DANTE NOS ESTADOS UNIDOS
Arquivo 30Dias nº 05 - 2006
E então saímos para ver as estrelas e as listas
O interesse por Dante nos Estados Unidos, explicado por uma
docente da James Madison University da Virgínia.
de Giuliana Fazzion
Em 1843, Thomas W. Parsons publicou em Boston a primeira
tradução americana de uma boa parte da Divina Comédia (os
primeiros 10 cantos do Inferno). Devemos dizer que naquele tempo,
quando escreviam sobre Dante, os críticos e os escritores se baseavam no modelo
inglês. Mas nos círculos intelectuais americanos havia um desejo de
independência da influência inglesa tão grande, que deu uma nova vitalidade à
cultura nacional. Esses intelectuais americanos puseram sua rebelião em prática
importando novas correntes de arte e de pensamento das literaturas do
continente europeu. E entre essas correntes, despontando sobre todas as outras,
estava a representada por Dante, ao qual todos os intelectuais se dirigiram
para encontrar a beleza de novos mundos e novos horizontes de pensamento e de
arte. Ergueram para o poeta um monumento próximo aos de Shakespeare e Milton, e
Dante se tornou para eles quase o símbolo de uma cultura cosmopolita a ser
seguida como ideal de um futuro iminente. Esse movimento levou muitos
estudantes e estudiosos americanos a viajarem para a Europa, sobretudo para
Florença, Roma, Veneza e Paris. Graças a um contato crescente, chegou-se a considerar
a literatura italiana superior à francesa. Num artigo publicado em 1817 na
revista literária North American Review, dizia-se que a língua
italiana, muito mais que a francesa, se adaptava amplamente a todo tipo de
composição; tinha mais dignidade e força, uma ampla facilidade de expressão,
uma imensa doçura e harmonia. As revistas literárias North American
Review, entre 1815 e 1850, ano de seu encerramento, e American
Quarterly Review, em seus dez anos de vida, publicaram mais ensaios,
artigos e notas sobre a literatura, a arte e a história italianas do que os que
dedicaram à cultura de outros países europeus, como a França e a Alemanha. Já
em 1822, traduções inglesas britânicas de Dante, Petrarca, Ariosto e Tasso
haviam sido reimpressas na América. E, em 1850, 103 textos italianos (algumas
reimpressões de traduções já publicadas na Inglaterra e novas versões feitas
nos Estados Unidos) chegaram às tipografias americanas. Esse período
corresponde ao Romantismo, quando a América encontrou pela primeira vez a Idade
Média. E o melhor guia para conhecer o verdadeiro mundo medieval foi
a Divina Comédia, que deu aos americanos o quadro completo desse período
histórico, a chave para entrar na poesia e na arte, na filosofia e na teologia,
no pensamento religioso e político medievais. Mas Dante e seu mundo não se
oferecem facilmente às mentes despreparadas. No canto I do Inferno,
Dante diz que “longo estudo” e “grande amor” são o preço a pagar se se quer
“penetrar” o segredo de sua arte e a essência do espírito medieval, do qual
a Divina Comédia é a mais alta expressão. Deveriam se passar
muitos anos de duro trabalho e perseverança antes que Dante e a Idade Média
conquistassem o lugar que ocupam hoje na cultura americana.
Como mencionado anteriormente, a primeira tradução americana de um trecho de Dante (o episódio do conde Ugolino) foi publicada em 1791.
Uma das primeiras traduções que chegaram aos EUA foi a do autor inglês Henry Cary, que traduziu o Inferno em 1805 e toda a Divina Comédia em 1814.
Mas mesmo boas traduções como a de Cary não são capazes de oferecer um
conhecimento profundo da arte do grande poeta, quando não se é capaz de
compreender a língua em que sua Comédia foi escrita.
O primeiro professor oficial de italiano nos Estados Unidos
de que temos conhecimento foi Carlo Bellini, a quem, em 1779, graças à ajuda de
seu amigo Filippo Mazzei e com a recomendação do presidente Thomas Jefferson,
foi conferida a cátedra da faculdade de Línguas da Universidade “William &
Mary”. Bellini aproveitou essa oportunidade para iniciar cursos sobre Dante.
Deixou a cátedra em 1803.
Numa ainda pequena Nova York viria a estabelecer-se, em
1805, Lorenzo Da Ponte (1749-1838), o aventuroso literato vêneto que, banido de
Veneza, mudou-se primeiramente para Dresdem e depois para Viena, a corte do
imperador José II, onde preparou, para Mozart, os libretos das Bodas de
Fígaro, de Assim fazem todas e do Don Giovanni.
Entre amores e intrigas, deixou Viena e foi para Londres. Desposou uma inglesa
e depois se estabeleceu nos Estados Unidos. Lá foi o primeiro a abrir uma
escola particular, na qual o italiano finalmente era ensinado por um professor
competente. Da Ponte, em 1807, fundou a Academia de Manhattan, onde ele e sua
esposa ensinavam latim, francês e italiano aos jovens. Naquele mesmo ano
publicou em Nova York uma pequena autobiografia em italiano à qual acrescentou
em apêndice as traduções do episódio do conde Ugolino e de algumas partes
do Inferno. Esse livro, que Da Ponte montara para suas aulas, é
importante porque foi o primeiro texto em italiano a ser impresso na América.
Da Ponte adorava Dante, e assim que seus alunos começavam a saber usar os
verbos, os adjetivos e os substantivos, ele os fazia ler a Divina
Comédia e os estimulava a aprenderem versos de cor. Foi chamado a
lecionar italiano no Columbia College, e também ali encontrou uma maneira de
introduzir temas dantescos. Enquanto Da Ponte lecionava em Nova York, em Boston
se estabelecia um jovem siciliano, Pietro D’Alessandro, poeta romântico em
exílio político, que ganhava a vida dando aulas de italiano; mais tarde uniu-se
a ele outro siciliano, Pietro Bachi, com uma preparação cultural excelente, que
o levaria a lecionar italiano em Harvard, onde seria o primeiro professor dessa
língua, tornando-se depois assistente de George Ticknor. Este último, professor
de Línguas e Literaturas Estrangeiras, em 1831 dedicou a Dante um primeiro
curso específico. Ticknor deixaria Harvard em 1835 e seu sucessor na cátedra de
Línguas e Literaturas Estrangeiras seria Henry Wadsworth Longfellow.
Longfellow, a partir de então, começaria a ensinar Dante intensamente e
continuaria a ensiná-lo durante vinte anos, ou seja, durante todo o período em
que lecionou em Harvard. No inverno de 1838, Longfellow leu o Purgatório a
sua classe de Harvard e o comentou. Foi para esse curso, justamente, que
começou a traduzir versos do Purgatório para o inglês. Longfellow
iniciou a tradução sistemática do Purgatório em 1843, mas esse
foi um lento processo, mesmo porque, nos dez anos que se seguiram, dedicou-se a
trabalhos originais. Terminou-a em 1853. Depois de uma outra longa pausa,
devida à trágica morte da esposa, voltou à tradução da Divina Comédia em
1861. Desta vez trabalhou com tenacidade e em 1863 completou o Inferno.
A Divina Comédia estaria completamente traduzida em 1867.
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