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domingo, 16 de junho de 2024

A devoção da Igreja Ambrosiana

Santo Ambrósio (Canção Nova)

Arquivo 30Dias 06/07 - 2010

História do Prego Sagrado

A devoção da Igreja Ambrosiana

por Lorenzo Bianchi

O documento histórico mais antigo que se refere com absoluta certeza à relíquia do Santo Prego hoje conservada na Catedral de Milão data de 18 de janeiro de 1389. Nesse ano, o Registro do Tribunal Provisório, órgão administrativo máximo da cidade, anotou um pedido feito pelo tenente do vigário provisório Paolo de Arzonibus a Giangaleazzo Visconti para promulgar as festividades da Madonna della Neve e de San Gallo, estabelece que nestas festividades o Município fará generosas ofertas, destinadas sobretudo à igreja de Santa Tecla, por ser a Catedral subterrânea, e porque um dos pregos com que o Salvador foi crucificado ali está colocado ab antiquo . Por quanto tempo, o Register não diz. Mas se recuarmos quase mil anos, até 25 de Fevereiro de 395, é novamente em Milão que encontramos o primeiro testemunho sobre a descoberta dos pregos da Cruz do Senhor. É Santo Ambrósio quem fala disso longamente, detalhadamente, diante da corte e dos soldados reunidos para o funeral do imperador Teodósio em Milão que, durante cerca de trinta anos, se tornou a capital ocidental do Império. Segundo a história de Ambrósio ( De obitu Theodosii 41-48), Helena, mãe de Constantino, nos últimos anos do império de seu filho, entre 333 e 337, também havia encontrado os pregos da crucificação junto com a Verdadeira Cruz. Com um deles, ainda segundo a história de Ambrósio, mandou forjar o freio do cavalo do imperador, para dar um presente ao filho e garantir sua proteção inter proelia , enquanto inseriu outro no diadema imperial. Na opinião de Marta Sordi (ver M. Sordi, A tradição da inventio Crucis em Ambrogio e em Rufino , em Rivista di Storia della Chiesa in Italia , 46, 1990, pp. 1-8), a insistência de Ambrósio nos pregos não é acidental, estando ligado a uma ocasião muito específica e ao local onde foram pronunciadas as suas palavras: «O seu é um discurso oficial», escreve o estudioso, «proferido perante a corte de Milão e os soldados, e ele está a falar de uma coroa real , aquele que Teodósio usara e do qual pode dar uma descrição precisa, um diadema adornado de pedras preciosas, com um círculo de ferro mais precioso que qualquer pedra preciosa, porque provém da cruz da redenção divina: uma coroa-diadema, ancestral de a famosa coroa de "ferro", que na verdade é uma coroa de ouro, composta por seis peças unidas por dobradiças e decoradas com pedras preciosas, tendo no seu interior um círculo de ferro, tradicionalmente considerado um dos pregos da cruz." Portanto, Ambrose está descrevendo objetos reais, que ele vê e conhece.

É plausível que a presença dos pregos da Cruz em Milão remonte à segunda metade do século IV e ao desejo de Valentiniano I de "consagrar" a nova capital que escolheu em 364 para o Ocidente como um Cidade cristã, como já havia acontecido com Constantinopla. «A tradição Constantinopolitana», escreve novamente Sordi, «colocou entre os ritos de fundação da cidade por Constantino a inserção de fragmentos da cruz na estátua colocada na coluna de pórfiro do fórum da cidade, de modo a garantir a sua proteção, como narra o historiador Sócrates do século IV." Valentiniano pode ter feito o mesmo, mandando trazer os pregos da Cruz para Milão, para reafirmar o caráter cristão renovado e definitivo do Império, ainda mais depois do breve reinado de Juliano, o Apóstata (361-363).

Se o outro prego, usado, segundo a história de Ambrósio, para forjar o freio do cavalo de Constantino, deve ser identificado com o Prego Sagrado hoje guardado em Milão, não é possível dizer com certeza, precisamente porque não existem fontes que datam do final do século IV ao final do século XIV. Mas a partir de então a veneração da preciosa relíquia não conheceu interrupção.

Foi em 1461 que o Prego Santo foi solenemente transferido de Santa Tecla, destinado à demolição, para a Sé Catedral, e colocado no alto, a poucos metros do topo da abside, segundo a tradição ambrosiana de colocar o crucifixo no frontão do arco triunfal da igreja.

Durante a peste de 1576, São Carlos Borromeu transportou pessoalmente o Prego Sagrado em procissão desde a Catedral até São Celso, deixando-o exposto no altar para a celebração do Quarantore, com o objetivo de implorar o fim do flagelo que atingiu Milão. San Carlo mandou construir uma cruz de madeira especialmente para transportar o Santo Prego em procissão, cruz que hoje se encontra na igreja paroquial dos Santos Gervásio e Protásio em Trezzo d'Adda.

San Carlo atribuiu a atenuação da epidemia ao Prego Santo, que ocorreu imediatamente após a procissão. Desde então estabeleceu que a cerimónia solene se repetisse todos os anos no dia 3 de maio, festa da Invenção da Santa Cruz.

Nem mesmo a Revolução Francesa impediu a prática, que ainda hoje envolve a evocativa subida da máquina chamada Nivola , que, puxada por cordas, permite chegar ao Santo Chiodo a quarenta metros acima do nível do mar. O rito de tomada e exibição do Prego Santo foi suspenso apenas entre 1969 e 1982, na sequência do surgimento de instabilidade na situação estática dos pilares da lanterna e das consequentes obras de restauro.

Depois de terem sido tomadas medidas para recuperar o Prego Santo com meios improvisados ​​em 1982, no ano seguinte recomeçou a sua exposição na Sé Catedral por ocasião da festa da Exaltação da Santa Cruz que se celebra a 14 de Setembro (tendo entretanto sido abolida a celebração de 3 de maio).

 O Cardeal Martini, por ocasião do Ano Santo da Redenção, quis que o Prego Santo e a cruz construída por São Carlos fossem novamente reunidos para serem transportados em procissão. Procissão que o próprio cardeal conduziu pelas ruas de Milão na Sexta-feira Santa de 1984, segurando pessoalmente a cruz com o Prego Santo. Desde 1986, concluídas as obras de restauro, o Santo Chiodo foi novamente colocado na sua posição original.

 Fonte: https://www.30giorni.it/

Reflexão para o XI Domingo do Tempo Comum (B)

Evangelho do domingo (BAV, Vat.lat39, f 67v) | Vatican News

O Evangelho de Marcos nos recorda a verdade de que a semente cresce sozinha, no silêncio e no escondimento e vira uma grande árvore. Também a Palavra de Deus semeada em nossa vida cresce silenciosamente.

Padre Cesar Augusto, SJ - Vatican News

Existe uma imagem muito bonita que compara a Igreja a uma grande árvore, alta e copada. Em seus galhos se aninham todo tipo de pássaro, pois nela se sentem seguros.

A liturgia deste domingo explora essa imagem, começando por Ezequiel profetizando sobre um cedro que terá seu broto mais alto transplantado para uma alta montanha e se tornará uma árvore majestosa. No Evangelho, Marcos nos fala da mostarda como a maior das hortaliças e originada pela menor das sementes.

A profecia de Ezequiel quer amenizar a dor do povo, após uma gravíssima derrota em que o rei foi deportado, dizendo que o Senhor suscitará um herdeiro no estrangeiro que irá restaurar a monarquia em Israel com grandiosidade jamais vista. Acontece que os anos passam e essa restauração não acontece logo. Na verdade, nem Ezequiel tinha noção total do que profetizava. Ele falava de Jesus Cristo, a restauração do homem total através de sua ressurreição. Evidentemente, falava também de seu Corpo Místico, falava da Igreja!

O Evangelho de Marcos nos recorda a verdade de que a semente cresce sozinha, no silêncio e no escondimento e vira uma grande árvore. Também a Palavra de Deus semeada em nossa vida cresce silenciosamente e só perceberemos isso com a transformação de uma vida estéril ou mesmo mediana, em uma vida fecunda, plena de frutos que atraem e saciam todos.

Na Parábola, Jesus dá um recado: a semente do Reino cresce por si só. Não importa o tamanho da semente, do que foi semeado, importa a qualidade da semente, se ela aceita morrer e brotar como uma planta nova, proporcionando mais vida.

A Carta de São Paulo aos Coríntios nos ajuda a concluir a reflexão deste domingo. Ele nos fala de quando seremos transplantados para o céu, para morarmos juntos com o Senhor. “Caminhamos na fé e não na visão clara”, lemos em 2Cor 5,7. Enquanto não somos transplantados, deveremos trabalhar para que nossa vida seja bela e propensa a se tornar maravilhosa quando formos morar na glória do Pai.  Naquele momento, poderemos dizer ao Senhor: “Você me deu a vida e, com a Redenção de Seu Filho, com a Sua Graça, pude vivê-la bem, mesmo nos sofrimentos e perseguições, e trazê-la alegremente como sinal de Sua Presença em meu caminhar”.

Assim, uma vida vivida na terra em união a Cristo só poderá ter um desfecho feliz ao ser transplantada para a Vida plena no seio da Trindade.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santos Julita e Ciro, mártires

Santos Julita e Ciro (Templário de Maria)
16 de junho
Santos Julita e Ciro

Mártires (+304)

Julita vivia na cidade de Icônio, na Licaônia, atualmente Turquia. Ela era uma senhora riquíssima, da alta aristocracia e cristã, que se tornara viúva logo após ter dado à luz um menino. Ele foi batizado com o nome de Ciro, mas também atendia pelo diminutivo Ciríaco ou Quiríaco. Tinha três anos de idade quando o sanguinário imperador Diocleciano começou a perseguir, prender e matar cristãos.

Julita, levando o filhinho Ciro e algumas servidoras, fugiu para a Selêucia e, em seguida, para Tarso, mas ali acabou presa. O governador local, um cruel romano chamado Alexandre, tirou-lhe o filho dos braços e passou a usá-lo como um elemento a mais para sua tortura. Colocou-o sentado sobre seus joelhos, enquanto submetia Julita ao flagelo na frente do menino, com o intuito de que renegasse a fé em Cristo.

Como ela não obedeceu, os castigos aumentaram. Foi então que o pequenino Ciro saltou dos joelhos do governador, começou a chorar e a gritar junto com a mãe: ‘Também sou cristão! Também sou cristão!’ Foi tamanha a ira do governador que ele, com um pontapé, empurrou Ciro violentamente, fazendo-o rolar pelos degraus do tribunal, esmigalhando-lhe, assim, o crânio.

Conta-se que Julita ficou imóvel, não reclamou, nem chorou, apenas rezou para que pudesse seguir seu pequenino Ciro no martírio e encontrá-lo, o mais rápido possível, ao lado de Deus. E foi o que aconteceu. Julita continuou sendo brutalmente espancada e depois foi decapitada. Era o ano 304.

Os corpos foram recolhidos por uma de suas fiéis servidoras e sepultados num túmulo que foi mantido oculto até que as perseguições cessassem. Quando isso aconteceu, poucos anos depois, o bispo de Icônio, Teodoro, resolveu, com a ajuda de testemunhas da época e documentos legítimos, reconstruir fielmente a dramática história de Julita e Ciro. E foi assim, pleno de autenticidade, que este culto chegou aos nossos dias.

Ciro tornou-se o mais jovem mártir do cristianismo, precedido apenas dos santos mártires inocentes, exterminados pelo rei Herodes em Belém. Por isso é considerado o santo padroeiro das crianças que sofrem de maus-tratos. A festa de santa Julita e de são Ciro é celebrada pela Igreja no dia 16 de junho, em todo o mundo católico.

Fonte: https://templariodemaria.com/

sábado, 15 de junho de 2024

O medo nas cidades modernas

Confiança e Medo na Cidade (Zygmunt Bauman)

O MEDO NAS CIDADES MODERNAS

Dom João Santos Cardoso 
Arcebispo de Natal (RS)

Recentemente, em uma reunião com o clero e os fiéis leigos da Arquidiocese de Natal, discutimos sobre a pastoral urbana e a evangelização na cidade. O tema do medo urbano foi recorrente, manifestado em falas que expressavam receio de ir a determinados bairros e realizar atos litúrgicos em certos horários. Esse medo impacta a evangelização, retraindo a audácia pastoral para difundir o evangelho em todas as periferias, comprometendo o mandato de Jesus: “Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). 

A cidade fascina e amedronta. Muitos que vivem no interior aspiram morar na cidade grande, e a migração para as regiões metropolitanas é comum, inclusive entre padres que desejam exercer seu ministério na grande cidade. No entanto, o medo afeta a evangelização, levando as pessoas a preferirem o isolamento dos condomínios fechados. Muitos padres também trocam a casa paroquial próxima da matriz pela residência em condomínios fechados, comprometendo a proximidade com suas comunidades, como pede o Papa Francisco: “sede pastores com o cheiro das ovelhas” (Homilia Missa Crismal de 2013). 

Essa situação me faz lembrar do artigo “A cidade como exigência de sociabilidade” na coletânea “Dilemas da Sociabilidade, Pensar a Cidade Hoje”, onde discuto o medo como um desafio para a convivência urbana, com base nas contribuições de Zygmunt Bauman em “Confiança e medo na cidade” (2009). Bauman afirma que a insegurança e o medo comprometem a vida urbana, mesmo sendo as cidades mais seguras do que nas sociedades do passado. Subjetivamente, as pessoas sentem-se ameaçadas e obcecadas por segurança, esvaziando o espaço público e as interações humanas. 

É urgente repensar a noção de espaço público para recuperar a sociabilidade urbana, pois a urbanização é irreversível e a vida nas cidades será o modo predominante de habitar o planeta. Portanto, é necessário que o espaço urbano promova interação humana, encontro com o desconhecido e convivência com a diferença, sem que a insegurança e o medo impeçam essa função. 

Cidades antigas e medievais eram protegidas por muros contra inimigos externos, oferecendo segurança interna. Hoje, o medo e a insegurança deslocaram-se para dentro das cidades. “Hoje, nossas cidades, em vez de constituírem defesas contra o perigo, estão se transformando em perigo” (BAUMAN, 2009, p. 35). O perigo agora está dentro da cidade e a guerra à insegurança foi transferida para o seu interior. 

Urbanistas projetam construções para manter os estranhos distantes, minando a ideia de espaço público em favor do espaço privado e suas ilhas de segurança. A arquitetura do medo, exemplificada por condomínios fechados e sistemas de vigilância, atende ao desejo de segurança dos moradores, mas compromete a essência do espaço público. “A arquitetura do medo e da intimidação espalha-se pelos espaços públicos das cidades, transformando-os em áreas extremamente vigiadas” (BAUMAN, 2009, p. 36). 

A guerra à insegurança e ao medo tem esvaziado o espaço público, essencial à vida urbana. É nos locais públicos que a vida urbana atinge sua mais completa expressão, com suas alegrias, dores, esperanças e pressentimentos. O espaço público carrega a ideia de liberdade e interação com o estranho. Contudo, o medo que alimenta a obsessão pela segurança remove a possibilidade de livre movimento e encontro com o estranho. “Com a insegurança, estão destinadas a desaparecer das ruas da cidade a espontaneidade, a flexibilidade, a capacidade de surpreender e a oferta de aventura, em suma, todos os atrativos da vida urbana” (BAUMAN, 2009, p. 39). 

O espaço público é vulnerável e exposto a ataques, mas também é onde a atração pode superar a rejeição, onde se descobrem e se praticam os costumes de uma vida urbana satisfatória e onde o futuro da vida urbana é decidido (BAUMAN, 2009, p. 40). Para evangelizar, é necessário não temer a cidade e superar a obsessão por segurança que gera segregação e privatização dos espaços. É preciso recuperar a ideia do espaço público, tornando-o um lugar onde as diferenças são valorizadas e onde é possível o encontro e mover-se livremente. Revitalizar o espaço público é uma estratégia para combater o isolamento e gerar encontros e comunhão entre estranhos, superando a tendência de buscar refúgio em ilhas privadas de segurança. 

A tendência de retirar-se dos espaços públicos para refugiar-se em ilhas de “uniformidade” transforma-se no maior obstáculo para conviver com a diferença, enfraquecendo diálogos e pactos. A exposição à diferença torna-se um fator decisivo para uma convivência feliz, secando as raízes urbanas do medo (BAUMAN, 2009, p. 41). 

A humanização da cidade através da recuperação do espaço público é a resposta mais razoável contra o perigo de um espaço urbano residual onde as interações humanas se reduzem a conflitos entre automóveis e pedestres, possuidores e despossuídos, tornando-se locais de tensão e violência. Para que a sociabilidade encontre expressão na cidade, Bauman defende um planejamento urbano que se desloque dos espaços privados para os públicos, tornando-os amplos, atraentes e estimulantes. Isso deve acentuar a “conexão, comunicação e celebração”, respondendo à tarefa de construir cidades que alimentem comunidades e o ambiente que as sustentam (BAUMAN, 2009, p. 41). 

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Inteligência artificial e fator humano

Papa Francisco com líderes do G7 e Chefes de Estado em Brindisi, Itália, em 14 de junho de 2024 ANSA /GIUSEPPE LAMI (ANSA)

Em 1983, um homem salvou o mundo de uma guerra nuclear que poderia ter sido desencadeada pelo erro de uma máquina.

Andrea Tornielli

Os sistemas de armas autônomos nunca poderão ser sujeitos moralmente responsáveis: a exclusiva capacidade humana de julgamento moral e de decisão ética é mais do que um conjunto complexo de algoritmos, e tal capacidade não pode ser reduzida à programação de uma máquina que, por mais «inteligente» que seja, permanece sempre uma máquina. Por esta razão, é imperioso garantir uma supervisão humana adequada, significativa e coerente dos sistemas de armas". O Papa Francisco escreveu isso na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2024.

Há um episódio, ocorrido há quarenta anos, que deveria se tornar um paradigma sempre que se fala de inteligência artificial aplicada à guerra, às armas, aos instrumentos de morte. E é a história do oficial soviético cuja decisão, contrariando o protocolo, salvou o mundo de um conflito nuclear que teria tido consequências catastróficas. Aquele homem se chamava Stanislav Evgrafovich Petrov, era um tenente-coronel do exército russo e, em 26 de setembro de 1983, prestava serviço noturno no bunker "Serpukhov 15", monitorando a atividade de mísseis dos EUA. A Guerra Fria estava em um ponto de inflexão crucial, o presidente americano Ronald Reagan estava investindo grandes somas nos armamentos e acabara de definiar a URSS de "império do mal", a OTAN estava envolvida nos exercícios militares que recriavam cenários de guerra nuclear. No Kremlin, Jurij Andropov havia falado recentemente de uma "escalada sem precedentes" da crise e, em 1º de setembro, os soviéticos haviam derrubado um avião da Korean Air Lines sobre a península de Kamchatka, matando 269 pessoas.

Naquela noite de 26 de setembro, Petrov viu que o elaborador Krokus, o cérebro considerado infalível em monitorar a atividade inimiga, havia relatado de uma base em Montana, a partida de um míssil em direção à União Soviética. O protocolo exigia que o oficial alertasse imediatamente os superiores, que dariam o sinal verde para uma resposta lançando mísseis em direção aos Estados Unidos. Mas Petrov esperou, também porque, segundo lhe disseram, qualquer ataque teria sido maciço. Portanto, ele considerou aquele míssil solitário um alarme falso. E fez o mesmo com os quatro seguintes que apareceram nos seus monitores pouco tempo depois, perguntando-se por que não havia confirmação do radar terrestre. Ele sabia muito bem que os mísseis intercontinentais levavam menos de meia hora para chegar ao destino, mas decidiu não dar o alarme, deixando os outros militares presentes petrificados.

Na verdade, o cérebro eletrônico estava errado; não houve nenhum ataque de míssil. Krokus havia sido enganado por um fenômeno de refração da luz solar em contato com nuvens em alta altitude. Em suma, a inteligência humana havia visto além da máquina. A decisão providencial de não decidir foi tomada por um homem cujo julgamento foi capaz de enxergar além dos dados e protocolos.

A catástrofe nuclear foi evitada, embora ninguém soubesse disso na época até o início da década de 1990. Petrov, que faleceu em setembro de 2017, disse o seguinte sobre aquela noite no bunker "Serpukhov 15": "o que eu fiz? Nada de especial, apenas meu trabalho. Eu era o homem certo no lugar certo e na hora certa". Ele foi o homem capaz de avaliar o possível erro da máquina considerada infalível, o homem capaz - voltando às palavras do Papa - "de fazer julgamentos morais e tomar decisões éticas", porque uma máquina, por mais "inteligente" que seja, continua sendo uma máquina.

A guerra, repete Francisco, é uma loucura, uma derrota da humanidade. A guerra é uma grave violação da dignidade humana. Fazer a guerra escondendo-se atrás de algoritmos, confiando na inteligência artificial para determinar os alvos e como atingi-los e, assim, limpar a consciência porque, no final, a máquina escolheu, é ainda mais grave. Não vamos nos esquecer de Stanislav Evgrafovich Petrov.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

O Papa aos humoristas: quando vocês fazem alguém sorrir, Deus também sorri

O Papa recebeu, no Vaticano, os humoristas de várias partes do mundo. "Embora a comunicação hoje em dia muitas vezes gere contraposições, vocês sabem como unir realidades diferentes e, às vezes, até opostas. O riso do humorismo nunca é "contra" alguém, mas é sempre inclusivo, proativo, desperta abertura, simpatia e empatia", disse o Papa em seu discurso.

https://youtu.be/4ovO0Ov9BfE

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta sexta-feira (14/06), na Sala Clementina, no Vaticano, cerca de duzentos humoristas do mundo. Dentre eles alguns nomes do Brasil, como Fábio Porchat, Cacau Protásio e Cristiane Wersom, e dos Estados Unidos, a atriz e comediante Whoopi Goldberg. 

O Pontífice deu as boas-vindas aos artistas e agradeceu aos membros do Dicastério para a Cultura e a Educação que prepararam este encontro.

O riso é contagioso

Tenho grande estima por vocês artistas que se expressam com a linguagem da comédia, do humorismo e da ironia. De todos os profissionais que trabalham na televisão, no cinema, no teatro, na mídia impressa, com músicas, nas redes sociais, vocês estão entre os mais amados, procurados e aplaudidos. Certamente porque são bons, mas há também outro motivo: vocês têm e cultivam o dom de fazer as pessoas rirem.

A atriz e comediante Whoopi Goldberg cumprimentando o Papa | Vatican Media

"Em meio a tantas notícias sombrias, imersos como estamos em tantas emergências sociais e também pessoais, vocês têm o poder de espalhar a serenidade e o sorriso. Vocês estão entre os poucos que têm a capacidade de falar com pessoas muito diferentes, de diferentes gerações e origens culturais", disse ainda o Papa.

“À sua maneira, vocês unem as pessoas, porque o riso é contagioso. É mais fácil rir juntos do que sozinhos: a alegria permite o compartilhamento e é o melhor antídoto contra o egoísmo e o individualismo. Rir também ajuda a quebrar as barreiras sociais, a criar conexões entre as pessoas.”

"Ele nos permite expressar emoções e pensamentos, ajudando a construir uma cultura compartilhada e a criar espaços de liberdade. Vocês nos lembram que o homo sapiens também é homo ludens; que a diversão e o riso são fundamentais para a vida humana, para nos expressarmos, aprendermos e darmos significado às situações", sublinhou Francisco.

Dentre os humoristas italianos Lino Banfi e Christian De Sica | Vatican Media

A seguir, o Papa disse aos artistas que o talento deles "é um dom precioso. Junto com o sorriso, espalha a paz nos corações, entre as pessoas, ajudando-nos a superar as dificuldades e a lidar com o estresse diário". O sorriso "nos ajuda a encontrar alívio na ironia e a encarar a vida com humor". O Pontífice citou as palavras de São Tomás More: "Dai-me, Senhor, o senso de humor". "Vocês conhecem essa oração?" Perguntou o Papa aos humoristas. "Vocês precisam conhecê-la", disse ele, encarregando os superiores de divulgá-la a todos os artistas. "Dai-me, Senhor, o senso de humor". "Essa é uma graça que eu peço todos os dias, porque ela me faz encarar as coisas com o espírito certo", disse ainda o Papa.

Despertar o senso crítico fazendo rir e sorrir

“Mas vocês também conseguem outro milagre: conseguem fazer sorrir mesmo quando lidam com problemas, pequenos e grandes fatos da história. Vocês denunciam os excessos de poder; dão voz a situações esquecidas; evidenciam abusos; apontam para comportamentos inadequados. Mas sem espalhar alarme ou terror, ansiedade ou medo, como fazem muitos da comunicação.”

Vocês despertam o senso crítico fazendo rir e sorrir. Vocês fazem isso contando histórias de vida, narrando a realidade, de acordo com seu ponto de vista original; e, dessa forma, falam às pessoas sobre problemas pequenos e grandes.

A atriz e comediante italiana Luciana Littizzetto | Vatican Media

"De acordo com a Bíblia, na origem do mundo, enquanto tudo estava sendo criado, a Sabedoria divina praticava sua arte para o benefício do próprio Deus, o primeiro espectador da história", disse o Papa, citando uma passagem do Livro dos Provérbios: "Eu estava junto com ele, como mestre-de-obras. Eu era o seu encanto todos os dias, e brincava o tempo todo em sua presença;  brincava na superfície da terra, e me deliciava com a humanidade". "Lembrem-se disto: quando vocês conseguirem fazer com que sorrisos inteligentes brotem dos lábios de até mesmo um só espectador, vocês também fazem Deus sorrir", disse ainda o Francisco, afirmando que isso não é uma heresia.

“Vocês, queridos artistas, sabem como pensar e falar com humor em diferentes formas e estilos; e, de qualquer forma, a linguagem do humor é adequada para entender e "sentir" a natureza humana. O humorismo não ofende, não humilha, não prega as pessoas aos seus defeitos.”

Embora a comunicação hoje em dia muitas vezes gere contraposições, vocês sabem como unir realidades diferentes e, às vezes, até opostas. Como precisamos aprender com vocês! O riso do humorismo nunca é "contra" alguém, mas é sempre inclusivo, proativo, desperta abertura, simpatia e empatia. Por favor, rezem e peçam ao Senhor a graça do senso de humor.

Encarar a vida com esperança

O Papa recordou a passagem do Livro do Gênesis, quando Deus promete a Abraão que dentro de um ano ele teria um filho. Sara ouviu e riu por dentro. Ela disse: "Deus me deu motivo para rir com alegria". Por isso, deram ao filho o nome de Isaac, que significa "ele ri".

"Também é possível rir de Deus? É claro que sim, e isso não é blasfêmia, podemos rir, assim como brincamos e fazemos piadas com as pessoas que amamos", disse o Pontífice. "A tradição sapiencial e literária hebraica é mestra nisso", disse ele. Porém, "isso pode ser feito, sem ofender os sentimentos religiosos dos fiéis, especialmente dos pobres".

"Querido amigos, Deus abençoe vocês e a sua arte. Continuem animando as pessoas, especialmente aquelas que têm mais dificuldade de encarar a vida com esperança. Ajude-nos, com o sorriso, a ver a realidade com suas contradições e a sonhar com um mundo melhor", concluiu.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São Vito

São Vito (A12)
15 de junho
São Vito

Vito nasceu no ano de 290, na Sicília Ocidental, era filho de um senador pagão chamado Hylas. Sua mãe morreu quando ele tinha aproximadamente sete anos de idade, seu pai então, contratou uma ama, chamada Crescência, para cuidar do menino. Ela era cristã, viúva e tinha perdido o único filho. O pai providenciou também um professor, chamado Modesto, para instruir e formar seu herdeiro. Este também era cristão.

O pai de Vito encarava o cristianismo como inimigo a ser combatido. Por isto, Modesto e Crescência nunca revelaram que eram seguidores de Cristo. Contudo, educaram o menino dentro da religião. Aos doze anos, Vito já estava batizado e demonstrava identificação total com os ensinamentos de Jesus.

Ao saber do batismo, o pai tentou convencê-lo a abandonar a fé e castigou o próprio filho, entregando-o então ao governador Valeriano, que o encarcerou e o maltratou por vários dias. Modesto e Crescência, entretanto, conseguiram arquitetar uma fuga e tiraram Vito das mãos do governador, fugindo para a cidade de Lucânia e depois para Roma.

Em Roma, aconteceu que o filho do imperador Diocleciano estava possuído por um espírito maligno. O soberano, tendo conhecimento dos dons de Vito, mandou que o trouxessem à sua presença. Vito então rezou com todo fervor e em nome de Jesus realizou a cura. Porém, Diocleciano atribuiu a cura do filho a utilização de feitiçaria por parte do Vito, mandando prendê-lo juntamente com Modesto e Crescência.

O imperador ordenou que Vito fizesse sacrifícios pagãos em troca da sua liberdade, mas ele que não aceitou renegar a fé em Cristo para ser libertado. Dessa forma então os três foram torturados e condenados à morte, foram lançados aos leões, porém os leões não quiseram tocá-los, então eles foram jogados em óleo fervente. No momento de suas mortes, uma imensa tempestade destruiu vários templos pagãos da região, o que deu origem à tradição de proteção contra as intempéries.

Morreu no dia 15 de junho, possivelmente no ano de 303, depois de muitas torturas. Com ele foram martirizados também Modesto e Crescência.

Colaboração: Padre Evaldo César de Souza, CSsR

Reflexão:

São Vito é invocado contra o perigo das tormentas, mordidas de serpentes e contra todo dano que os animais podem fazer aos homens. Sua santidade manifestou-se em prodígios e sinais miraculosos que acompanharam sua vida. Mas sua maior virtude foi entregar-se ao amor de Jesus e deixar-se conduzir nos caminhos da fidelidade ao Evangelho.

Oração:

São Vito! A vós recorro porque em vós eu vejo uma esperança para a minha saúde, uma luz para a minha vida. Sinto que a vossa proteção me reanima na minha fraqueza. A vossa bênção me dará um pensamento positivo, paz, segurança, tranquilidade. Que vossa proteção faça reviver a minha esperança, aumente a minha fé em Deus Pai de amor, fortaleça a minha confiança em Deus Filho e Salvador; que reanime a minha segurança em Deus Espírito Santo Consolador. Amém!


Fonte: https://www.a12.com/

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Que mundo é esse?

Preservar o meio ambinte (Idec)

QUE MUNDO É ESSE?

Dom Severino Clasen
Arcebispo de Maringá (PR) 

Experimentamos sentimento de perda com as inundações, estiagens, descontrole da vida social. Quando as relações humanas estão fragilizadas é porque perdemos o senso da espiritualidade, da libertação dos instintos egocentristas. Frequentemente encontramos na Sagrada Escritura relatos dos vacilos do Povo de Deus ao longo de sua história. O distanciamento de Deus, aproxima as confusões, tensões e desajustes na sociedade. A natureza sinaliza tais desacertos e se manifesta, por vezes, tragicamente porque invadimos o seu percurso natural e lógico. 

Convivemos com a natureza que nos acolhe e nos sustenta, mas não sabemos como se explica, em última análise, o que faz germinar, crescer uma semente. O Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo, em miniatura. Jesus procura fazer os discípulos entenderem que o desenvolvimento da mente humana, o retorno ao Deus da vida que nos liberta das angústias, é um processo de crescimento, de evolução na fé. 

Nos admiramos das técnicas avançadas, das facilidades midiáticas, das redes sociais, enfim, quanta criatividade e novidade apreciamos a cada instante. As relações humanas não têm evoluído nessa proporção. Entramos no mundo da dominação, da frieza relacional e desenvolvemos o instinto da competição desenfreada que machuca e destrói a natureza, a vida humana. Os pais não têm tempo para os filhos, nem para a convivência familiar. Criam-se outros modelos de vida que revela os desajustes do afeto, do respeito e da dignidade humana. Sentimos saudades da comunhão de vida, da libertação das amarras de um sistema que produz, vorazmente e não consegue evoluir no respeito, na paz que gera vida em plenitude. 

Afinal, que mundo é esse em que vivemos? Destruímos a natureza, em busca do lucro selvagem. Justificamos o desmonte ecológico em nome do desenvolvimento, intoxicamos a mãe terra e reclamamos das pandemias, doenças, do vazio sistemático que gera depressão, abandono, solidão. 

O que fazer? O profeta Ezequiel, que caminha contra a corrente dos costumes do seu tempo, prega a libertação de Israel em exílio. É preciso voltar a Deus. “E todas as árvores do campo saberão que eu sou o Senhor, que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa; faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço” (Ez 17,24). Respeitar a presença divina gera a salutar convivência no mundo em que vivemos. A vinda do Filho de Deus ao mundo aponta o rumo a ser tomado, para salvar a vida, o maior dom do Criador. “Todos nós temos de comparecer às claras perante o tribunal de Cristo, para cada um receber a devida recompensa – prêmio ou castigo – do que tiver feito ao longo de sua vida corporal” (2Cor 5,10). 

Para fazer os discípulos entenderem a riqueza do Reino de Deus, Jesus utiliza a comparação da semente que é lançada na terra. Sabemos da qualidade, do ambiente, do tempo, dos insumos necessários para que a semente germine e chegue aos seus frutos. Não há equívoco. Não há alteração na qualidade, na espécie. Mas o crescimento é Deus quem dá. Ao nos ausentarmos da intimidade com aquele que gera crescimento, nos afastamos da essência da vida. Homens e mulheres que ditam as normas da condução da sociedade, se não estiverem afinados com a sabedoria divina, criarão instrumentos de exploração, de divisão, de ódio e de exclusão.  

Que a leitura da Palavra de Deus nos instrua, nos anime e nos qualifique na vida, para que toda criatura humana, cresça na fé, na esperança e caminhe ao encontro definitivo com Deus no Reino que Ele preparou para todos nós. Esse é o mundo desejado e anunciado por Jesus Cristo.

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

O Papa no G7: nenhuma máquina deve optar por tirar a vida a um ser humano

O Papa Francisco proferindo o seu discurso no G7 (Vatican Media)

Francisco falou no encontro de cúpula em Borgo Egnazia, na Puglia. Na sessão conjunta com os líderes mundiais, indicou as oportunidades, os perigos e os efeitos da inteligência artificial: a humanidade está condenada a um futuro sem esperança se as pessoas forem privadas da capacidade de decidir sobre si mesmas e sobre suas vidas, condenando-as a depender das escolhas das máquinas.

Salvatore Cernuzio/Mariangela Jaguraba – Vatican News

"Nenhuma máquina, em caso algum, deveria ter a possibilidade de optar por tirar a vida a um ser humano." Foi o que disse o Papa Francisco em seu discurso proferido na cúpula de líderes mundiais do G7, em Borgo Egnazia, na região italiana da Puglia. A cúpula teve início na quinta-feira, 13, e se concluirá no sábado, 15 de junho.

Chegada a Puglia

O Papa chegou de helicóptero por volta de 12h15 e foi recebido pela presidente do Conselho de Ministros da Itália, Giorgia Meloni. Depois, manteve quatro encontros bilaterais com Georgieva (FMI), Zelensky, Macron e Trudeau, antes de se deslocar, acompanhado pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, para a Sala Arena onde foi recebido por uma salva de palmas dos líderes na sessão conjunta.

Francisco num carro de golfe com a primeira-ministra italiana Meloni em sua chegada a Borgo Egnazia | Vatican Media

O Papa falou sobre a Inteligência Artificial, um dos principais temas do G7. Um "instrumento fascinante", mas ao mesmo tempo "tremendo", disse ele; "um instrumento" capaz de trazer benefícios ou causar danos, como todas as "ferramentas" criadas pelo homem desde o início dos tempos. O Papa já tinha dedicado sua Mensagem para o 58º Dia Mundial das Comunicações Sociais a esse tema. Agora, diante dos homens e mulheres responsáveis pelo mundo, ele examina suas oportunidades, mas sobretudo seus riscos e "efeitos sobre o futuro da humanidade". O seu olhar está voltado principalmente para essa guerra com seus "pedaços" cada vez mais unificados. 

Num drama como o conflito armado, é urgente repensar o desenvolvimento e o uso de dispositivos como as "armas autônomas letais" para proibir sua utilização, começando já com um compromisso ativo e concreto para introduzir um controle humano cada vez maior e significativo.

O Papa durante o encontro bilateral com o presidente ucraniano Zelensky | Vatican Media

Potencial humano

Que nunca aconteça que as máquinas matem o homem que as criou. Francisco do palco do G7 refletiu a partir da engenhosidade humana, para esclarecer como não existe nenhum preconceito sobre os progressos científico e tecnológico, mas sim o medo de um desvio: "A ciência e a tecnologia são produtos extraordinários do potencial criativo de nós seres humanos”, disse o Pontífice. “É a partir do uso deste potencial criativo que Deus nos deu que a inteligência artificial vem à luz”. Um “instrumento extremamente poderoso”, sublinhou o Papa, utilizado em muitos âmbitos da ação humana: medicina, trabalho, cultura, comunicação, educação, política. “É agora lícito levantar a hipótese de que o seu uso influenciará cada vez mais o nosso modo de vida, as nossas relações sociais e, no futuro, até mesmo a forma como concebemos a nossa identidade como seres humanos”.

Portanto, por um lado, as possibilidades que a IA oferece são estimulantes; por outro lado, geram medo pelas consequências que se preveem. Em primeiro lugar, para Francisco é necessário distinguir adequadamente entre uma máquina que “pode, de algumas formas e com estes novos meios, produzir escolhas algorítmicas” e, portanto, “uma escolha técnica entre várias possibilidades”, e o ser humano que, em vez disso, “não só escolhe, mas em seu coração é capaz de decidir”.

"É por isso que, diante dos prodígios das máquinas, que parecem ser capazes de escolher de forma independente, devemos ter claro que o ser humano deve sempre ficar com a decisão, mesmo nos tons dramáticos e urgentes com os quais ela às vezes se apresenta em nossas vidas", disse ainda o Papa.

A mesa da sessão conjunta dos participantes do G7 | Vatican Media

A advertência do Papa foi incisiva: “Condenaríamos a humanidade a um futuro sem esperança se retirássemos das pessoas a capacidade de decidir sobre si mesmas e sobre as suas vidas, condenando-as a depender das escolhas das máquinas. Precisamos – disse ele – garantir e proteger um espaço de controle significativo do ser humano sobre o processo de escolha de programas de inteligência artificial: a própria dignidade humana está em jogo”.

Revolução cognitivo-industrial

Em suma, não estamos falando apenas de progresso científico, mas estamos diante de "uma verdadeira revolução cognitivo-industrial que", disse o Papa Francisco, "contribuirá para a criação de um novo sistema social marcado por complexas transformações epocais". 

A inteligência artificial poderia permitir a democratização do acesso ao conhecimento, o progresso exponencial da pesquisa científica, a possibilidade de delegar trabalhos árduos às máquinas; mas, ao mesmo tempo, poderia trazer consigo uma injustiça maior entre nações avançadas e em desenvolvimento, entre classes sociais dominantes e classes sociais oprimidas, colocando em perigo a possibilidade de uma "cultura do encontro" e promovendo uma "cultura do descarte". "Este é o perigo", disse ele.

O Papa durante o seu discurso | Vatican Media

Francisco falou sobre a "ética": É nela que está em jogo a condição humana de "liberdade" e "responsabilidade"; é sem ela que "a humanidade perverteu os fins do seu ser, transformando-se em inimiga de si mesma e do planeta". Hoje, observou o Papa, "há uma perda ou, pelo menos, um eclipse do sentido do humano e uma aparente insignificância do conceito de dignidade humana", os programas de inteligência artificial "devem ser sempre ordenados para o bem de cada ser humano". Eles devem ter, em outras palavras, "uma inspiração ética".

Nesse sentido, o Papa mencionou favoravelmente a assinatura em Roma, em 2020, marcado pela pandemia, do Apelo de Roma para a Ética da Inteligência Artificial (Rome Call for AI Ethics), e o apoio a essa forma de moderação ética dos algoritmos condensada no neologismo "algorético".

Embora tenhamos dificuldades para definir um único conjunto de valores globais, podemos, no entanto, encontrar princípios partilhados para enfrentar e resolver os dilemas ou conflitos de vida.

Entre os vários riscos, o Papa também teme o de um "paradigma tecnocrático". É precisamente aqui, disse ele, que a "ação política" se torna "urgente". Política, para muitos hoje, "é uma palavra feia" que lembra "erros", "corrupção", "ineficiência de alguns políticos", à qual se somam "estratégias que visam enfraquecê-la, substituí-la pela economia ou dominá-la com alguma ideologia". Entretanto, "o mundo pode funcionar sem política?", perguntou o Papa. Sim, "a política é necessária" é a resposta. Mas, diante dos cenários descritos, é necessária uma "política saudável" que nos faça olhar para o nosso futuro com esperança e confiança.

Há, de fato, "coisas que precisam ser mudadas com redefinições fundamentais e transformações importantes" e "somente uma política saudável poderia guiar o caminho, envolvendo os mais diversos setores e conhecimentos", disse o Papa. "Dessa forma", acrescentou, "uma economia integrada em um projeto político, social, cultural e popular que tende para o bem comum pode abrir caminho para diferentes oportunidades, que não implicam deter a criatividade humana e seu sonho de progresso, mas sim canalizar essa energia de uma nova maneira".

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF