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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A antiga história de Nabot se repete cotidianamente (2/3)

Abel assassinado pelo seu irmão Caim. 
Catedral deMonreale (século XII), 
Palermo, Itália | 30Giorni

Arquivo de 30Dias – 04/2009

A antiga história de Nabot se repete cotidianamente

Assim inicia Santo Ambrósio a sua obra De Nabuthae, que toma o nome do mísero que contrariou o então potente do trono.

O retrato mais antigo de Santo Ambrósio, que remonta ao séc. V. Detalhe do mosaico da Capela de São Vítor, na Basílica de Santo Ambrósio em Milão

de Lorenzo Cappelletti

Uma cobiça sanguinária
Mas voltemos ao Ambrósio do De Nabuthae, que escolhe (ao menos à primeira vista) um leitmotiv de caráter social: o verdadeiro pobre é o rico, ou, se quisermos, o rico não é um verdadeiro pobre: é miseravelmente indigente, porque procura aquilo que é dos outros; na sua cobiça “não há a disposição da humildade mas o ardor da cupidez” (2, 8). Portanto, a sua é uma forma de insânia. Assim como é insano o despeito pelo qual, à recusa de Nabot, o rico Acab deixa de dormir e de comer. Como é diferente o jejum do pobre, “que não tem nada e não sabe jejuar voluntariamente senão para Deus, não sabe jejuar senão por necessidade” (4, 16).
Mas a insânia é ainda mais profunda. Na realidade o rico não pretende possuir, quanto excluir a posse de qualquer outro bem. Produzindo conseqüências econômicas desastrosas, para aquela época. E agora não é diferente. Assim fala o rico: “Enquanto espero, que os preços aumentem, perdi o hábito de fazer caridade. Quantas vidas de pobres poderia ter salvado com o trigo do ano passado? Teriam me deixado mais feliz estas recompensas. O avaro está sempre arruinado pela abundância dos produtos, porque prevê uma desvalorização dos gêneros alimentícios. Com efeito, uma rica produção é um bem para todos, a carestia tem vantagens apenas para o avaro. Alegra-se mais pelos preços altíssimos do que pela abundância dos bens e prefere ter aquilo que só ele pode vender do que vender junto com todos os outros” (7, 33. 35). Enfim os ricos crêem que só eles tem o direito de viver. Mas isto é contra a natureza. “Por que expulsais aquele com o qual tens em comum a natureza e pretendeis possuir a natureza só para vós? A terra foi criada como um bem em comum para todos, para os ricos e para os pobres” (1, 2).
Este é o conteúdo da obra que mais apaixonou e provocou discussões nos anos Cinquenta e Sessenta na Itália, tanto que o De Nebuthae terminou na primeira página do jornal comunista L’Unità e poucos dias depois também na primeira página do jornal L’Osservatore Romano em abril de 1950. Em plena guerra fria, surpreende, seja dito entre parênteses, a liberdade com que o L’Osservatore Romano<="" span="" style="padding: 0px; margin: 0px;">
Mas o rico opõe a este convite o julgamento corrente de que sobre o pobre pesaria a maldição de Deus e que portanto não serviria a nada doar. Ambrósio, sem discutir esta questão, corta logo: “Não procurar aquilo que cada um merece. A misericórdia não costuma julgar os méritos, mas socorrer às necessidades, ajudar o pobre, não examinar aquilo que é justo”. Porque ele sabe que a partir desta busca de uma própria justiça se desenvolve uma terrível cadeia que chega até o homicídio. “Tu estás triste porque queres considerar a medida da justiça para não roubar aquilo que é dos outros: eu [é o rico Acab que fala] tenho os meus direitos, tenho as minhas leis. Caluniarei para despojar; e para que a propriedade do pobre seja roubada, será atingida a sua vida [...]. Com que evidência foi descrito o modo de agir dos ricos! Ficam tristes se não roubam os bens alheios, renunciam à comida, jejuam, não para reprimir o pecado, mas para facilitar o crime. Podem ser vistos na igreja zelosos, humildes, perseverantes, para merecer o sucesso do delito” (9, 41; 10, 44). Tanto que para escapar da ameaça que pesa sobre o rico – “por aquela morte cruel, que infligiu ao outro, ele mesmo está condenado a pagar com a própria horrível morte” (11, 48) – não valem, digamos assim, as obras de religião. A sua devoção, que vimos não se tratar de uma devoção mas de "cobiça sanguinária”, cruenta luxuries (11, 49) – não é benéfica para o rico: “Ofereçam ao Vosso Senhor Deus dons, devolvam a ele na pessoa do pobre, entreguem ao necessitado, emprestando a ele como a um mísero, já que não podeis dar-lhes satisfação de outro modo devido às vossas infâmias. Façam vosso devedor aquele que temeis como vingador” (16, 67). Se o rico pode apenas chorar os seus pecados e doar, o pobre pode apenas pedir: “Rezeis e agradeceis ao Senhor vosso Deus, vós, todos aqueles que em torno a ele ofereceis dons, isto é, rendeis graças, ó pobres, porque Deus não considera as aparências. Aqueles outros acumulem as riquezas, juntem tanto dinheiro, reúna tesouros de ouro e de prata; vós, que outras coisas não possuís, rezai; rezai vós que possuís apenas isso, o que é mais precioso do que o ouro e a prata” (16, 68).

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF