Outro” (Max Horkheimer).

https://youtu.be/x8zoy3MBt-o

Os jovens, mais do que todos, percebem esta necessidade de serem transportados para fora da banalidade do cotidiano, de escapar, e inventaram seus próprios modos de satisfazer esta necessidade. Foi observado por estudiosos da psicologia de massa que os jovens que participaram há um tempo de famosos shows de rock, como os de Elvis Presley ou o Festival de Woodstock de 1969, eram transportados para fora do seu mundo cotidiano e projetados em uma dimensão que lhes dava a impressão de algo transcendente e sagrado.

Não diversamente, acontece para aqueles que participam hoje dos megashows de cantores e grupos musicais. O fato de estarem em muitos e vibrarem em uníssono com uma massa, amplifica infinitamente a própria emoção. Tem-se o sentimento de fazer parte de uma realidade diversa, superior, que dá lugar a uma espécie de “devoção”. O termo “fã” (abreviação, como sabemos de fanatic, isto é, fanático) é o corresponde secularizado de “devoto”. A qualificação de “ídolos” dada aos seus queridos tem uma profunda correspondência com a realidade.

Essas reuniões de massa podem ter o seu valor artístico e por vezes veicular mensagens nobres e positivas, como a paz e o amor. São “liturgias”, no sentido originário e profano do termo, isto é, espetáculos oferecidos ao público, por dever, ou para obter o seu favor. Não têm, contudo, nada a ver com a autêntica experiência do sagrado. No título “Divina liturgia”, o adjetivo “divina” foi acrescentado justamente para distingui-la das liturgias humanas. Há uma diferença qualitativa entre as duas coisas.

Tentemos ver por quais meios a Igreja pode ser, para os homens de hoje, o lugar privilegiado de uma verdadeira experiência de Deus e do transcendente. A primeira ocasião a que se pensa, também pela semelhança externa, são a grandes reuniões promovidas pelas várias Igrejas cristãs. Pensemos, por exemplo, nas Jornadas Mundiais da Juventude, e nos inúmeros eventos – congressos, convenções e convocações – dos quais tomam parte dezenas (às vezes centenas) de milhares de pessoas em todo o mundo. É incontável o número de pessoas pelas quais tais eventos foram ocasião de uma forte experiência de Deus e o início de uma relação nova e pessoal com Cristo.

O que faz a diferença entre este tipo de encontros de massa e aqueles acima descritos é que aqui, o protagonista não é uma personalidade humana, mas Deus. O senso do sagrado que se experimenta neles é o único verdadeiramente genuíno, e não uma substituição, pois é suscitado pelo Santo dos Santos e não por um “ídolo”.

Todavia, são eventos extraordinários, dos quais nem todos e nem sempre podem participar. A ocasião por excelência e mais comum, para uma experiência do sagrado na Igreja, é a liturgia. A liturgia católica se transformou, em pouco tempo, de ação com forte traço sacral e sacerdotal, a ação mais comunitária e participada, onde todo o povo de Deus tem a sua parte, cada um com o próprio ministério.

Gostaria de tentar dizer como eu vejo e explico a mim mesmo esta mudança. Não é absolutamente para me colocar como juiz do passado, mas para compreender melhor o presente. O presente, na Igreja, jamais é negação do passado, mas seu enriquecimento; ou ainda, como neste caso, superação do passado recente para recuperar o mais antigo e originário.

Na evolução da Igreja entendida como povo, acontece algo parecido ao que acontece à Igreja entendida como edifício. Pensemos em algumas célebres basílicas e catedrais: quantas transformações arquitetônicas no curso dos séculos para responder às necessidades e aos gostos de cada época! Mas é sempre a mesma Igreja, dedicada ao mesmo santo. Se há uma tendência geral em ato em época moderna, é aquela de reportar tais edifícios – quando isso é possível e vale a pena – à sua estrutura e estilo originários. A mesma tendência está em ato para a Igreja como povo de Deus e, particularmente, para a sua liturgia. O Concílio Vaticano II foi um seu momento decisivo, mas não o início absoluto. Ele colheu os frutos de muito trabalho precedente.

Certamente, não é o caso de adentrarmos aqui na história secular da Liturgia – outros o fizeram e, justamente do ponto de vista que nos interessa[4]. Gostaria apenas de evidenciar a evolução que se refere ao senso do sagrado. No início da Igreja e para os três primeiros séculos, a liturgia é realmente uma “liturgia”, isto é, ação do povo (laos, povo, está entre as componentes etimológicas de leitourgia). De São Justino, da Traditio Apostolica de Santo Hipólito e outras fontes do tempo, obtemos uma visão da Missa certamente mais próxima àquela reformada de hoje, do que aquela dos séculos que temos às costas. O que aconteceu depois de então? A resposta é, em uma palavra que não podemos evitar, mesmo se exposta a abuso: clericalizarão! Em nenhum outro âmbito ela agiu mais vistosamente do que na liturgia.

O culto cristão e, particularmente, o sacrifício eucarístico, transformou-se rapidamente, no Oriente e no Ocidente, de ação do povo em ação do clero. Por séculos e séculos, a parte central da Missa, o Cânon, era pronunciado em latim pelo sacerdote a voz baixa, atrás de uma cortina o um muro (um templo no templo!), fora da vista e da escuta do povo. O celebrante aumentava a voz apenas nas palavras finais do Cânon: “Per omnia saecula saeculorum”, e o povo respondia “Amém!” ao que não tinha ouvido e muito menos entendido. O único contato com a Eucaristia, anunciado pelo som dos sinos ou da campainha, era o momento da elevação da Hóstia. Há um evidente retorno ao que acontecia no culto do Antigo Testamento, quando o Sumo Sacerdote entrava no Sancta sanctorum, com incensos e sangue das vítimas, e o povo permanecia fora trêmulo, extenuado pelo senso da majestade e inacessibilidade de Deus.

O senso do sagrado é fortíssimo aqui, mas, após Cristo, é aquele o justo e genuíno? Esta é a pergunta crucial. Lemos na Carta aos Hebreus: De fato, não vos aproximastes... de um fogo palpável e ardente, de escuridão, treva e tempestade, da trombeta retumbante e do clamor das palavras... O espetáculo era tão medonho, que Moisés disse: “Estou apavorado e tremendo” (Ex 19,16-18; Dt 9,19). Vós, ao contrário, vos aproximastes... de Jesus, o mediador da nova aliança e da aspersão com um sangue mais eloquente que o de Abel (Hb 12,18-24). Cristo penetrou além do véu e não fechou o limite atrás de si (Hb 10,20).

O sagrado mudou o modo de se manifestar: não mais como mistério de majestade e poder, mas como infinita capacidade ficar à parte, de se esconder. Após a consagração, o celebrante diz ou canta: “Eis o mistério da fé!”. Alguns de nós, mais idosos, recordarão que outrora esta exclamação era inserida até mesmo no meio da fórmula de consagração do vinho: “Hic est enim calix sanguinis mei, novi et aeterni testamenti – Mysterium fidei! – qui pro vobis et pro multis effundetur in remissionem peccatorum”. Como se a Igreja se detivesse, à metade da narrativa, estupefata com o que estava dizendo!

A reforma fez bem, naturalmente, em deslocar tal exclamação para o final da consagração, mas não deveríamos perder o senso de estupor encerrado naquela exclamação e, sobretudo, entender qual deve ser o verdadeiro motivo vero do nosso estupor. Ele deve ser do mesmo gênero daquele que se lê nos versos do Servo de Javé:

Assim também espantará a muitas nações.
por causa dele, reis levarão a mão à boca,
pois estarão vendo coisas que ninguém jamais lhes tinha contado
e contemplarão o que não tinham ouvido.

(Is 52,15-53,1)

Estupor e maravilha, sim, mas diante do quê? Não à majestade, mas à humilhação do Servo! Alguém que tinha muito afinado este sentimento era Francisco de Assis: “Pasme o homem inteiro – escrevia em sua carta a toda a Ordem –, estremeça todo o mundo e exulte o céu quando, sobre o altar, na mão do sacerdote, está Cristo, Filho do Deus vivo”. Mas “pasmar e estremecer” pelo quê? Escutemos o que segue: “Ó admirável alteza e estupenda condescendência! Ó humildade sublime! Ó sublimidade humilde, pois o Senhor do Universo, Deus e Filho de Deus, de tal maneira se humilha que, por nossa salvação, se esconde sob uma pequena forma de pão! Vede, irmãos, a humildade de Deus!”[5].

Trata-se apenas de não arruinar esta possibilidade oferecida pela liturgia renovada com improvisações arbitrárias e bizarras, e manter a necessária sobriedade e compostura também quando a Missa é celebrada em situações e ambientes particulares.

Em todas as orações eucarísticas passadas e presentes, o convite que segue imediatamente a consagração é sempre aquele a recordar: “Unde et memores”, “celebrando, pois, a memória”. É a resposta ao mandamento de Jesus: “Fazei isto em memória de mim!”. Mas, dele, o que devemos sobretudo recordar? “Todas as vezes que comerdes desse pão e beberdes desse cálice, proclamais a morte do Senhor” (1Cor 11,26).

Tentemos ir uma vez além das palavras, ou melhor, dar às palavras um conteúdo existencial e não apenas ritual. Voltemos ao momento em que Jesus as pronunciou; busquemos – pelo que as narrativas evangélicas nos permitam saber – captar em que condições interiores aquela palavra “Fazei isto em memória de mim!”, saiu da boca do Redentor. Ele vê com clareza ao encontro do que está indo. Várias vezes falou disso, mas como ao longe. Agora, o momento chegou; não há nem mesmo o intervalo de tempo para atenuar a angústia. As palavras: “Este é o cálice do meu sangue” não deixam dúvidas. É alguém que está indo ao encontro da morte, e uma morte horrível. “Qui pridie quam pateretur”: na véspera de sua paixão...

E o que acontece ao seu redor? Os apóstolos encontram o modo de discutir ainda uma vez sobre quem é o maior (Lc 22,24-27), como irmãos que brigam por dividir entre si a herança ao redor do leito de morte do próprio pai. Um deles, em poucas horas, irá vendê-lo por 30 moedas de prata: “In qua nocte tradebatur”: na noite em que ia ser entregue. Nestas condições institui o sacramento com o qual se compromete em permanecer com os seus até o fim do mundo. Onde achar um mistério mais “tremendo e fascinante” do que este? O dia que o Senhor nos concedesse, apenas por um momento, lançar um olhar até o fim deste abismo de amor e de dor, creio que não poderíamos mais viver como antes. Isso explica porque São Pio de Pietrelcina parecia lutar na Missa e não conseguir levar a termo a consagração.

Mas agora devemos completar a nossa releitura da Missa. Ela não é somente o Cânon com a consagração; há também a Liturgia da Palavra e a Comunhão. Temos à disposição alguns meios que não havia no passado, para valorizar a Liturgia da Palavra e fazer também dela ocasião para uma experiência do sagrado. Graças ao caminho que a Igreja tem feito nesse meio-tempo em muitos campos, nós temos um acesso novo, mais direto, à Palavra de Deus. Ela pode ressoar com uma riqueza e inteligência maiores do que no passado.

A atual liturgia é riquíssima de Palavra de Deus, disposta sabiamente, segundo a ordem da história da salvação, em um quadro de ritos frequentemente em relacionados com a linearidade e simplicidade das origens. Devemos valorizar estes meios. Nada pode romper o coração do homem e lhe fazer sentir a transcendente realidade de Deus, melhor do que uma viva palavra de Deus, proclamada com fé e aderência à vida, durante a liturgia. A fé – afirma São Paulo – pelo ouvir; e o ouvir, pela palavra de Cristo: Fides ex auditu (Rm 10,17).

Tantas palavras de Jesus, possivelmente escutadas pouco antes no Evangelho do dia, no momento da consagração, voltam a ressoar no coração, como se pronunciadas de novo pelo seu autor vivo e realmente presente sobre o altar. Recordarei sempre o dia que, após ter comentado no Evangelho a palavra de Jesus: “Aqui está quem é mais do que Jonas; aqui está quem é mais do que Salomão” (cf. Mt 12,41-42), ao me levantar da genuflexão após a consagração, veio-me exclamar, dentro de mim, envolvido e cheio de estupor: “Aqui está quem é mais do que Salomão!”.

Também a leitura do Antigo Testamento, a partir da relação com o trecho evangélico, desencadeia significados novos e iluminadores. Na passagem da figura à realidade, a mente – dizia Santo Agostinho – se acende como “uma tocha em movimento”[6]. Como aos dois discípulos de Emaús, Jesus continua a nos explicar “o que em todas as Escrituras se referia a ele” (cf. Lc 24,27).

E depois, eu dizia, a Comunhão. Como a liturgia pode fazer, também deste momento, a ocasião para uma experiência do sagrado, não apenas em nível individual, mas também comunitário? Eu diria, com o silêncio. Existem duas espécies de silêncio: um silêncio que podemos chamar ascético e um silêncio místico. Um silêncio com o qual a criatura busca se elevar até Deus e um silêncio provocado por Deus que se aproxima da criatura. O silêncio que segue a Comunhão é um silêncio místico, como aquele que se observa nas teofanias do Antigo Testamento. Após a comunhão, deveríamos repetir a nós mesmos a palavra do profeta Sofonias (1,7): “Silêncio, diante do Senhor Deus!”. Jamais deveria faltar algum momento, ainda que breve, de absoluto silêncio após a Comunhão.

A tradição católica sentiu a necessidade de prolongar e dar mais espaço a este momento de contato pessoal com o Cristo eucarístico e desenvolveu, nos séculos, sobretudo partir do séc. XIII, o culto da Eucaristia fora da Missa. Não é um culto à parte, separado e independente do sacramento; é um continuar a “fazer memória” de Cristo: dos seus mistérios e das suas palavras, um modo de “receber” Jesus sempre em maior profundidade em nossa vida. Um modo de interiorizar o mistério recebido. A adoração eucarística é o sinal mais claro de que a humildade e o esconderijo de Cristo na Eucaristia não nos fazem esquecer que estamos na presença do "Santíssimo", daquele que, com o Pai e o Espírito Santo, criou o céu e a terra .

Onde é praticado – por paróquia, indivíduos e comunidades –, os seus frutos são visíveis, também como momento de evangelização. Uma igreja cheia de fiéis em perfeito silêncio, durante uma hora de adoração diante do Santíssimo exposto, diria a quem entrasse, por acaso, naquele momento: “Aqui está Deus!”. Recordo o comentário de um não católico, ao término de uma hora de adoração eucarística silenciosa, em uma grande igreja paroquial dos Estados Unidos, lotada de fiéis: “Agora entendo – disse ele a um amigo – o que vocês, católicos, querem dizer quando falam de “presença real”!

Se há um motivo pelo qual eu lamento o latim, é que, com o seu desaparecimento, está desaparecendo o uso de alguns cantos nascidos para estes momentos e que têm servido a gerações de fiéis de todas as línguas para expressar a sua fervorosa devoção ao Jesus da Eucaristia: o Adoro te devote, o Ave verum, o Panis angelicus. Sobrevivem quase que apenas pela música que célebres artistas escreveram para eles.

Nós, “ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4,1), e, de modos diversos, todo fiel empenhado com o culto da Igreja, poderíamos nos sentir pressionados e impotentes diante de uma tarefa tão sublime. Teríamos toda razão para isso. Como ajudar os homens de hoje a fazer, na liturgia, uma experiência do sagrado e do sobrenatural, nós que experimentamos em nós mesmos todo o peso da carne e a sua refratariedade ao espírito? Também aqui, a resposta é sempre a mesma: “Tereis a força do Espírito Santo!”. Ele, que é definido “a alma da Igreja”, é também a alma da sua liturgia, a luz e a força dos ritos.

É um dom que a reforma litúrgica do Vaticano II tenha posto no coração da Missa a epiclese, isto é, a invocação do Espírito Santo: primeiro sobre o pão e o vinho e depois sobre todo o corpo místico da Igreja. Tenho um grande respeito pela veneranda oração eucarística do Cânon Romano e amo utilizá-la ainda, algumas vezes, sendo aquela com que fui ordenado sacerdote. Não posso, contudo, não notar, com pesar, a total ausência do Espírito Santo nela. No lugar da atual epiclese consecratória sobre o pão e o vinho, encontramos, aí, a fórmula genérica: “Dignai-vos, ó Pai, aceitar e santificar estas oferendas...”.

Isso também foi uma triste consequência da polêmica entre Oriente e Ocidente. No passado, levou a nós latinos a colocar o papel do Espírito Santo entre parênteses para atribuir toda a eficácia às palavras de instituição, e levou os gregos a colocar as palavras de instituição entre parênteses para atribuir toda a eficácia à ação do Espírito Santo. Como se o mistério fosse realizado por uma espécie de reação química cujo momento exato pode ser determinado.

Há entretanto uma pérola que o Cânon Romano transmitiu de geração em geração, e que a reforma litúrgica conservou justamente e inseriu em todas as novas orações eucarísticas: justamente a doxologia final: “Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda a glória, agora e para sempre”: Per ipsum, cum ipso et in ipso est tibi, Deo Patri omnipotenti, in unitate Spiritus Sancti, omnis honor et gloria per omnia saecula saeculorum. Esta fórmula expressa uma verdade fundamental que São Basílio formulou no primeiro tratado escrito sobre o Espírito Santo. No plano do ser, ou da saída das criaturas de Deus, escreve que tudo parte do Pai, passa pelo Filho e chega a nós no Espírito; na ordem do conhecimento, ou do retorno das criaturas a Deus, tudo começa com o Espírito Santo, passa pelo Filho Jesus Cristo e retorna ao Pai[7]. Sendo a liturgia o momento por excelência do retorno das criaturas a Deus, tudo nela deve partir e tomar ímpeto do Espírito Santo.

O missal antigo continha toda uma série de orações que o sacerdote devia recitar em preparação à Missa. Hoje, não poderíamos nos preparar melhor à celebração com uma breve, mas intensa oração ao Espírito Santo, para que renove em nós a unção sacerdotal e ponha em nosso coração o mesmo impulso que pôs no coração de Cristo, para nos oferecermos ao Pai em sacrifício de suave odor? A Carta aos Hebreus diz que, “em virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,14). Oremos para que o que aconteceu na Cabeça aconteça também em nós, membros de seu corpo.

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Tradução de Fr. Ricardo Farias, ofmcap

[1] Cf. Rudolph Otto, Il Sacro (Das Heilige, 1917).

[2] Cf. Santo Agostinho, Confissões, VII, 10.

[3] Ib. XI, 9.

[4] Cf. Mario Righetti, Storia Liturgica, vol. III (La Messa), Milano 1966.

[5] Francisco de Assis, Carta a toda a Ordem, 26-28.

[6] Cf. Agostinho, Ep. 55, 11, 21.

[7] Cf. Basílio de Cesareia, Tratatdo sobre o Espírito Santo XVIII, 47 (PG 32, 153).

O significado da esmola

A esmola | comshalom

O SIGNIFICADO DA ESMOLA

Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG) 

Antes lhe abrirás de todo a tua mão, e livremente lhe emprestarás o que lhe falta, quanto baste para a sua necessidade. (Dt, 15-8) 

A Quaresma é um período litúrgico muito importante para nós católicos, que começa na Quarta-Feira de Cinzas e se estende até o Domingo de Ramos, que marca o início da Semana Santa. Durante esse tempo, os fiéis são convidados a fazer um caminho de conversão, a fim de se prepararem para a celebração da Páscoa, que é a festa da ressurreição de Jesus Cristo. Uma das práticas mais tradicionais da Quaresma é a esmola, que consiste em dar aos mais necessitados parte dos bens materiais que possuímos. 

A esmola é uma prática presente em todas as grandes religiões e, no cristianismo, tem uma importância especial, já que Jesus Cristo ensinou que devemos amar o próximo como a nós mesmos e que devemos ajudar os mais necessitados. Na Quaresma, a esmola ganha um sentido ainda mais profundo, pois é um gesto concreto de solidariedade que nos ajuda a viver a caridade e a partilha, valores que são essenciais para o caminho de conversão que estamos percorrendo. 

Para praticar a esmola na Quaresma, podemos fazer uma reflexão sobre as nossas posses e identificar aquilo que podemos compartilhar com os mais necessitados. Pode ser dinheiro, alimentos, roupas, objetos pessoais, tempo e talento, entre outras coisas. O importante é que essa doação seja feita de forma voluntária, generosa e desinteressada, sem esperar nada em troca. 

Existem várias formas de fazer a esmola na Quaresma. Uma delas é contribuir com projetos sociais que atendam pessoas em situação de vulnerabilidade, como asilos, creches, abrigos, hospitais e entidades que cuidam de pessoas em situação de rua. Outra opção é ajudar as pessoas que estão próximas de nós e que precisam de auxílio, seja um parente, um vizinho ou um amigo que esteja passando por dificuldades. 

Além disso, a esmola pode ser praticada através de gestos simples, como dar comida ou dinheiro a um pedinte na rua, ajudar um idoso a atravessar a rua, oferecer uma carona a alguém que precisa, ou mesmo dedicar um tempo para ouvir e aconselhar alguém que esteja passando por problemas. 

A prática da esmola na Quaresma não deve ser vista como um mero gesto de caridade, mas sim como uma oportunidade de vivenciar a solidariedade e a partilha, valores que são fundamentais para a vida cristã. Ao praticar a esmola, estamos seguindo o exemplo de Jesus Cristo, que se fez pobre para nos enriquecer com sua graça e nos ensinou que o amor ao próximo é o caminho para a verdadeira felicidade. 

Saudações em Cristo!

Delegações da Amazônia participam da Conferência da ONU sobre a Água

REPAM na Conferência da ONU sobre a Água (Vatican News)

REPAM, CEAMA, PUAM, Rede AUSJAL, ACQUAS e Universidade da Água estão unindo forças para tornar visíveis e apresentar as propostas das pessoas e comunidades vulneráveis da Amazônia em relação ao acesso à água limpa para toda a humanidade.

Vatican News

Conferência das Nações Unidas sobre Água 2023 se realiza entre os dias 22 a 24 de março em Nova Iorque para acelerar a mudança necessária para resolver a crise da água e do saneamento no mundo. Segundo o site oficial da ONU, "a Conferência será uma oportunidade única para buscar soluções para a atual crise da água e do saneamento".

Nesta ocasião, "os governos e todas as partes interessadas se unirão neste evento para assumir compromissos voluntários para acelerar o progresso no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 (água limpa e saneamento) e outras metas internacionalmente acordadas relacionadas à água". A iniciativa visa que estes compromissos formem a chamada “Agenda de Ação da Água, um plano rápido e transformador no qual sua ação individual também possa ser refletida".

A Amazônia em defesa da água

Há alguns anos, o Vaticano vem realizando um intenso trabalho de reflexão e mobilização internacional sobre o acesso à água, com a presença de lideranças dos territórios mais ameaçados dos cinco continentes, incluindo a Amazônia.

Unidos nesta causa, a delegação amazônica participará da Conferência da ONU sobre a Água com representantes da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), da Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA) e do Programa Universitário da Amazônia (PUAM), em aliança com a Rede AUSJAL (uma rede de 30 universidades confiadas à Companhia de Jesus na América Latina), o Instituto da Água e Saneamento (mais conhecido como Universidade da Água, na Argentina) e ACQUAS (Programa Internacional da Água do Instituto para o Diálogo Global e a Cultura do Encontro).

Um dos objetivos é tornar visíveis as propostas de pessoas e comunidades da Amazônia que são vulneráveis com relação ao acesso à água limpa apresentadas às Nações Unidas em 2021 e que fazem parte do Relatório do Relator das Nações Unidas para Água Limpa sobre Povos Indígenas e Água. Algumas dessas propostas estão incluídas no 2º Relatório sobre Violações de Direitos Humanos da REPAM, apresentado às Nações Unidas em novembro de 2022, em Genebra.

A Amazônia na Conferência da Água

No âmbito do Dia Internacional da Água, cujo tema para este ano é "Água para todos: não deixar ninguém para trás", a Amazônia participará de vários espaços na Conferência:

No dia 23 de março às 12h30 (horário de Nova Iorque), será realizado um evento paralelo sobre o tema "Água e esperança: experiências e desafios para a promoção do desenvolvimento sustentável e o cuidado da casa comum", organizado pela FUTRASAFODE em parceria com várias instituições, incluindo CEAMA e PUAM. Entre os participantes estará o Cardeal Pedro Barreto, Presidente do CEAMA. Uma mensagem especial do Papa Francisco será compartilhada durante o evento.

Também no dia 23 de março às 14h00, a indígena Rosita Silvano Cuscchinchinari, defensora e líder do povo Yine e estudante da 3ª Escola de Direitos Humanos da REPAM 2022, apresentará o caso da bacia do rio Las Piedras, em Madre de Dios, Peru. Ela participa do Side Event oficial da Conferência, organizado pelo Mining Workin Group - MWG, com o tema: "Impactos das indústrias extrativas sobre a água e o meio ambiente: proteção e responsabilidade através de uma estrutura de direitos humanos".

Na manhã do dia 24 de março, às 8h30, a REPAM também participará da Conferência com a presença de Carol Jeri, jurista da Caritas Madre de Dios, que acompanha o caso da Bacia do Rio das Piedras (Peru). Carol foi aluna da 2ª Escola de Direitos Humanos da REPAM e co-facilitadora do Módulo de Incidência da 3ª Escola, realizado em julho passado em Manaus. Este evento paralelo é coordenado por Pax Christi International, Catholic Nonviolence Initiative e Proclade Internazionale Onlus: "Água e desenvolvimento integral das comunidades: desafios e propostas".

Incidência Internacional

No âmbito da Conferência da ONU sobre Água. 2023, as delegações da REPAM, CEAMA e PUAM participarão de outros espaços internacionais relevantes de incidência política, tais como reuniões com relatores especiais da ONU para os direitos dos povos indígenas e para água limpa e saneamento; reunião com a Santa Sé nas Nações Unidas; reuniões com comunidades cristãs; reunião com a OEA (Organização dos Estados Americanos), área dos povos indígenas; jornada de trabalho com o Mining Working Group, que reúne congregações católicas membros do ECOSOC da ONU, com o qual a REPAM tem trabalhado em aliança desde 2014.

Fonte: Comunicações REPAM

quinta-feira, 23 de março de 2023

A quaresma e o número 40: um simbolismo ligado a períodos de mudança

Ivan Kramskoi | PD
Jesus passa 40 dias no deserto

A Quaresma é associada aos 40 dias de Jesus no deserto, mas o número aparece em vários outros episódios-chave das Sagradas Escrituras.

A Quaresma é um tempo litúrgico abertamente ligado ao número 40. De fato, a própria palavra “quaresma” vem do latim “quadragesima dies“: significa “o quadragésimo dia” e faz referência ao período de 40 dias entre a Quarta-Feira de Cinzas e o Domingo de Ramos, que abre a Semana Santa.

O Papa Bento XVI falou do significado litúrgico dos “quarenta dias da Quaresma” durante a audiência geral de 22 de fevereiro de 2012, quando assim o resumiu:

“Trata-se de um número que exprime o tempo da expectativa, da purificação, do regresso ao Senhor e da consciência de que Deus é fiel às Suas promessas”.

A quaresma e o número 40

As Sagradas Escrituras trazem uma abundante relação entre o número 40 e períodos importantes de preparação, expectativa e mudança. Recorde alguns exemplos:

  • Deus fez chover 40 dias e 40 noites nos tempos de Noé (Gênesis 7,4);
  • Moisés passou 40 dias de jejum no Monte Sinai, a sós com Deus (Êxodo 24,18);
  • O povo de Israel passou 40 anos em êxodo pelo deserto rumo à Terra Prometida (Números 14,33);
  • Elias passou 40 dias e 40 noites caminhando até o Monte Horeb (1 Reis 19,8);
  • Israel viveu 40 anos de paz sob os juízes (Juízes 3,11);
  • Duraram 40 anos os reinados de Saul (Atos 13,21), Davi (II Samuel 5,4-5) e Salomão (I Reis 11,42), os três primeiros reis de Israel;
  • Jonas profetizou 40 dias de julgamento para que Nínive se arrependesse (Jonas 3,4);
  • Jesus foi levado por Maria e José ao templo 40 dias após Seu nascimento (Lucas 2,22);
  • Jesus jejuou durante 40 dias no deserto, onde foi tentado pelo demônio (Mateus 4,1–2; Marcos 1,12–13; Lucas 4,1–2);
  • Durante 40 dias, Jesus ressuscitado instruiu os discípulos antes de subir ao Céu e enviar o Espírito Santo (Atos 1,1-3).
Também há quem considere que Jesus tenha estado fisicamente morto durante cerca de 40 horas: das 3 da tarde da Sexta-Feira Santa até aproximadamente as 7 da manhã do Domingo de Ressurreição, embora a Bíblia não mencione a hora em que Ele ressuscitou.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

O Jesus Cristo Histórico

Jesus Cristo | Cléofas

O Jesus Cristo Histórico

 POR PROF. FELIPE AQUINO

No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judeia, Herodes tetrarca da Galileia, seu irmão Filipe tetrarca da região da Ituréia e Traconites, e Lisânias tetrarca de Abilene…” (Lc 3,1)

Algumas pessoas afirmam que Jesus Cristo nunca existiu. Alegam que a vida de Jesus e os evangelhos são mitos criados pela Igreja. Essa lamentável afirmação se baseia, principalmente, na crença de que não existem registros históricos de Jesus.

Tal carência de registros seculares (isto é, não ligados à esfera religiosa) não deve surpreender os cristãos de hoje. Primeiro, porque apenas uma pequena fração dos registros escritos sobreviveram ao tempo (nada, nada, são 20 séculos!). Segundo, porque existiam poucos – se é que de fato realmente existiam – “jornalistas” na Palestina do tempo de Jesus. Terceiro, porque os romanos viam o povo judeu como apenas mais um dos grupos étnicas que precisavam tolerar; os romanos tinham pouquíssima consideração para com o povo judeu. Finalmente, porque os líderes judeus também ansiavam esquecer Jesus. Assim, os escritores seculares somente começaram a se referir sobre o Cristianismo quando este movimento religioso tornou-se popular e começou a incomodar o estilo de vida que tinham.

Ainda que os testemunhos seculares sobre Jesus sejam raros, existem alguns poucos que sobreviveram ao tempo e faz referências a Ele. Não é de se surpreender que os registros não cristãos mais antigos tenham sido feitos por judeus. Flávio Josefo, que viveu até 98 dC, era um historiador judeu romanizado. Ele escreveu livros sobre a História dos Judeus para o povo romano. Em seu livro, “Antiguidades Judaicas”, ele faz algumas referências a Jesus. Em uma delas, ele escreve:

“Por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio, que praticou boas obras e cujas virtudes eram reconhecidas. Muitos judeus e pessoas de outras nações tornaram-se seus discípulos. Pilatos o condenou a ser crucificado e morto. Porém, aqueles que se tornaram seus discípulos pregaram sua doutrina. Eles afirmam que Jesus apareceu a eles três dias após a sua crucificação e que está vivo. Talvez ele fosse o Messias previsto pelos maravilhosos prognósticos dos profetas” (Josefo, “Antiguidades Judaicas” XVIII, 3,2).

Muito embora diversas formas deste texto em particular tenham sobrevivido nestes vinte séculos, todas elas concordam com a versão citada acima. Tal versão é considerada a mais próxima do original – reduzindo as suspeitas de adulteração do texto por mãos cristãs. Em outros lugares de sua obra, Josefo também registra a execução de São João Batista (XVIII,5,2) e o martírio de São Tiago o Justo (XX,9,1), referindo-se a este como “o irmão de Jesus que era chamado Cristo”. Deve-se notar que o emprego do verbo “ser” no passado, na expressão “Jesus que ERA chamado Cristo” testemunha contra uma possível adulteração cristã já que um cristão certamente escreveria “Jesus que É chamado Cristo”.

Uma outra fonte judaica, o Talmude, faz algumas referência históricas a Jesus. De acordo com o Dicionário da American Heritage, o Talmude é “a coleção de antigos escritos rabínicos que consiste da Mishná e da Gemara, e que constitui a base da autoridade religiosa para o Judaísmo tradicional”. Ainda que não faça referência explícita ao nome de Jesus, os rabinos identificam a pessoa em questão com Jesus. Essas referências a Jesus não são simpáticas nem a Ele nem à sua Igreja. Esses escritos também foram preservados através dos séculos pelos judeus, de maneira que os cristão não podem ser acusados de terem adulterado o texto.

O Talmude registra os milagres de Jesus; não é feita nenhuma tentativa de negá-los, mas relaciona-os como frutos de artes mágicas do Egito. Também sua crucificação é datada como tendo “ocorrido na véspera da Festa da Páscoa”, em concordância com os evangelhos (Luc 22,1ss; Jo 19,31ss). Também de forma semelhante ao evangelho (Mat 27,51), o Talmude registra a ocorrência do terremoto e o véu do templo que se dividiu em dois durante a morte de Jesus. Josefo, em sua obra “A Guerra Judaica” também confirma esses eventos.

No início do séc. II, os romanos começaram a escrever sobre os cristãos e Jesus. Plínio o Moço, procônsul na Ásia Menor, em 111 dC escreveu em uma carta dirigida ao imperador Trajano:

“…[os cristãos] têm como hábito reunir-se em uma dia fixo, antes do nascer do sol, e dirigir palavras a Cristo como se este fosse um deus; eles mesmos fazem um juramento, de não cometer qualquer crime, nem cometer roubo ou saque, ou adultério, nem quebrar sua palavra, e nem negar um depósito quando exigido. Após fazerem isto, despedem-se e se encontram novamente para a refeição…” (Plínio, Epístola 97).

Uma atenção especial deve ser dada à frase “a Cristo como se este fosse um deus”; trata-se de um testemunho secular primitivo atestando a crença na divindade de Cristo (Jo 20,28; Fil 2,6). Também é interessante comparar esta passagem com At 20,7-11, que é uma narração bíblica sobre a primitiva celebração cristã do domingo.

Um outro historiador romano, Tácito, respeitado pelos modernos pesquisadores por causa de sua precisão histórica, escreveu em 115 dC sobre Cristo e sua Igreja:

“O fundador da seita foi Crestus, executado no tempo de Tibério pelo procurador Pôncio Pilatos. Essa superstição perniciosa, controlada por certo tempo, brotou novamente, não apenas em toda a Judeia… mas também em toda a cidade de Roma…” (Tácito, “Anais” XV,44).

Mesmo desprezando a fé cristã, Tácito tratou a execução de Cristo como fato histórico, fazendo relação com eventos e líderes romanos (cf. Luc 3,1ss).

Outros testemunhos seculares ao Jesus histórico incluem Suetônio em sua “Biografia de Cláudio”, Phlegan (que registrou o eclipse do sol durante a morte de Jesus) e até mesmo Celso, um filósofo pagão. Precisamos manter em mente que a maioria dessas fontes não eram apenas seculares mas também anticristãs. Esses autores seculares, inclusive os escritores judeus, não desejavam ou intencionavam promover o Cristianismo. Eles não tinham motivação alguma para distorcer seus registros em favor do Cristianismo. Plínio realmente punia os cristãos pela sua fé. Se Jesus fosse um simples mito ou sua execução uma mentira, Tácito teria relatado tal fato; certamente, ele não teria ligado a execução de Jesus com líderes romanos. Esses escritos, portanto, apresentam Jesus como um personagem real e histórico. Negar a confiabilidade dessas fontes que citam Jesus seria negar todo o resto da história antiga.

Não é intenção deste artigo provar que esses antigos escritos seculares testemunham que Jesus seja o Filho de Deus ou o Cristo. Porém, esses registros mostram que um homem virtuoso chamado Jesus viveu nesta Terra no início do séc. I dC e fundou um movimento religioso que perdura até os nossos dias. Esse Homem foi chamado de Cristo – o Messias. Os cristãos do primeiro século também O consideravam como Deus. Por fim, esses escritos suportam outros fatos encontrados na Bíblia a respeito da vida de Jesus. Logo, afirmar que Jesus nunca existiu e que sua vida é um mero mito compromete a confiabilidade de toda a história antiga.

Fonte: A Catholic Response Inc.

Você sabia que a Quaresma é dividida em duas partes?

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Por Philip Kosloski

Cada parte tem seu próprio foco e nos ajuda a entrar mais profundamente na Paixão de Jesus Cristo.

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A Quaresma é um tempo litúrgico da Igreja Católica que tem múltiplas dimensões – e elas nem sempre são imediatamente perceptíveis. Exemplo: a Igreja, tradicionalmente, divide o tempo da Quaresma em duas partes, a fim de nos ajudar a focar em duas realidades espirituais diferentes.

Essas duas partes têm temas específicos e até “apelidos” próprios no calendário litúrgico. O primeiro período começa na Quarta-feira de Cinzas. É chamado de “início dos dias de jejum”. Essa parte termina no sábado, véspera do quinto domingo da Quaresma.

Já a segunda parte da Quaresma consiste na “Grande Quinzena” e considera os sofrimentos interiores de Cristo mais do que os sentimentos dos penitentes.

Resumindo as duas partes da Quaresma

Em outras palavras, a primeira metade da Quaresma é focada em “nós”, na nossa pecaminosidade e na necessidade de arrependimento. Essa parte nos ajuda a focar na renovação interior, preparando nossos corações para receber a luz de Cristo em nossas vidas.

Por outro lado, a segunda metade da Quaresma dirige o nosso olhar especialmente para Cristo sofredor. Começamos a entrar em sua Paixão e nos acontecimentos que levaram à sua morte. Essa parte da Quaresma ajuda-nos a compreender as consequências dos nossos pecados e o grande amor que Jesus tem por nós. Apresenta uma oportunidade para meditar mais especificamente sobre a Paixão de Cristo, tal como é retratada nas Estações da Via Sacra.

Enfim, a Igreja, na sua sabedoria, compreende a necessidade de nos dar temas espirituais específicos para meditar durante a Quaresma, preparando gradualmente os nossos corações para a grande festa da Páscoa. Devemos, portanto, preparar nossos corações para um presente tão maravilhoso e essas duas partes da Quaresma nos ajudam a fazer exatamente isso.


Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF