IMPACTOS
18/08/2025
Dom Geraldo dos Reis Maia
Bispo de Araçuaí (MG)
Os impactos das atividades minerárias, especialmente no Vale
do Jequitinhonha, estão sendo tratados com muita atenção por várias entidades
que se preocupam com o meio ambiente. A extração mineral, de modo particular a
corrida pelo lítio, vem impactando a ecologia integral: comunidades
quilombolas, indígenas, outros tipos de comunidades tradicionais e os biomas em
geral, com as belezas e os encantos de sua fauna e flora. O desenvolvimento do
Vale é importante, mas não podemos tolerar que este lindo Vale se torne zona de
sacrifício nem para o nosso povo tão querido, nem para a Casa Comum.
A Diocese de Araçuaí acompanha, com preocupação, o
desdobramento desses impactos. Para melhor realizar a sua missão em favor da
vida, temos realizado uma série de atividades e pronunciamentos, certos de que
é preciso buscar “em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33).
É essa justiça do Reino que nos impele no agir pastoral-missionário,
impulsionados pela palavra do papa Leão XIV: “Num mundo onde os mais frágeis
são os primeiros a sofrer os efeitos devastadores das mudanças climáticas, do desmatamento
e da poluição, cuidar da criação torna-se uma questão de fé e de humanidade”
(Mensagem para o 10° Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação de 2025, que
será celebrado em 1º de setembro).
Foi criado, na Diocese de Araçuaí, o Núcleo Eclesial de
Ecologia Integral, para atuar nesta importante e desafiante área de nossa ação
pastoral-missionária. Uma primeira ação deste Núcleo foi realizar uma Roda de
Conversa sobre os impactos da mineração no Vale do Jequitinhonha. Esse encontro
aconteceu na manhã do dia 23 de julho, no Centro Diocesano. A presença de
várias representações de pastorais sociais, entidades parceiras e movimentos
sociais confirmaram o desejo de um trabalho orgânico em favor da Casa Comum,
denunciando os impactos sofridos pelas comunidades e pelo mundo criado.
Um gesto concreto dessa importante Roda de Conversa foi a
aprovação do “Manifesto de lutadores e lutadoras do Vale do Jequitinhonha em
defesa da Ecologia Integral e contra o ‘PL da Devastação’”. Neste Manifesto,
foi dado conhecimento sobre a gravidade do chamado “autolicenciamento
ambiental”, que ficou conhecido como o “PL da devastação”, através do qual
“algumas licenças ambientais poderão ser lavradas mediante simples declaração
do empreendedor, desacompanhada de estudos prévios de impacto e de monitoramento
posterior. Assim, projetos que atentam contra a natureza e direitos das
comunidades escaparão ao controle do Poder Público”.
O Manifesto apresenta que “outra medida preocupante nesse
cenário é a drástica redução de consulta prévia a comunidades tradicionais,
quando potencialmente atingidas por empreendimentos que tendem a alterar seus
hábitos e modos de vida. Recorda-se que essas consultas são obrigatórias pela
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil
é signatário. Entende-se, pois, que o PL 2.159/2021 já nasce violando normas
fundamentais para o país”.
Na Roda de Conversa, abordamos preocupações próprias da
região do Vale do Jequitinhonha. “O ‘PL da Devastação’ é especialmente
preocupante a nós, residentes do Médio Jequitinhonha, que vivenciamos uma
grande movimentação de mineradoras. Apesar de promessas insistentes de
desenvolvimento, nossa região percebe que o crescimento econômico, bastante
inferior ao prometido, ainda vem divorciado da ecologia integral e da proteção
dos mais vulneráveis, além de registro de graves consequências da crise
climática com altas temperaturas e agravamento da crise hídrica”.
Nesta conjuntura do Vale do Jequitinhonha, especialmente nos
municípios de Araçuaí e Itinga, “denunciamos veementemente o aumento de custo
de vida, a especulação imobiliária urbana e rural, as detonações, operação
24 horas no entorno das cavas de lítio, que vêm causando sérios impactos sobre
comunidades lá instaladas há séculos. Ora, é impossível conviver com a poeira,
rachaduras nas paredes dos imóveis vizinhos, circulação irrestrita de veículos
pesados, danos a cisternas, poluição sonora e visual, além de secamento de
nascentes e assoreamento de rios”.
Foi recordado um triste acontecimento desse primeiro
semestre na nossa região. “Mesmo diante dessa grave crise ambiental e
climática, o Poder Público mostra-se pouco criterioso na liberação de tais
empreendimentos. Somado a isso, os municípios de Araçuaí e Caraí foram
recentemente surpreendidos com a drástica redução da APA – Chapada do Lagoão –,
em que pesem os muitos alertas quanto ao provável avanço do setor minerário
sobre aquela região”.
Diante de tudo isso, o “Manifesto de lutadores e
lutadoras do Vale do Jequitinhonha em defesa da Ecologia Integral e contra o
‘PL da Devastação’”, assinado por 29 entidades, conclui da seguinte forma:
“Vemos, com clareza, que o PL da Devastação e todo o desmonte da política
ambiental no Poder Legislativo brasileiro fragilizam a proteção da natureza.
Não podemos admitir esse retrocesso! Por todos esses motivos, conclamamos a
sociedade para lutar contra essa injustiça e reivindicar que o Presidente da
República vete o Projeto de Lei 2.159/2021”.
Hoje, o Vale do Jequitinhonha se tornou uma zona de
interesse por parte de várias vertentes. Primeiramente, os povos que sempre
residiram nesses territórios: indígenas, quilombolas e demais comunidades
tradicionais, sempre resistentes, mas muito vulneráveis. De outro lado, os
proprietários de terras, que receberam heranças ou as adquiriram por si mesmos.
Em contrapartida, chegam empresários, especialmente da atividade minerária. O
que é uma zona de interesses vai se tornando uma zona de conflitos. Esperamos
que não se torne uma zona de sacrifícios… Os interesses são perceptíveis. Os
conflitos já começam a surgir. Os sacrifícios já são notados. Deus tenha
misericórdia do povo deste lindo Vale do Jequitinhonha e da nossa exuberante
Casa Comum.
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