Vinte e cinco anos após o evento histórico com João Paulo
II, no alvorecer do novo milênio, a esplanada de Tor Vergata, Roma, se enche de
cores e bandeiras levadas pelos jovens de várias partes do mundo que vieram à
Cidade Eterna para o seu Jubileu. Junto com Leão XIV, eles cantaram, rezaram e
falaram em idiomas diferentes, mas numa única língua: a da fé.
Vatican News
A Vigília de Oração com o Papa Leão XIV, na noite deste
sábado (02/08), em Tor Vergata, em Roma, conta com participação de mais de 800
mil jovens que realizam o seu Jubileu.
Amizade
Intercalado com cantos, orações e testemunhos, durante a
vigília houve um momento de partilha entre o Papa e os jovens que fizeram ao
Pontífice algumas perguntas. Maria, de 23 anos, do México, fez uma
pergunta ao Papa sobre a amizade.
Santo Padre, somos filhos deste tempo: vivemos numa
cultura que nos pertence e que, sem nos darmos conta, nos molda; ela está
marcada pela tecnologia, especialmente no âmbito das redes sociais.
Frequentemente, iludimo-nos com a ideia de ter muitos amigos e criar relações
próximas, enquanto cada vez mais experimentamos diversas formas de solidão.
Estamos próximos e conectados com tantas pessoas e, no entanto, não são
relações verdadeiras e duradouras, mas passageiras e muitas vezes ilusórias.
Santo Padre, a minha pergunta é: como podemos encontrar uma amizade sincera e
um amor genuíno que nos levem à verdadeira esperança? Como pode a fé ajudar-nos
a construir o nosso futuro?
Papa Leão XIV: Queridos jovens, as relações com
outras pessoas são indispensáveis para cada um de nós, a começar pela razão de
que todos os homens e mulheres do mundo nascem filhos de alguém. A nossa vida
começa com um vínculo e é através de vínculos que crescemos. Neste processo, a
cultura desempenha um papel fundamental: é o código com o qual nos
compreendemos a nós mesmos e interpretamos o mundo. Como um dicionário, cada
cultura contém tanto palavras nobres quanto palavras vulgares, valores e erros
que devemos aprender a reconhecer. Buscando apaixonadamente a verdade, não
apenas recebemos uma cultura, mas transformamo-la através das escolhas de vida.
A verdade, com efeito, é um vínculo que une as palavras às coisas, os nomes aos
rostos. A mentira, pelo contrário, separa estes aspectos, gerando confusão e
mal-entendidos.
Entre as muitas conexões culturais que caracterizam a nossa
vida, a Internet e as redes sociais tornaram-se «uma oportunidade
extraordinária de diálogo, encontro e intercâmbio entre as pessoas, bem como de
acesso à informação e ao saber» (Papa Francisco, Christus vivit,
87). No entanto, estes instrumentos tornam-se ambíguos quando dominados por
lógicas comerciais e interesses que destroem as nossas relações em milhares de
fragmentos. A este respeito, o Papa Francisco recordava que, por vezes, «os
mecanismos da comunicação, da publicidade e das redes sociais podem ser
utilizados para nos tornar sujeitos adormecidos, dependentes do consumo» (Christus
vivit, 105). Então, as nossas relações tornam-se confusas, ansiosas ou
instáveis. Quando o instrumento domina o homem, o homem torna-se um
instrumento: sim, um instrumento do mercado e, por sua vez, uma mercadoria. Só
relações sinceras e laços estáveis fazem crescer histórias de vida boa.
Queridos jovens, qualquer pessoa deseja naturalmente esta
vida boa, como os pulmões buscam o ar, mas como é difícil encontrá-la! Há uns
séculos, Santo Agostinho, mesmo sem conhecer o desenvolvimento tecnológico de
hoje, compreendeu o desejo profundo do nosso coração. Também ele passou por uma
juventude tempestuosa, porém não se conformou, não silenciou o clamor do seu
coração. Ele procurava a verdade que não decepciona, a beleza que não passa.
Como a encontrou? Como encontrou uma amizade sincera, um amor capaz de dar
esperança? Encontrando Aquele que já o procurava: Jesus Cristo. Como construiu
o seu futuro? Seguindo a Ele, seu amigo desde sempre. Com palavras suas:
«Nenhuma amizade é fiel senão em Cristo. E só n’Ele pode ser feliz e eterna» (Contra
duas cartas dos pelagianos, I, I, 1); «ama verdadeiramente o seu amigo
aquele que no seu amigo ama a Deus» (Sermão 336, 2). A amizade com
Cristo, que está na base da fé, não é apenas uma ajuda entre muitas outras para
construir o futuro, é a nossa estrela polar. Como escreveu o beato Pier Giorgio
Frassati, «viver sem fé, sem um património a defender, sem lutar pela Verdade,
não é viver, é apenas ir vivendo» (cf. Cartas, 27 de fevereiro de
1925). Quando as nossas relações refletem este intenso vínculo com Jesus,
tornam-se certamente sinceras, generosas e verdadeiras.
Coragem para escolher
Gaia, uma italiana de 19 anos, falou e perguntou ao Papa
sobre a coragem para escolher.
Santo Padre, o nosso tempo é marcado por decisões
importantes que somos chamados a tomar para orientar a nossa vida futura. No
entanto, devido ao clima de incerteza que nos rodeia, somos tentados a adiar, e
o medo de um futuro desconhecido paralisa-nos. Sabemos que escolher significa
renunciar a algo e isso bloqueia-nos, mas, apesar de tudo, percebemos que a
esperança aponta para objetivos alcançáveis, mesmo que marcados pela
precariedade do momento presente. Santo Padre, perguntamos-lhe: onde encontrar
a coragem para escolher? Como podemos ser corajosos e viver a aventura da
verdadeira liberdade, fazendo escolhas radicais e cheias de sentido?
Papa Leão XIV: A escolha é um ato humano
fundamental. Observando-o com atenção, compreendemos que não se trata apenas de
escolher algo, mas de escolher alguém. Quando escolhemos, em sentido forte,
decidimos quem queremos ser. Na verdade, a escolha por excelência é a decisão
sobre a nossa vida: que homem queres ser? Que mulher queres ser? Queridos
jovens, aprende-se a escolher através das provações da vida e, antes de tudo,
lembrando que fomos escolhidos. Tal memória deve ser explorada e educada.
Recebemos a vida gratuitamente, sem a escolher! Na origem de nós mesmos não
houve uma decisão nossa, mas um amor que nos quis. Ao longo da existência, quem
nos ajuda a reconhecer e renovar esta graça nas escolhas que somos chamados a
fazer mostra-se verdadeiramente amigo.
Queridos jovens, vós dissestes bem: “escolher significa
também renunciar a outras coisas, e isso às vezes bloqueia-nos”. Para sermos
livres, é preciso partir de um fundamento estável, da rocha que sustenta os
nossos passos. Essa rocha é um amor que nos precede, surpreende e supera
infinitamente: o amor de Deus. Por isso, diante d’Ele, a escolha torna-se um
juízo que não tira nenhum bem, mas leva sempre ao melhor.
A coragem para escolher vem do amor que Deus nos manifesta
em Cristo. Foi Ele que nos amou com todo o seu ser, salvando o mundo e
mostrando-nos assim que o dom da vida é o caminho para realizar a nossa pessoa.
Por isso, o encontro com Jesus corresponde às expectativas mais profundas do
nosso coração, porque Ele é o Amor de Deus feito homem.
A este respeito, há vinte e cinco anos, aqui mesmo onde
estamos, São João Paulo II disse: «é Jesus quem buscais quando sonhais a
felicidade; é Ele quem vos espera, quando nada do que encontrais vos satisfaz;
Ele é a beleza que tanto vos atrai; é Ele quem vos provoca com aquela sede de
radicalidade que não vos deixa ceder a compromissos; é Ele quem vos impele a
depor as máscaras que tornam a vida falsa; é Ele quem vos lê no coração as
decisões mais verdadeiras que outros quereriam sufocar» (Vigília de oração
na XV Jornada Mundial da Juventude, 19 de agosto de 2000). O medo dá então
lugar à esperança, porque temos a certeza de que Deus leva a cabo tudo o que
começa. Reconhecemos a sua fidelidade nas palavras de quem ama verdadeiramente,
porque foi verdadeiramente amado. “Tu és a minha vida, Senhor”: é o que um
sacerdote e uma consagrada pronunciam cheios de alegria e liberdade. “Aceito-te
como minha esposa e como meu esposo”: é a frase que transforma o amor do homem
e da mulher em sinal eficaz do amor de Deus. Eis escolhas radicais e cheias de
significado: o matrimónio, a ordem sagrada e a consagração religiosa expressam
a doação de si mesmo, livre e libertadora, que nos torna verdadeiramente
felizes. Estas escolhas dão sentido à nossa vida, transformando-a à imagem do
Amor perfeito, que a criou e redimiu de todo o mal, inclusive da morte. Digo
isso pensando em duas jovens: María, uma espanhola de 20 anos, e Pascale, uma
egípcia de 18. Ambas escolheram vir a Roma para o Jubileu dos Jovens e
faleceram nos últimos dias. Rezemos juntos por elas, peregrinas da esperança;
rezemos por suas famílias, seus amigos e suas comunidades. Que Jesus
Ressuscitado as acolha na paz e na alegria do seu Reino. Rezemos também por um
jovem espanhol, Ignacio Gonzálvez, internado no hospital Menino Jesus. Rezemos
por ele e por sua saúde.
Apelo ao bem
A terceira e última pergunta foi feita por um jovem em
inglês relativa ao apelo ao bem.
Santo Padre, somos atraídos pela vida interior, mesmo se,
à primeira vista, somos julgados como uma geração superficial e
irrefletida. No íntimo de nós mesmos, sentimo-nos atraídos pelo belo e
pelo bem como fontes de verdade. O valor do silêncio, como nesta Vigília,
fascina-nos, ainda que às vezes gere medo por causa de uma sensação de vazio.
Santo Padre, gostaria de lhe perguntar: como podemos encontrar verdadeiramente
o Senhor Ressuscitado nas nossas vidas e ter a certeza da sua presença mesmo no
meio de provações e incertezas?
Papa Leão XIV: Para convocar este Ano Jubilar, o
Papa Francisco publicou um documento intitulado Spes non confundit,
que significa “a esperança não engana”. Neste documento, ele escreveu:
«No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expectativa do
bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã» (Spes non confundit,
1). Na Bíblia, a palavra “coração” geralmente refere-se ao mais íntimo de uma
pessoa, o que inclui a nossa consciência. A nossa compreensão do que é bom
reflete, então, como a nossa consciência foi moldada pelas pessoas que fazem
parte da nossa vida, aqueles que foram bondosos conosco, que nos ouviram com
amor e que nos ajudaram. Essas pessoas ajudaram-te a crescer na bondade e,
portanto, a formar a tua consciência para buscar o bem nas tuas escolhas
diárias.
Queridos jovens, Jesus é o amigo que sempre nos acompanha
durante a formação da nossa consciência. Se quereis realmente encontrar o
Senhor Ressuscitado, escutai a sua palavra, que é o Evangelho da salvação.
Refleti sobre o vosso modo de viver e procurai a justiça para construir um
mundo mais humano. Servi os pobres e dai assim testemunho do bem que sempre
gostamos de receber do nosso próximo. Adorai Cristo no Santíssimo Sacramento,
fonte da vida eterna. Estudai, trabalhai e amai segundo o exemplo de Jesus, o
bom Mestre que caminha sempre ao nosso lado.
A cada passo, enquanto buscamos o que é bom, peçamos-lhe:
fica conosco, Senhor (cf. Lc 24, 29). Fica conosco, porque sem
ti não podemos fazer o bem que desejamos. Tu queres o nosso bem; na verdade, Tu
és o nosso bem. Quem te encontra também quer que os outros te encontrem, porque
a tua palavra é uma luz mais brilhante do que qualquer estrela, que ilumina até
a noite mais escura. O Papa Bento XVI gostava de dizer que quem acredita nunca
está sozinho. Dito em outras palavras, encontramos Cristo na Igreja, isto é, na
comunhão daqueles que O buscam sinceramente. O próprio Senhor nos reúne para formar
uma comunidade de fiéis que se apoiam mutuamente. Quanto precisa o mundo de
missionários do Evangelho, que sejam testemunhas de justiça e paz! Quanto
precisa o futuro de homens e mulheres que sejam testemunhas de esperança!
Queridos jovens, esta é a tarefa que o Senhor Ressuscitado confia a cada um de
nós!
Santo Agostinho escreveu: « Tu o incitas para que sinta
prazer em louvar-te; fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração,
enquanto não repousa em ti. […] Que eu te busque, Senhor, invocando-te; e que
eu te invoque, crendo em ti» (Confissões, I, 1). Seguindo estas palavras
de Agostinho, e em resposta às vossas perguntas, gostaria de convidar cada um
de vós, queridos jovens, a dizer ao Senhor: “Obrigado, Jesus, por me terdes
chamado. O meu desejo é permanecer como um dos vossos amigos, para que,
abraçando-vos, eu possa também ser um companheiro de viagem para todos aqueles
que encontro. Concedei, Senhor, que aqueles que me encontram possam
encontrar-vos, mesmo através das minhas limitações e fraquezas”. Ao rezar estas
palavras, o nosso diálogo continuará cada vez que olharmos para o Senhor
crucificado, pois os nossos corações estarão unidos n’Ele. Por fim, a minha
oração por vós é que possais perseverar na fé, com alegria e coragem! Obrigado.
No final da Vigília de Oração, o Papa proferiu as seguintes
palavras:
Gostaria de agradecer ao coro e aos músicos: obrigado por
nos acompanharem! Obrigado a todos! Por favor, descansem um pouco. Nos
encontraremos aqui amanhã de manhã para a Santa Missa. Desejo o bem a todos
vocês. Boa noite!
Destaques em vídeo da Vigília de Oração em Tor Vergata:
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