Doutor da igreja, cantor, inventor do celibato: conheça
todos os papas Leão da história
Escolha do nome papal de Robert Francis Prevost, o Leão XIV,
pode dar pistas sobre o futuro de seu pontificado.
Por Daniel Médici,
Ana Montoro, g1
11/05/2025
Ao ser escolhido para o cargo mais importante da Igreja
Católica, o então cardeal Robert Prevost decidiu adotar o nome de Leão
XIV.
A tradição de trocar de nome remete a Jesus Cristo, que,
segundo o Novo Testamento, mudou o nome do pescador Simão para Pedro — os papas
são considerados pela Igreja sucessores do apóstolo.
O nome escolhido também pode dar pistas daquilo que um novo
papa almeja para seu pontificado. Jorge Bergoglio, por exemplo, adotou o nome
de Francisco para remeter a um papado marcado pela simplicidade e que
desse atenção aos pobres, em referência a São Francisco de Assis.
Ao contrário de Francisco, inédito até então, Leão
é um dos nomes papais mais comuns da história. Neste sábado, o
novo papa disse ter se inspirado em Leão XIII (1878-1903), que abordou a
questão social no contexto da primeira revolução industrial.
Conheça, a seguir a história de todos os 13 papas que já
lideraram os católicos antes do americano.
Leão I (440 - 461)
Leão
I foi o 45º papa da Igreja Católica e um dos mais celebrados, conhecido
como Leão Magno. De origem na aristocracia romana da Toscana, ele é
considerado um Doutor da Igreja por sua contribuição para a
Cristologia, disciplina da teologia que debate as essências divina e humana de
Jesus.
Ele assumiu o papado em 29 setembro de 440, iniciando um
pontificado que seria marcante para a centralização do governo da Igreja
Romana. O pontífice permaneceu no cargo por 21 anos.
Um dos episódios marcantes de seu pontificado foi o encontro
com Átila, líder dos hunos, um dos mais famosos artífices das
invasões bárbaras. O encontro ocorreu perto de Mântua, no ano de 452. Segundo a
história, após a conversa, Átila teria desistido de invadir Roma.
Leão foi o responsável por escrever o 'Tomo de Leão',
uma carta enviada por ele ao patriarca de Constantinopla, Flaviano. O documento
explica como Cristo tem duas naturezas, uma humana e outra divina, que não
podem ser dissociadas. Durante o Concílio de Calcedônia, em 451, o documento
foi aceito como uma explicação doutrinária da pessoa de Cristo.
A carta defende que Cristo não era de natureza humana,
mas sim "o Verbo feito carne", ou seja, viveu em um corpo que foi
criado diretamente para esse propósito, e não um corpo verdadeiramente derivado
do corpo de sua mãe.
Leão Magno foi contemporâneo de Santo Agostinho,
inspiração da ordem agostiniana da qual Leão XIV faz parte.
Leão II (682-683)
O segundo papa Leão nasceu na Sicília, por volta de 610, e
teve um pontificado breve durante o período conhecido como Papado Bizantino, no
qual os papas estavam sujeitos à aprovação do imperador bizantino, que
controlava de Constantinopla o Império Romano do Oriente.
São Leão II, como é conhecido pela Igreja, manteve
boas relações com o então imperador Constantino IV, o que lhe rendeu uma ajuda
para trazer o arcebispado de Ravena (uma importante cidade medieval, localizada
na atual Itália) novamente para o controle de Roma.
No campo teológico, ele ratificou a condenação ao monotelitismo,
uma doutrina que defendia que Cristo tinha uma única essência, considerada a
partir de então uma heresia. Tido como um grande cantor, ele também deu
contribuições importantes para a música gregoriana.
Leão III (795-816)
Também considerado santo, ele foi o responsável por
coroar Carlos Magno, seu protetor, como imperador na antiga
Basílica de São Pedro, em Roma. O ato é considerado fundador do Sacro
Império Romano-Germânico e ajudou a consolidar a ideia de que só o
papa poderia coroar reis.
O imperador bizantino, no entanto, considerava Carlos Magno
um usurpador, e as tensões contribuíram para a deflagração do processo que
culminou no Grande Cisma Oriente-Ocidente, a separação entre as
igrejas Apostólica Romana e Ortodoxa.
Leão IV (847-855)
São Leão IV é conhecido por reconstruir Roma e
diversas igrejas dos saques dos árabes sarracenos, frequentes na época na
península Itálica. Ele reforçou as fortificações da cidade, construindo as
Muralhas Leoninas, mas também tomou iniciativas para proteger outras cidades
que eram alvos frequentes dos assaltos, como Civitavecchia.
Ele também ganhou fama de ter mão de ferro contra abusos
cometidos por figuras eclesiásticas poderosas, censurando o arcebispo de Reims
e excomungando um cardeal de forma a manter a obediência do clero a Roma.
Leão V (903)
Pouco se sabe sobre a vida do pontífice que governou durante
o período conhecido como "Século Obscuro" da Igreja
Católica, no século 10, dominado por conflitos internos e pela submissão do
clero à aristocracia romana. Leão V foi papa entre agosto e setembro, até ser
deposto e encarcerado por Cristóvão, hoje considerado um antipapa.
Ele provavelmente foi morto na prisão.
Leão VI (928-929)
Outro papa do "Século Obscuro" e de pontificado
breve, de apenas sete meses. Sabe-se que foi escolhido pela senadora Marozia para
o cargo, então matriarca de uma poderosa família em Roma, que havia ordenado a
deposição de seu antecessor, João X.
Leão VII (936-939)
Provavelmente um monge beneditino, ele também sucedeu um
papa João (o XI), também aprisionado. Conseguiu mediar uma trégua, com
a ajuda do abade de Cluny, entre o duque de Roma e o rei da Itália, que
promovia um cerco à cidade. Sabe-se também que ele proibiu que o arcebispo
de Mainz de batizar judeus à força em sua diocese —ao mesmo tempo em que
permitiu a expulsão de judeus que recusassem o batismo.
Leão VIII (963-965)
Vinha de uma família da nobreza romana e um raro caso de
um leigo que foi promovido a papa, Leão VIII é uma figura controversa, já que
seu período à frente da Igreja conflita com o de João XII e Bento V, que também
reivindicavam o trono de Pedro.
Ele foi nomeado pelo imperador do Sacro Império Romano Otto
I e considerado atualmente por alguns pesquisadores um antipapa nos
primeiros anos de seu pontificado, e papa no restante dele.
Leão IX (1049-1054)
Bruno de Egisheim, nascido na Alsácia (atual França)
em 1002, tornou-se um dos papas medievais mais importantes ao combater a
simonia (compra e venda de cargos eclesiásticos) e o casamento de membros do
clero. Uma de suas primeiras ações, inclusive, foi instituir
formalmente o celibato na Igreja.
Pela bandeira da moralidade e por viagens a diferentes
pontos da Europa, ele ajudou a consolidar a figura do papa mais como líder
espiritual e menos como um senhor feudal. Isso não o impediu de
chefiar pessoalmente uma campanha militar contra os normandos no sul da Itália,
da qual saiu derrotado. Foi mantido prisioneiro e morreu pouco após a
libertação.
Durante seu papado, as relações de Roma com o patriarca de Constantinopla
se deterioraram, precipitando o Grande Cisma Oriente-Ocidente.
Leão X (1513-1521)
O nome Leão só volta a surgir entre os papas depois de quase
500 anos. Giovanni de Médici era o segundo filho de Lorenzo o
Grande e membro da família de Florença conhecida por patrocinar alguns dos
maiores artistas da Renascença italiana.
Seu papado ajudou Roma a se tornar novamente um grande
centro cultural. Os trabalhos da atual Basílica de São Pedro foram acelerados
—e pintores, escultores e arquitetos foram atraídos para a cidade.
O custo das obras, bem como das guerras empreendidas
pelos Estados Papais, secou os cofres da Igreja. A venda de indulgências
(perdão para os pecados), autorizada por Júlio II, seu antecessor, seguiu a
todo vapor. Leão X também se envolveu em escândalos e foi acusado de viver com
muitos luxos e pouca moralidade para os padrões católicos.
