Translate

segunda-feira, 14 de julho de 2025

DANTE NOS ESTADOS UNIDOS: E então saímos para ver as estrelas e as listas (Parte 1/4)

As imagens são de Sandow Birk, extraídas de Dante, Inferno, San Francisco, Chronicle Books. Imagem do inferno dantesco, detalhe | 30Giorni

DANTE NOS ESTADOS UNIDOS

Arquivo 30Dias nº 05 - 2006

E então saímos para ver as estrelas e as listas

O interesse por Dante nos Estados Unidos, explicado por uma docente da James Madison University da Virgínia.

de Giuliana Fazzion

A presença de Dante na cultura americana remonta a 1867, quando o poeta Henry Wadsworth Longfellow concluiu a primeira tradução americana da Divina Comédia. O poeta Longfellow, em 1865, fundou um círculo para a tradução de Dante em sua casa em Cambridge, Massachussetts. O poeta James Russell Lowell, o médico Oliver Wendell Holmes, o estudioso de história George Washington Greene, o editor James Fields e Charles Norton, professor de história da arte, colaboraram com Longfellow na primeira tradução integral da Divina Comédia. Seu grupo se chamou “Dante Club” e, em 1881, tornou-se oficialmente “The Dante Society of America”, cujos três primeiros presidentes foram Longfellow, Lowell e Charles Elliot Norton. Antes da tradução de Longfellow, Dante era pouco conhecido nos EUA (na cultura popular), onde não se falava italiano, não se ensinava frequentemente a língua italiana, não se viajava para a Europa com assiduidade, e os poucos italianos presentes no País estavam espalhados um pouco por toda a parte.

Como Dante chegou à América? Via Inglaterra, onde, na época do Renascimento, havia um grandíssimo interesse pela língua e pela literatura italianas. Depois, esse interesse diminuiu com o fim da era elisabetana. Mas foi retomado nos últimos anos do século XVIII e nos primeiros dez anos do XIX, e se concentrou muitíssimo no estudo da poesia de Dante. Assim, foi em inglês britânico que a Divina Comédia foi traduzida inteiramente pela primeira vez. E foi assim que atravessou o oceano e encontrou seus primeiros leitores americanos.

Não foi, porém, um caso de “vim, vi, venci”: Dante, como todos os imigrantes do Velho Continente, teve de esperar muitos anos, pacientemente, antes de conquistar seu lugar na nova terra.

Por muitos aspectos, poderia parecer singular o fato de o interesse por Dante ter encontrado nos Estados Unidos da América um fertilíssimo terreno de desenvolvimento, desde o início e das mais diversas formas. A imagem da América expansiva e um pouco barulhenta, difundida pelo cinema e por parte da literatura, não corresponde totalmente à verdade. Pois, na realidade, a América oculta componentes complexos, tortuosos, e continua a ser atravessada, como escreveu Perry Miller (autor de estudos sobre a ideologia puritana), pela “corrente subterrânea” das tensões ético-religiosas ligadas às suas origens, ao seu nascimento. Essa sensibilidade perante o aspecto ético-religioso é um dado fundamental para entender a América, que “nasceu como mito religioso e se configurou inicialmente como sonho de uma nova polis do outro lado do oceano, de uma nova Jerusalém desejada com intensidade quase agostiniana e ao mesmo tempo com vigor dinâmico e ativista. Essa vasta e intacta paisagem, esse espaço americano era um campo de aventura e terreno cheio de misteriosas simbologias”. Apesar de todas as enormes mudanças que ocorreram e do fato de milhões de imigrantes terem depois, de todas as partes, se transferido para o Novo Mundo, a base de tudo continuou a ser a aventura dos grupos puritanos, os quais, perseguidos na Inglaterra, atravessaram o Atlântico a bordo da “Mayflower” no final do outono de 1620 e fundaram nas vizinhanças de Cape Cod a colônia de Plymouth.

Os puritanos eram zelosos, rigorosos, exasperavam até o mais lúgubre fanatismo o princípio protestante da consciência livre, da relação direta e dramática entre o homem e Deus. E, sobretudo, tinham uma sensibilidade pronta a inflamar-se pelos símbolos e pelas alegorias, enquadravam eventos, pessoas e natureza numa espécie de código de sinais e figuras, quase tardo-medieval. Além disso, como diz um escritor ao falar da filosofia americana, o caráter da religiosidade puritana se desenvolveu desde as origens numa direção rigorosamente lógico-intelectualista, graças à qual não era possível chegar, ou tentar chegar, a entender o próprio Deus sem desenvolver “uma história de disciplina da mente humana”.

Para uma cultura como a puritana, caracterizada por um trabalho de escavação tenaz, muitas vezes obsessivo (basta lembrar os diários dos puritanos), e pela recorrente análise dos temas do pecado e da salvação, boa parte da literatura italiana veio a parecer “cheia de um caráter profano”, impregnada de espírito “papista” e “paganizante”. Aos puritanos mais obstinados, poderia chegar a parecer que na literatura italiana se concentrasse tudo aquilo de que o homem puritano e “virtuoso” deveria fugir.

Enquanto isso, Dante parecia ser o único, ou quase o único, passível de ser “recuperado”, pelas qualidades de energia ética e firmeza de caráter. A própria mídia protestante já havia lançado mão, para as suas polêmicas antipapistas, de posturas e trechos de Dante. Um exemplo significativo nos é oferecido, nos Estados Unidos, pelo eminente teólogo e pregador John Cotton, que incluiu Dante numa série de figuras que considera chamadas por Deus a testemunhar em favor de um “primeiro renascimento”, ao qual se seguiria, por obra do protestantismo, uma completa “ressurreição” do cristianismo baseado no “ministério do Evangelho”.

Entre o Iluminismo e o Pré-Romantismo

Mas no século XVIII e no período pré-romântico, o puritanismo ia já absorvendo outros filões culturais e, com as influências exercidas pela nova física newtoniana, por Locke e pelo movimento iluminista em geral, ia-se cada vez mais estreitando “a relação entre Deus e a razão”. Durante todo o século XVIII, o intelectualismo teológico e o ativismo puritano iam-se fundindo com posições de iluminismo moderado e com conceitos como liberdade e salvação cada vez mais empregados em sentido político-constitucional. A respeito da literatura e da própria imagem da Itália continuava, porém, a prevalecer a postura de desconfiança-deferência. Associava-se à imagem da Itália a evocação de paixões exageradas, de fascinantes e ao mesmo tempo desastrosas seduções expressas numa “língua elegante”. No entanto, Dante parecia situar-se numa espécie de zona de grandeza severa e solitária, o que foi ainda mais sublinhado com a difusão das primeiras tensões e inquietações pré-românticas, do gosto pelo excelso e pelo sublime. Não deve admirar que a primeira tradução de um trecho de Dante que surgiu nos Estados Unidos tenha sido a do famosíssimo episódio, horrível e patético, do conde Ugolino, publicado na revista New York Magazine em 1791. O autor era William Dunlap, escritor, pintor, ativíssimo e aventureiro empreendedor teatral, diretor e operador cultural.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF