DEUS CONHECE A DOR E A DELÍCIA DE SER FAMÍLIA
15/08/2025
Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
No mês de agosto, dedicado inteiramente às vocações, as
comunidades católicas celebram a Semana Nacional da Família. E
quando tratamos do tema da família, é recorrente a referência à bíblia,
particularmente à família biológica de Jesus. Mas esse recurso pode se tornar
arriscado se ignoramos a distância histórica e cultural entre a família
oriental do tempo de Jesus e as famílias ocidentais do século 21. Consideremos
brevemente essa questão.
Nos evangelhos, a Sagrada Família de Nazaré aparece como uma
autêntica família judaica, herdeira fiel das esperanças messiânicas que
alimentavam a vida dos pobres, guardiã fiel e praticante das orientações
religiosas do judaísmo. Ao mesmo tempo, os evangelhos mostram a família de
Jesus como o gérmen da nova família humana, sustentada e orientada pela utopia
do Reino de Deus como graça que congrega as pessoas e derruba as
barreiras.
Por estar radicada em Nazaré, na Galiléia, e por desempenhar
trabalhos artesanais, no olhar das famílias de Jerusalém, a Sagrada Família
carregou a marca da suspeita e do menosprezo. O domicílio em Nazaré sublinha a
inserção da Sagrada Família no povo de Israel, como numa espécie de grande
família étnica. O crescimento de Jesus ocorre nessa interação viva. Ele aprende
e ensina, unindo a relação com Deus e a relação com os homens e com o seu
povo.
Em relação à família tradicional, Jesus foi uma espécie de
transgressor. Rompeu com ela e afastou-se das suas expectativas, que consistia
em casar, cuidar da família e lutar pela sobrevivência. Vivendo o celibato,
Jesus transgrediu também a obrigação de casar e gerar filhos, algo impensável
para um rabino. Viveu a partir do sonho do reino de Deus, interessou-se pelas
pessoas simples da Galiléia, identificou-se com seus problemas e
esperanças.
Esta opção de Jesus pela utopia do Reino de Deus e pela
defesa vida das vítimas está na raiz do conflito com sua família. Seus parentes
tiveram dificuldades de acreditar nele e até pensaram que havia enlouquecido. O
desfecho deste conflito foi o distanciamento da família de sangue e uma opção
por uma vida itinerante. A comunidade que nasceu da sua pregação também foi
crítica em relação aos laços familiares, como testemunham es escrituras.
Este distanciamento de Jesus em relação à sua família de
sangue, especialmente no período de sua missão pública, não significa que as
experiências afetivas e familiares da infância e da juventude não tenham
permanecido vivas. Tudo o que ele aprendeu, amou e sonhou em Nazaré aflorou
mais tarde na sua pregação: o valor das coisas pequenas e escondidas, a
solidariedade com os vizinhos, o caráter paterno e próximo de Deus.
No que se refere a José e Maria, podemos dizer que eles
realizaram de modo exemplar a participação na família nova, inaugurada pelo
filho Jesus Cristo, em obediência ao Pai. Também eles cumpriram com prontidão a
vontade do Pai. Marcada pelo ambiente simples e desprezado de Nazaré, a Sagrada
Família, foi protagonista e modelo na busca e no cumprimento da vontade do Pai.
Mas aqui já não temos mais a simples família tradicional.
Jesus ocupa um lugar central na Sagrada Família de Nazaré.
Sua presença se irradia sobre Maria e José: eles se comovem, impressionam e
maravilham diante da novidade; acolhem e recebem seu mistério do Reino de Deus,
embora, por vezes, fiquem atrapalhados e desorientados. Jesus transcende seus
próprios pais, e isso os estimula ao crescimento na compreensão do mistério de
Deus na sua vida. Eles se tornarão discípulos do próprio filho!
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