O arcebispo de Reggio Calabria - Bova, sul da Itália, dom
Fortunato Morrone, traça um perfil do santo purpurado inglês, que será
proclamado Doutor da Igreja.
Por Fortunato Morrone
John Henry Newman será doutor da Igreja. Finalmente! Após a
canonização do beato cardeal, proclamada pelo Papa Francisco em 13 de outubro
de 2019, esperava-se que a Igreja, na pessoa do Santo Padre Leão XIV, o
reconhecesse como um de seus doutores (note-se que, em 1879, Leão XIII o elevou
ao cardinalato). Imagino, todavia, um Newman de certo modo embaraçado e
surpreso com tal reconhecimento da Igreja.
Consciente de seu caráter e limitações culturais, mas também
de seu notável potencial intelectual e moral, Newman, já idoso, em uma
correspondência, após listar uma série de qualidades e dons específicos
exigidos de um teólogo, confidenciou: "Isso eu não sou, nem jamais serei.
Como São Gregório Nazianzeno, prefiro trilhar meu próprio caminho e dispor do
meu tempo [...] sem compromissos urgentes" (LD XXIV, 213).
Nesse sentido, Newman foi, antes de mais nada, um pastor e
pregador de rara delicadeza linguística e comunicativa, e um homem de fé de
notável cultura e refinada inteligência que - na contingência de polêmicas
culturais ou na defesa detalhada desta ou daquela questão teológica ou
filosófica - soube expor as razões da esperança cristã em toda a sua plenitude,
mas com um estilo e uma agudeza de reflexão que revelam a grandeza de seu
espírito, capaz de elevar o tom do debate religioso, social, educacional ou cultural
para ampliar o horizonte cognitivo, racional e de fé de seus leitores ou
ouvintes, fossem eles a favor ou contra ele.
Mas a Igreja não se engana: Newman será doctor
Ecclesiae porque, nas palavras de São Paulo VI, ele é reconhecido como
"um farol cada vez mais luminoso para todos os que buscam uma orientação
clara e uma direção segura em meio às incertezas do mundo moderno"
(Discurso aos especialistas e estudiosos do pensamento do Cardeal Newman, 7 de
abril de 1975).
Leitor assíduo e discípulo dos Padres, como eles, Newman
alimentou e motivou seu exercício e ministério teológicos, haurindo
continuamente, por meio da oração, da escuta e do estudo das Escrituras. Se com
sua vida de fé, Newman testemunhou a beleza e a praticabilidade do Evangelho,
com sua reflexão teológica, o presbítero anglicano e professor em Oxford, e
mais tarde presbítero católico oratoriano, ofereceu argumentos convincentes em
favor da credibilidade, solidez e sabedoria da fé.
"Um gênio complexo, poeta e místico" (Bremond),
líder do Movimento de Oxford durante a era anglicana, Newman foi uma referência
teológica confiável, apesar de anos de desconfiança entre seus compatriotas,
para a comunidade católica renascida na Inglaterra após sua dolorosa, mas
lúcida passagem para a Igreja de Roma. Defendendo a liberdade de consciência em
nome de uma fé incondicionalmente aberta à "luz suave" da Verdade e
dialogando dialógica e criticamente com as correntes do pensamento religioso,
filosófico e teológico da era vitoriana, Newman soube conjugar magistralmente a
relação entre fé e razão, aspecto crucial do pensamento ocidental, com uma
abordagem mais fenomenológica-personalista do que metafísica. Abriu, assim,
novos caminhos para a pesquisa teológica, chamada a oferecer razões para a
esperança que os crentes, especialmente os simples, são convidados a
testemunhar, ontem e hoje, nesta história humana amada por Deus. E aos simples,
Newman dedicou sua Gramática do Assentimento (1870), que o envolveu por toda a
vida, seguindo as linhas programáticas essenciais já delineadas nos Quinze
Sermões Universitários, proferidos entre 1830 e 1843.
Atualmente, sua obra, no horizonte da amizade entre as
razões da fé, fundadas na Revelação, e as exigências da razão, oferece-nos a
visão de uma fé jubilosa que dá confiança à razão diante do relativismo e o
cientificismo atual.
Entre outras obras teológicas de Newman, destacamos o Ensaio
sobre o desenvolvimento da doutrina cristã (1845), concluído pouco
antes de sua passagem para o catolicismo, no qual a categoria de Tradição é
evidenciada à luz da história secular da Igreja de forma dinâmica e criativa;
a Ideia de Universalidade (1854), fruto de sua experiência
como reitor da nova Universidade de Dublin, obra na qual os temas da unidade,
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade do conhecimento em diálogo com a
teologia (ver Veritatis Gaudium 4, aqui Newman é citado juntamente com Rosmini)
são antecipados no contexto de seu tempo. Ainda, Sobre a consulta dos fiéis
em matéria de doutrina (1859), no qual a visão eclesiológica —
delineada em The Prophetical Office, publicado em 1837 para dar
consistência teológica ao anglicanismo, mas retomado e corrigido no Terceiro
Prefácio da Via Media (1873) — nos ajuda a compreender a natureza
sinodal da Igreja hoje. E, por fim, a Carta ao Duque de Norfolk,
sobre o delicado tema da consciência, o lugar do coração na experiência de si
mesmo e de Deus (God and myself – “Deus e eu mesmo”), mas entendido
dentro do ato de fé do crente, como uma assunção subjetiva e responsável da
confissão objetiva de fé garantida pela Igreja.
Esses textos permanecem um ponto de referência hoje, tanto
para o amplo debate teológico contemporâneo quanto para a missão da Igreja
neste mundo em constante mudança, que apresenta novos desafios para a
inteligência da fé e oportunidades inéditas para a proclamação do Evangelho,
mas em uma dinâmica relacional que, no crente, envolve principalmente o coração
que se comunica com o coração (cor ad cor loquitur) e que certamente
envolve a inteligência.
*Arcebispo de Reggio Calabria – Bova
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