Isso fomentou a ira de alguns fiéis, entre eles Martinho
Lutero, excomungado por Leão X no último ano de vida do papa. O luteranismo
não foi visto por seu papado como uma grave ameaça, mas provocaria o Grande
Cisma do Ocidente alguns anos depois e o surgimento do protestantismo.
Leão XI (1605)
Outro membro da família Medici, Leão XI teve um dos
pontificados mais breves da história, de 1º a 27 de abril de 1605. Foi ordenado
padre já depois dos 30, após a morte de sua mãe, que não queria o único filho
homem no clero.
Sua vitória no conclave foi patrocinada pelo rei da França,
e vista como um ato de desafio dos cardeais ao rei espanhol. Escolheu o nome em
homenagem a seu tio, Leão X. Aos 69 anos, porém, estava fraco e sucumbiu a uma
febre, num período em que não havia medicamentos.
Leão XII (1823-1829)
O cardeal Annibale della Genga já tinha 63
anos, idade considerada avançada no século 19, quando tornou-se papa. Ele era
um candidato da ala reacionária da Igreja e, acredita-se, o fato de parecer
estar à beira da morte ajudou a convencer os cardeais liberais a votarem nele
para encerrar um conclave que se arrastava por quase um mês.
Leão XII sofreu com problemas de saúde ao longo de todo o
seu pontificado, que durou surpreendentes cinco anos e meio. Como chefe dos
Estados Papais, ele tentou reorganizar as finanças da nação, sem sucesso.
Também tomou decisões autoritárias, como a proibição de
judeus de terem posses. Reverteu muitas reformas liberais de seu antecessor,
Pio VII, e condenou a maçonaria, por considerar pagãos seus rituais secretos.
Fez avanços nas relações exteriores da Igreja. Em retrospecto, é considerado um
papa impopular.
Papa Leão XIII (1878-1903)
Ele disse ter escolhido seu nome pela admiração que tinha
por Leão XII, sobretudo nas áreas de educação e diplomacia. Ao contrário
daquele, porém, a reputação de seu pontificado sobreviveu aos dias atuais, e
Leão XIII pode ter sido a principal inspiração para o nome escolhido por Robert
Prevost.
Pela primeira vez em séculos, o papa não era mais chefe de
Estado, já que seus territórios haviam sido anexados pelo Reino da Itália em
1870. Leão XIII foi considerado hábil na diplomacia, fortalecendo laços com
diversos países europeus, embora Igreja e Itália mantivessem mútua
desconfiança. O pontífice seguiu a política de seu antecessor, Pio IX, de se
autodeclarar encarcerado no Vaticano pela
Coroa italiana.
Na teologia, Leão XIII buscou recuperar o pensamento do
pensador medieval São Tomás de Aquino — e por tabela, de Santo Agostinho.
Na visão dos arquivos do Vaticano e historiadores, Leão
XIII foi um papa inovador para sua época, buscando conciliar a
tradição da Igreja com os desafios do mundo moderno, especialmente nas áreas
social, filosófica e diplomática.
Foi ele que publicou a famosa encíclica Rerum
Novarum (1891), que abordou a questão operária, os direitos dos
trabalhadores e a justiça social. Este documento é considerado o marco inicial
da Doutrina Social da Igreja.
Leão XIII defendeu o direito dos trabalhadores a um
salário e a condições de vida digna, ao mesmo tempo em que buscou se distanciar
do socialismo, defendendo a livre iniciativa e a propriedade privada.
Embora houvesse antecedentes, foi apenas com Leão XIII e a
Rerum Novarum que a Igreja passou a se posicionar de forma sistematizada sobre
os problemas sociais e econômicos
Curiosamente, ele se posicionou contra o americanismo, uma
tendência do catolicismo praticado nos EUA vista como como excessivamente
liberal, com concessões excessivas à cultura americana.
Papa Leão XIV (2025)