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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Quantos se salvam?

Jesus é a porta (Catequizar)

QUANTOS SE SALVAM?

22/08/2025

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

A tensão é real e pedagógica. Jesus escuta a pergunta numérica e, em vez de oferecer estatística, converte-a em caminho dizendo: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita” (Lc 13,24). Isaías, por sua vez, deixa claro que o sujeito da história é Deus que vem, vê, conhece, reúne. Entre a porta estreita e o ajuntamento de todas as nações está a vontade universal do coração de Deus. De um lado o cálculo, de outro o horizonte. 

A primeira correção de Jesus é espiritual. Para Ele, quem conta não se converte, quem se converte, não precisa contar. A pergunta “poucos ou muitos?” nasce, muitas vezes, do medo de perder ou do desejo secreto de pertencer a um grupo de escolhidos. Jesus desarma esse mecanismo. A salvação é relação e não loteamento. Por isso, em Lucas, Ele fala da porta, e em João Ele é a porta (Jo 10,9). A estreiteza não é impossibilidade nem dificuldade desnecessária, mas a forma do amor de Cristo. É estreita porque leva a cruz; é estreita porque não se entra com fardos supérfluos, ressentimentos guardados, superioridade moral. A porta é estreita para que caibam todos, contanto que cada um se disponha a deixar do lado aquilo que não serve. 

Deus não vem para reunir uma tribo, mas “todos os povos e línguas”, lembra Isaias. A universalidade não contradiz a porta estreita. Se o destino é o encontro de todos, o acesso não pode ser o da força, da origem, do mérito, dos múltiplos caminhos; tem de ser o da humildade e da misericórdia, o único que todos podem realizar. Por isso a promessa de Isaías floresce em Pentecostes: muitas línguas, um só Espírito; muitos povos, um só Nome. A missão da Igreja é precisamente servir a este milagre e abrir caminhos em que a estreiteza do Evangelho se torne possibilidade para todos, em todas as culturas. 

Jesus, porém, adverte contra a ilusão da proximidade sem conversão. Há quem diga: “Comemos e bebemos contigo”, e ouça: “Não vos conheço” (cf. Lc 13,26–27). Não basta grifar as coisas de Deus. É preciso deixar-se reconhecer por Ele. Assim se entende a “porta estreita”. Não é um funil. É o contorno da caridade concreta. O banquete do Reino — “virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul” (Lc 13,29), tem mesas largas e uma entrada estreita. Largas, porque Deus quer a todos; estreita, porque só o amor entra. O que exclui não é a quantidade dos que chegam, mas a recusa de amar como Ele ama. 

Também por isso a pergunta de Lucas e a promessa de Isaías se iluminam mutuamente. Se Deus conhece “obras e pensamentos”, a salvação não se decide por pertenças herdadas, mas por uma verdade vivida. E, se Ele mesmo “virá para reunir”, a esperança concretiza-se.  

Nós não estamos diante de um juiz que calcula, mas de um Pai que busca, insiste, corre, chama pelo nome. O risco, então não é a escassez do convite, e sim a dureza que o recusa; não o pouco de Deus, mas o pouco que nos dispomos a perder para entrar. 

Pastoralmente, isso nos salva de dois extremos. De um lado, o rigorismo triste, que transforma a “porta estreita” em senha de poucos e esquece que o Pai quer a todos (cf. 1Tm 2,4). De outro, o laxismo vazio, que fala de “todos” e dilui a porta até ela não significar mais nada. O Evangelho mantém juntos o horizonte onde todos são chamados e cada um é convidado a passar por Cristo. Perdão recebido, perdão oferecido; verdade acolhida, verdade praticada; misericórdia implorada, misericórdia exercida. Onde isso acontece, a estatística perde importância. O Reino cresce na medida da conversão, e a conversão abre espaço para outros. 

Talvez a melhor resposta à pergunta se “são poucos” seja outra pergunta, que Jesus nos faz: você quer entrar? A salvação, então, deixa de ser um tema para discussão e se torna um hoje para se trabalhar. Esse hoje tem o rosto da porta estreita e o som de muitas línguas. Quando consentimos nessa forma, quando deixamos cair o peso do orgulho, da mentira, da indiferença, a promessa de Isaías começa a cumprir-se. Gente diversa, palavras diferentes, um louvor só. A “estreiteza” do amor não é limite, mas concentração no que importa. Por isso cabe todo mundo! 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF