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sábado, 18 de fevereiro de 2023

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES (5/16)

O cristianismo e as religiões | Politize!

COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES

(1997)

1.5. O debate cristológico

18. Por detrás da problemática teológica, que acabamos de ver, sempre esteve presente a questão cristológica, de que tratamos agora. Ambas estão intimamente conexas. Mas as consideramos separadamente devido à complexidade do problema. A dificuldade maior do cristianismo sempre se focalizou na "encarnação de Deus", que confere à pessoa e à ação de Jesus Cristo as características de unicidade e universalidade em ordem à salvação da humanidade. Como pode um acontecimento particular e histórico ter pretensão universal? Como entrar em um diálogo inter-religioso respeitando todas as religiões e sem considerá-las de antemão como imperfeitas e inferiores, se reconhecemos em Jesus Cristo e só nele o Salvador único e universal da humanidade? Não se poderia conceber a pessoa e a ação salvífica de Deus a partir de outros mediadores além de Jesus Cristo?

19. O problema cristológico está essencialmente vinculado com o do valor salvífico das religiões a que já nos referimos. Centramo-nos aqui um pouco mais no estudo das conseqüências cristológicas das posições teocêntricas. Uma delas é o chamado "teocentrismo salvífico", que aceita um pluralismo de mediações salvíficas legítimas e verdadeiras. Dentro dessa posição, como já observávamos, um grupo de teólogos atribui a Jesus Cristo um valor normativo, visto que sua pessoa e sua vida revelam, do modo mais claro e decisivo, o amor de Deus aos homens. A maior dificuldade dessa concepção está em que não oferece, nem para dentro nem para fora do cristianismo, uma fundamentação dessa normatividade atribuída a Jesus.

20. Outro grupo de teólogos defende um teocentrismo salvífico com uma cristologia não-normativa. Desvincular a Cristo de Deus priva o cristianismo de qualquer pretensão universalista da salvação (e assim se possibilita o diálogo autêntico com as religiões), mas implica ter de se enfrentar com a fé da Igreja, especialmente com o dogma de Calcedônia. Estes teólogos consideram que este último é uma expressão historicamente condicionada pela filosofia grega, que deve ser atualizada porque impede o diálogo inter-religioso. A encarnação seria uma expressão não objetiva, mas metafórica, poética, mitológica. Pretende apenas significar o amor de Deus que se encarna em homens e mulheres cujas vidas refletem a ação de Deus. As afirmações da exclusividade salvífica de Jesus Cristo podem se explicar pelo contexto histórico-cultural: cultura clássica (só uma verdade certa e imutável), mentalidade escatológico-apocalíptica (profeta final, revelação definitiva) e atitude de uma minoria (linguagem de sobrevivências, um único salvador).

21. A conseqüência mais importante dessa concepção é que Jesus Cristo não pode ser considerado o único e exclusivo mediador. Só para os cristãos é a forma humana de Deus, que possibilita adequadamente o encontro do homem com Deus, embora sem exclusividade. E totus Deus, porque é o amor ativo de Deus nesta terra, porém não totum Dei, pois não esgota em si o amor de Deus. Poderíamos dizer também: totum Verbum, sed non totum Verbi. Sendo maior que Jesus, o Logos pode se encarnar também nos fundadores de outras religiões.

22. Essa mesma problemática reaparece quando se afirma que Jesus é Cristo, mas Cristo é mais que Jesus. Isso facilita sobre maneira a universalização da ação do Logos nas religiões. Porém, os textos neotestamentários não concebem o Logos de Deus prescindindo de Jesus. Outro modo de argumentar nessa mesma linha consiste em atribuir ao Espírito Santo a ação salvífica universal de Deus, que não conduziria necessariamente à fé em Jesus Cristo.

1.6. Missão e diálogo inter-religioso

23. As diferentes posições ante as religiões provocam compreensões diversificadas com relação à atividade missionária da Igreja e com relação ao diálogo inter-religioso. Se as religiões são sem mais caminhos para a salvação (posição pluralista), então a conversão deixa de ser o objetivo primeiro da missão, uma vez que o importante é que cada um, animado pelo testemunho dos outros, viva profundamente sua própria fé.

24. A posição inclusivista já não considera a missão como tarefa para impedir a condenação dos não-evangelizados (posição exclusivista). Inclusive reconhecendo a ação universal do Espírito Santo, observa que esta, na economia salvífica querida por Deus, possui uma dinâmica encarnatória que a leva a se expressar e a se objetivar. Dessa maneira a proclamação da palavra conduz essa mesma dinâmica à sua plenitude. Não significa apenas unia tematização da transcendência, mas a maior realização dessa mesma transcendência, ao pôr o homem diante de uma decisão radical. O anúncio e a aceitação explícita da fé faz crescer as possibilidades de salvação e também a responsabilidade pessoal. Além disso, a missão é atualmente considerada como tarefa dirigida não só aos indivíduos, mas sobretudo aos povos e às culturas.

25. O diálogo inter-religioso se fundamenta teologicamente seja na origem comum de todos os seres humanos criados à imagem de Deus, seja no destino comum que é a plenitude da vida em Deus, seja no único plano salvífico divino por intermédio de Jesus Cristo, seja na presença ativa do Espírito divino entre os adeptos de outras tradições religiosas (Diálogo e Anúncio, 28). A presença do Espírito não se dá do mesmo modo na tradição bíblica e nas outras religiões, porque Jesus Cristo é a plenitude da revelação. No entanto, experiências e percepções, expressões e compreensões diversas, provenientes talvez do mesmo "acontecimento transcendental", valorizam sobremaneira o diálogo inter-religioso. Exatamente por meio dele pode-se desenvolver o próprio processo de interpretação e compreensão da ação salvífica de Deus.

26. "Uma fé que não se fez cultura é uma fé que não foi plenamente recebida, não foi inteiramente pensada, não foi fielmente vivida." Essas palavras de João Paulo II em uma carta ao cardeal secretário de Estado (20 de maio de 1982) tornam clara a importância da inculturação da fé. Constata-se que a religião é o coração de toda cultura, como instância de sentido último e força estruturante fundamental. Desse modo, a inculturação da fé não pode prescindir do encontro com as religiões, que deveria se dar sobretudo por meio do diálogo inter-religioso (1).

NOTA: CAPÍTULO I:

1. Cf. Commissio Theologica Internationalis, Fides et inculturatio, c. III, 10; cf. Greg 70 (1989), p. 640.

Fonte: https://www.vatican.va/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF