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terça-feira, 28 de março de 2023

É preciso fazer silêncio na alma

Homem orando (Cléofas)

É preciso fazer silêncio na alma

 POR PROF. FELIPE AQUINO

No silêncio, Ele nos escuta, Ele nos fala…

Rezar é muito difícil, quando não se sabe como rezar, mas é preciso que nós nos ajudemos a rezar.

A coisa mais importante é o silêncio. As almas de oração são almas de silêncio profundo. Nunca poderemos pôr-nos diretamente na presença de Deus sem impor-nos um silencio interior e exterior. Por isso é que precisamos acostumar-nos ao silencio do espírito, dos olhos e da língua.

Deus é amigo do silêncio. Nós precisamos encontrar Deus, mas não podemos descobri-lo nem no ruído, nem na agitação. Vejam como a natureza, as árvores, as flores e a erva crescem em profundo silêncio. Vejam como as estrelas, a lua e o sol deslocam-se em silêncio.

Nossa missão não é dar Deus aos pobres das ruas? Não um Deus morto, mas um Deus vivo, um Deus de Amor… Os apóstolos dizem: “Nós vamos consagrar-nos continuamente à oração e ao ministério da palavra”.

Quanto mais recebermos em nossa oração silenciosa, tanto mais poderemos dar em nossa vida ativa. O silêncio nos prenda com um olhar novo para todas as coisas. Nós precisamos deste silêncio a fim de mover as almas. O essencial não é o que dizemos, mas o que Deus nos diz e o que diz por nosso intermédio.

Jesus sempre nos espera em silêncio. Neste silêncio, escutar-nos-á; ai é que Ele falará às nossas almas. E aí nós ouviremos sua voz; o silêncio interior é muito difícil, mas nós devemos fazer o esforço de orar. Neste silêncio, nós encontraremos uma energia nova e uma unidade real. A energia de Deus se tornará nossa, a fim de bem cumprirmos todas as coisas. Unidade de nossos pensamentos com seus pensamentos, unidade de nossas preces com suas preces, unidade de nossos atos com seus atos, de nossa vida com sua vida…

Todas as nossas palavras serão inúteis, se não provierem do fundo do coração; as palavras que não transmitem a luz de Cristo só aumentam a escuridão…

Esforçai-vos por caminhar na presença de Deus, por ver Deus em todos aqueles que encontrardes, por viver ao correr de todo o dia a vossa meditação matutina. Mormente nas ruas, resplandeça em vós a alegria de pertencer a Deus, de viver com Deus, de serdes d’Ele. Por este motivo, nas ruas, nas favelas e em vosso trabalho, silêncio que Jesus guardou durante trinta anos em Nazaré e ainda guarda constantemente no tabernáculo, a interceder por nós. Rezai como rezou Maria, pois ela conservou tudo em seu coração, pela oração e pela meditação, e continua e fazê-lo sem cessar, já que é a medianeira de todas as graças.

Tão simples é o ensinamento de Cristo que até uma criancinha pode balbuciá-lo. Os apóstolos disseram: “Ensina-nos a orar”. E Jesus respondeu: “Quando orardes, dizei: Pai nosso…”.

Retirado do livro: “Trago-vos o Amo”. Madre Teresa de Calcutá.

Fonte: https://cleofas.com.br

A Virgem Maria poderia ter dito não ao plano de Deus?

Fred de Noyelle / Godong
Por Morgane Afif

Maria era realmente livre para aceitar o projeto de Deus para ela? Ela poderia ter dito não a Deus quando o anjo Gabriel foi visitá-la?

“Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra.”

(Lc 1, 38)

A resposta de Maria ao anjo Gabriel, que veio anunciar-lhe que dela nasceria o filho de Deus, foi definitiva. À vontade do Senhor, Maria responde com o “fiat”, o sim completo e irrevogável. Mas ela realmente tinha escolha? 

“‘Deus enviou o seu Filho’ (GI 4, 4). Mas, para Lhe ‘formar um corpo’, quis a livre cooperação duma criatura. Para isso, desde toda a eternidade, Deus escolheu, para ser a Mãe do seu Filho, uma filha de Israel, uma jovem judia de Nazaré, na Galileia, ‘virgem que era noiva de um homem da casa de David, chamado José. O nome da virgem era Maria’ (Lc 1, 26-27)”.

CIC, 488

Então Maria foi predestinada para se tornar a Mãe do Salvador. Essa predestinação, ou seja, o fato de ter sido, literalmente, “reservada antecipadamente”, por tudo isso a privou de sua liberdade? 

Assim o esclarece o dogma da Imaculada Conceição, proclamado em 1854 pelo Papa Pio IX na sua bula Ineffabilis Deus: “A Santíssima Virgem Maria foi, no primeiro momento de sua concepção, por uma graça e favor singular de Deus Todo-Poderoso, em vista dos méritos de Jesus Cristo Salvador da raça humana, preservada intacta de toda mancha de pecado original.”

Portanto, Maria, desde o ventre, esteve inteiramente voltada para o Senhor e entregue à Sua vontade. Assim, Maria consentiu livremente com a vontade de Deus durante a Anunciação.

“O Pai das misericórdias quis que a aceitação, por parte da que Ele predestinara para Mãe, precedesse a Encarnação, para que, assim como uma mulher contribuiu para a morte, também outra mulher contribuísse para a vida”.

CIC, 488

“Eis a serva do Senhor”

A atitude fundamental da Ancilla Domini (serva do Senhor) perpassa todos os momentos da sua relação com Jesus, desde a alegria até à cruz. É através da aceitação total e incomensurável da vontade divina que Maria abraça o projeto de Deus.

 Isso é parcialmente justificado por Gertrud von Le Fort em Die ewige Frau [A Mulher Eterna] que examina o papel simbólico das mulheres: “Onde quer que haja auto-sacrifício, vê-se irradiar o mistério da mulher eterna”.

Além disso, “ao anunciar que daria à luz ‘o Filho do Altíssimo’ sem conhecer um homem, em virtude do Espírito Santo (cf. Lc 1, 28-37 ), Maria respondeu com ‘a obediência da fé’, certa de que “para Deus nada é impossível”.

 Assim, dando o seu consentimento à palavra de Deus, Maria tornou-se Mãe de Jesus e, desposando de todo o coração, sem que nenhum pecado a contivesse, entregou-se inteiramente à pessoa e à obra do seu Filho. 

O “fiat” mariano, um perfeito “sim” dirigido a Deus

O “fiat” de Maria não é outro senão o “sim” perfeito, que significa em hebraico [אמן] o Amém da verdade provada. É também a sutura onde a fraqueza do gênero humano adere total e misteriosamente à força divina. 

Essa aceitação se desenvolve no silêncio da Virgem que “guarda tudo isso no coração” ( Lc 2, 51). Maria procede da Salvação divina, e é pelo seu “sim” que o Filho de Deus se faz carne. Liberta do pecado original que a escraviza e impede de se entregar totalmente a Deus, Maria pode entregar-se inteiramente ao convite do Senhor para participar, na sua carne, no mistério da Salvação. É precisamente essa liberdade, isto é, esta união perfeita com o Criador, que a torna livre, inteiramente livre, para aceitar ou recusar aderir à Sua Vontade. 

E é precisamente porque Maria é livre que ela pode, consequentemente, pronunciar o seu “fiat ”, pois só é livre quem se entrega a Deus. Isso é o que justifica o fato de ela abraçar total e irrevogavelmente o desígnio do Senhor, mesmo ao pé da Cruz, oferecendo também o seu Filho pela Salvação do mundo.

A Anunciação à Santíssima Virgem Maria.
Renata Sedmakova | Shutterstoc


Fonte: https://pt.aleteia.org/

''Cristãos e muçulmanos: promotores de amor e amizade''

A oração do Ramadã em Omã (Vatican News)

Este é o título da mensagem do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso para o mês do Ramadã e ʿīd al-fir, assinada pelo cardeal prefeito Ayuso Guixot: "as diferenças podem ser percebidas como uma ameaça", mas o objetivo é "manter nossa casa comum um lugar seguro e agradável, onde possamos viver juntos em paz e alegria".

Andrea De Angelis – Vatican News

A educação das gerações futuras, o respeito à diversidade no conhecimento de que as diferenças às vezes podem parecer uma ameaça, o objetivo comum da casa comum. Estas são algumas das passagens da mensagem do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso por ocasião do mês do Ramadã e ʿīd al-fiṭr. O texto, assinado pelo cardeal prefeito Miguel Ángel Ayuso Guixot e pelo secretário monsenhor Indunil Kodithuwakku Janakaratne Kankanamalage, também enfatiza a atenção dada às novas formas de comunicação, com particular referência às mídias sociais.

Um mês importante para todos

A mensagem parte de um pressuposto: o mês do Ramadã "é importante" não apenas para os fiéis muçulmanos, mas "também para vossos amigos, vizinhos e fiéis de outras religiões, especialmente os cristãos". Durante este tempo "as amizades existentes são fortalecidas e outras são construídas, abrindo o caminho para uma convivência mais pacífica, harmoniosa e alegre, e tudo isso "corresponde à vontade divina para nossas comunidades, para todos os membros e comunidades da única família humana".

As ameaças da cultura do ódio

Em seguida, o texto apresenta os desafios que a comunidade internacional enfrenta hoje, do extremismo ao radicalismo, sem subestimar as controvérsias, disputas e violência de motivação religiosa. "As ameaças - diz o texto - são alimentadas pela cultura do ódio. Precisamos, portanto, encontrar as formas mais adequadas para combater e superar esta cultura, fortalecendo ao invés disso o amor e a amizade, particularmente entre muçulmanos e cristãos, em virtude dos laços que nos unem". Daí, a oportunidade de "compartilhar convosco algumas reflexões a este respeito, esperando receber também as vossas". Os prelados enfatizam como tudo deriva da atitude de um em relação ao outro, "particularmente quando existem diferenças entre nós em matéria de religião, etnia, cultura, língua ou assuntos políticos". Embora "as diferenças possam ser percebidas como uma ameaça", cada um, entretanto, "tem direito à sua identidade específica com seus diferentes componentes, sem, porém, ignorar ou esquecer o que temos em comum".

Agressão social

A mensagem também enfatiza as "atitudes e comportamentos negativos para com aqueles que são diferentes de nós", destacando como infelizmente são numerosos, entrelaçados de "suspeita, medo, rivalidade, discriminação, exclusão, perseguição, polêmicas, insultos e maledicência, para citar apenas alguns". Neste contexto, também "as plataformas de mídia social são espaços comuns para tais comportamentos prejudiciais, pervertendo seu papel de meios de comunicação e amizade a instrumentos de inimizade e luta". A este respeito, a mensagem lembra o que Francisco escreveu na Fratelli tutti: "Assim como defendem seu isolamento consumista e cômodo, as pessoas optam por se apegar constantemente e obsessivamente. Isto favorece o pulular de formas incomuns de agressão, de insultos, maus-tratos, ofensas, fustigações verbais a ponto de demolir a figura do outro, com uma impetuosidade que não poderia existir no contato corpo a corpo porque todos nós acabaríamos destruindo uns aos outros. A agressão social - escreve o Papa - encontra nos dispositivos móveis e nos computadores um espaço de difusão inigualável".

Promover uma cultura da amizade

"Os opostos dos comportamentos negativos acima mencionados - continua a mensagem - são respeito, bondade, caridade, amizade, cuidado mútuo para com todos, perdão, cooperação para o bem comum, ajuda para todos aqueles em qualquer tipo de necessidade e o cuidado com o meio ambiente, a fim de manter nossa casa comum um lugar seguro e agradável onde possamos viver juntos em paz e alegria". Para que este comportamento prevaleça é necessário não apenas combater a cultura do ódio, mas também educar as gerações futuras "em todos os espaços em que se formam: na família, na escola, nos lugares de culto e nas mídias sociais". Um mundo no qual – conclui a mensagem – reinam justiça, paz, fraternidade e prosperidade agrada ao Todo-Poderoso e traz alegria, solicitando, portanto, o nosso compromisso sincero e compartilhado".

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

segunda-feira, 27 de março de 2023

O Papa e a glória de Deus

Antoine Mekary | ALETEIA | #image_title
Por Francisco Borba Ribeiro Neto

Cada um de nós pode se perguntar o quanto nos aproximamos mais de Deus seguindo o exemplo do Papa Francisco. Ao fazermos isso, poderemos ter surpresas curiosas.

Há muitos anos, assisti um evento teológico internacional onde os palestrantes eram todos meus amigos. Apenas um deles fez uma exposição que realmente me fascinou. Quando fui dar-lhe os parabéns e comentei minha decepção, ele comentou “eles não têm culpa, apenas ainda não perceberam a glória de Deus”. Não era uma frase presunçosa, ele não queria se considerar superior aos demais. Pelo contrário, queria dizer que não era mais inteligente ou brilhante, apenas tinha a graça de perceber uma beleza que os demais (ainda) não tinham percebido.

O episódio me veio à mente ao ler os vários artigos que foram publicados pelos 10 anos de pontificado do Papa Francisco. A imensa maioria era um balanço das reformas que foram ou não realizadas pelo pontífice e dos desafios que ainda o esperam daqui para frente. Para quem ainda não viu estes artigos, recomendo aquele excelente de Angelo Ricordi, em Aleteia. De certa forma, esse tipo de comportamento é o esperado da imprensa, mas, na maioria dos casos, revela aquela mesma falta de percepção da glória que meu amigo via em nossos colegas. Na vida da Igreja, o mais importante é a glória de Deus – e essa glória não pode ser compreendida em função de mudanças que ocorrem ou deixam de ocorrer.

Compreender um papado, seja ele qual for, implica em perceber as particularidades com as quais a glória de Deus acontece. E “a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”, como lembra o Catecismo (CIC 294), citando Santo Irineu de Lion. Não quero aqui negar a importância das reformas iniciadas por Francisco, mas apenas salientar que devem ser vistas como consequências e não como avaliações do que vem acontecendo ou deixou de acontecer.

E não podemos deixar de reconhecer seu papel para todo o mundo de hoje… Francisco se tornou a “pedra de tropeço”, o “sinal de contradição” da sociedade de nosso tempo. Suas muitas fotos abraçando e acolhendo os pobres; as imagens do velho solitário, numa Praça de São Pedro vazia, sob um céu escuro e pesado, rezando a Deus por um mundo tomado pela pandemia (27 de março de 2020) são grandes símbolos das agruras e esperanças de nosso tempo. Para nossa humanidade ferida pelos descaminhos da economia global, pela exclusão, pelo preconceito e pelas consequências da COVID, Francisco vem sendo um grande sinal de esperança.

O que Francisco se propôs a fazer?

Antoine Mekary | ALETEIA | #image_title

“Desejo uma Igreja pobre para os pobres” (Evangelium gaudium, EG 198). Desde suas primeiras declarações, desde a escolha de seu nome como papa, Bergoglio deixou claro que esse era o objetivo de seu pontificado. É fato que a pobreza evangélica é um conceito muito mais complexo que a pobreza econômica. Uma Igreja pobre não é tanto materialmente pobre, é — principalmente – uma Igreja que põe tudo o que tem a serviço dos necessitados, que se despe de seu poder para estar próximo dos mais fracos, que não se deixa levar pela arrogância e proclama a Verdade com absoluta humildade. Os pobres de espírito, que herdarão o Reino dos Céus, são mais que pobres materiais, são todos aqueles humildes que se abandonam à Providência divina, sem se importar com os ganhos materiais, mas procurando sempre o bem dos irmãos.

Por outro lado, aqueles pobres a quem se dirige essa Igreja pobre, desejada por Francisco, são – objetivamente – aqueles que sofrem privações materiais, os que são excluídos e descartados em nossas sociedades, os discriminados e os párias – e, nesse sentido, a Igreja desejada por Francisco faz sim uma opção por alguns grupos sociais. Não se trata, como bem lembram as várias discussões sobre a teologia da libertação realizadas nas últimas décadas, de uma opção excludente. Esses pobres não são os únicos amados e desejados por Deus. Mas quem não optar por eles estará se distanciando do coração de Deus…

Vendo sob essa ótica, não há como negar o sucesso do papado de Francisco. A glória de Deus se manifestou claramente nesses 10 anos por meio de um ancião que mostrou ao mundo o que era a bondade, a atenção pelos últimos, a busca por justiça. Quem tem olhos para ver, que veja; quem tem ouvidos para ouvir, que ouça. Os sinais de Deus são sempre discretos, não se impõem à liberdade humana. Cada um de nós pode ver, em Francisco, aquilo que quiser. Quem quiser reduzi-lo a um líder carismático, mas cooptado pelas ideologias, poderá reduzi-lo nessa perspectiva. Quem já se acha tão bom que não precisa se converter ao seu exemplo, poderá agir assim. Quem quiser achá-lo “um cara legal” e seguir pela vida sem se sentir provocado por seu testemunho, também poderá agir assim. 

Um caminho que começa com cada um de nós

Antoine Mekary | ALETEIA

Com uma clareza que poderia envergonhar muitos pensadores e influenciadores católicos, Barack Obama declarou que “raro é o líder que nos faz querer ser pessoas melhores. Papa Francisco é um desses líderes”. Não desejo aqui fazer uma nova avaliação do pontificado de Francisco, de seus êxitos e desafios, apenas quero me remeter a essa constatação de Obama: a grande importância de Francisco, para cada um de nós, é sua capacidade de nos aproximar mais de Cristo, de favorecer um encontro (ou um reencontro) que muda nossa vida.

Cada um de nós pode se perguntar o quanto nos aproximamos mais de Deus seguindo o exemplo do Papa Francisco. Ao fazermos isso, poderemos ter surpresas curiosas. Talvez aqueles que mais parecem se identificar com seu pensamento tenham sido os menos impactados: imaginaram que já conheciam sua proposta e não se perguntaram em que podiam mudar. Por outro lado, outros que estavam objetivamente distantes podem ter passado por grandes mudanças, terem percebido com mais clareza o significado do amor de Deus por eles e estarem se aproximando cada vez mais de Cristo. O nosso coração é um mistério insondável até para nós mesmos – mas é o espaço de ação preferencial para a graça.

E as reformas da Igreja? Elas sem dúvida têm acontecido. Talvez não do modo e com a velocidade que cada um de nós ou o próprio pontífice gostaríamos. Mas, aqui vale a citação de Madre Tereza de Calcutá, que ele mesmo fez no início de seu pontificado, falando aos jovens no Rio de Janeiro: “Por onde começar? Por cada um de nós, por eu e você”. Independentemente do sucesso maior ou menor de Francisco, ao propor reformas na Igreja, seu êxito se manifesta em primeiro lugar no coração de cada um de nós, no quanto nos deixamos aproximar de Cristo e de nossos irmãos que mais sofrem nessa “década de Francisco”.


Papa Francisco e os escribas e os fariseus de plantão!

Papa Francisco  (Vatican Media)

Francisco, com seu testemunho, despiu-se das mundanidades pontifícias e tem sido capaz de encarnar a reviravolta evangélica, onde o primeiro se faz o último, o senhor torna-se servo, o grande ocupa o lugar do pequeno.

Padre Jaldemir Vitório – Jesuíta

O Papa Francisco acaba de completar 10 anos, desde que foi eleito para assumir a liderança da Igreja Católica. Ao longo dessa década, tive o desprazer de vê-lo sendo atacado, impiedosamente, por católicos ditos conservadores, que transformam a defesa da “tradição” num cavalo de batalha, que os coloca na contramão do Papa, a quem se sentem no direito de ofender, sem escrúpulos.

Pelo que percebo nas opções e nas preocupações de Francisco, tudo está na mais perfeita sintonia com o Evangelho e ninguém será capaz de denunciar nele um só atropelo do que está nas catequeses evangélicas. Seu diferencial, na condição de Papa, consiste, deveras, em colocar em prática o que Jesus nos ensinou e nos ensina, na linha da preocupação com os mais fragilizados do nosso mundo, da busca do perdão e da reconciliação, do esforço de sermos “Igreja em saída” à procura da humanidade caída nas periferias sociais, como o homem semimorto da parábola do bom samaritano, da descoberta da sinodalidade como estilo de vida eclesial contrário ao clericalismo, da preocupação com a sustentabilidade da Casa Comum, como exigência da fé.

Francisco, com seu testemunho, despiu-se das mundanidades pontifícias e tem sido capaz de encarnar a reviravolta evangélica, onde o primeiro se faz o último, o senhor torna-se servo, o grande ocupa o lugar do pequeno. Seu raio de visão vai além da catolicidade para atingir o ser humano de toda língua, etnia, cultura, ideologia e religião. Num contexto marcado por tantas formas de divisão e de preconceito, o Papa denuncia a cultura da indiferença e desce do seu trono para se pôr no nível dos seus muitos interlocutores e, em alguns casos, em nível inferior, como no gesto impactante de se ajoelhar e beijar os pés do presidente do Sudão do Sul, suplicando-lhe o fim das violências e da guerra, naquele país africano. Coisa impensável para os papas semideuses, intocáveis em sua condição de “representantes de Cristo na terra”. O grande mérito de Francisco, no meu entender, consiste em mostrar ser possível transformar o Evangelho em “estilo de vida”, embora, exercendo uma missão que o coloca entre os mais altos líderes mundiais. Ele tem sabido, como ninguém, lançar-se todo no serviço do Reino de Deus, nos passos de Jesus de Nazaré!

O Evangelho de Mateus, objeto de minhas pesquisas acadêmicas, há várias décadas, oferece-me uma chave para intuir o motivo da rejeição de Francisco por uma larga faixa de pessoas que se dizem católicas, de leigos a cardeais. Trata-se dos personagens da narrativa evangélica chamados de “escribas e fariseus”, onipresentes no ministério de Jesus, sempre à espreita para flagrá-lo em alguma palavra, para poderem denunciá-lo às autoridades religiosas e tirá-lo de cena (Mt 19,3; 22,15). Vejamos algumas situações. Acusam-no de blasfêmia (Mt 9,1-8). Atribuem-lhe ter pacto com Belzebu, o chefe dos demônios (Mt 9,32-34; 12,22-28). Irritam-se ao vê-lo comer com os pecadores e gente mal afamada (Mt 9,10-13). Põem em dúvida sua autoridade, exigindo-lhe um “sinal” que lhe comprove a origem divina (Mt 12,38-42). Criticam-no como violador das tradições dos antepassados, pois não se importa com o preceito da pureza ritual (Mt 15,1-9). Onde quer que esteja fazendo o bem, lá estão eles sempre prontos para criticá-lo, por serem do contra e decididos a partir para uma guerra sem tréguas.

Os escribas e os fariseus estão ligados, de cheio, à morte de Jesus (Mt 16,21; 20,18). A certa altura do seu ministério, decidem eliminá-lo, ao vê-lo curar, em dia de sábado, um homem cuja mão era atrofiada (Mt 12,14). Entretanto, ele sabe estar lidando com pessoas perigosas e inescrupulosas, e as denuncia com terríveis invectivas (Mt 23,1-39). Com certeza, estavam conluiados com as autoridades religiosas que levaram Jesus a Pilatos, autoridade romana, a quem pediram a pena capital de crucificação para aquele que consideravam maldito de Deus (Mt 27,1-2).

Os escribas e fariseus, na catequese mateana, encarnam o tipo de pessoas religiosas, muito apegadas à Lei de Deus, a qual cumprem de maneira obsessiva, sem omitir qualquer detalhe. Antes, preocupam-se em encontrar novas exigências, de modo a demonstrarem uma fidelidade a Deus a toda prova. Jesus, porém, reconhece tratar-se de um bando de hipócritas e exibicionistas (Mt 6,1-18), menos preocupados de serem fiéis a Deus do que apegados a uma tradição a ser levada adiante a ferro e fogo. O resultado dessa religião intolerante é bem conhecido: tornaram-se culpados pela morte iníqua do justo Filho de Deus (Mt 27,54).

A caminhada do Papa Francisco tem muitos pontos de convergência com a de Jesus de Nazaré. Os escribas e fariseus de plantão, com suas múltiplas identidades e categorias eclesiásticas católicas, cuidam de dificultar o ministério papal. Defensores da tradição (a deles!), acusam Francisco de pôr em risco a Igreja, não se importando com a missa em latim, com as indumentárias papais, com o glamour pontifício, tampouco com o rigor da doutrina e da moral (a deles!). Consideram desvio de conduta do Papa a acolhida que oferece a todos, sem qualquer distinção e o fazer-se próximo de todos, recusando-se a apontar o dedo para os considerados pecadores por seus detratores. Tratam o Papa como se fora um anarquista, quando rompe com a “tradicional moral católica” (a deles!) e se pauta pelo princípio da misericórdia, no trato com temas espinhosos da moral. Pensam mal de um Papa capaz de gestos proféticos, às vezes, contradizendo o bom senso cristão, por considerá-lo perigosamente distante do pedestal em que, ao longo de séculos, os papas foram colocados.

Como, no passado, os escribas e os fariseus tudo fizeram para eliminar Jesus, no presente, indivíduos semelhantes estão interessados em apressar a sucessão de Francisco ou anseiam sua morte, na esperança de que se restaure o papado, fazendo-o voltar aos tempos áureos dos papas imperiais, como se via até o Concílio Vaticano II. Como o Pai dos Céus deu razão a Jesus de Nazaré, contradizendo seus inimigos, haverá de dar razão a Francisco, cujo empenho em fazer a Igreja Católica voltar aos trilhos do Evangelho se tornará divisor de águas de uma história milenar, em que nem sempre os papas deram ouvidos à voz do Mestre, a clamar: “convertam-se e creiam no Evangelho!”

Jaldemir Vitório, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

Ascese: que é isso?

Perkan photography | Shutterstock
Por Vanderlei de Lima

A ascese pode ser ativa (subdividida em negativa e positiva) ou passiva, conforme veremos neste artigo. Entenda:

Ascese é um termo grego (áskesis) que significa exercício. Especialmente o treinamento do atleta para competir nas Olimpíadas ou do soldado convocado para a guerra.

Ora, os cristãos adotaram essa palavra para designar os exercícios ou práticas de autodomínio a fim de estarem “em forma” nas horas de combate contra as provações que nos atacam cotidianamente. Essa ascese pode ser ativa (subdividida em negativa e positiva) ou passiva, conforme veremos neste artigo.

É ativa quando o cristão faz, por vontade própria, seu exercício movido pela graça de Deus. Será positiva sempre que o fiel se dedicar a um trabalho complexo como visitar doentes incuráveis ou portadores de moléstias contagiosas, atender a menores infratores, visitar presídios etc. Será negativa sempre que a pessoa ascética deixa de fazer algo que muito lhe agrada tal como seria para alguns tomar um delicioso sorvete, assistir a um filme, fazer uma viagem etc.

É passiva quando a pessoa não procura a penitência ou a cruz, mas esta vem até ela pelas circunstâncias diversas da vida e é aceita com resignação, sem, no entanto, deixar, se for o caso, de buscar os meios legítimos para se livrar do revés (doença, questões judiciais, perseguições no emprego etc.).

Como enunciamos, contudo, a ascese ativa se subdivide em negativa e positiva. A negativa leva o fiel a se esforçar para remover todos os obstáculos que o impeçam de rumar à perfeição e ao crescimento do amor a Deus e ao próximo. Com esses exercícios levados a sério, a pessoa é capaz de dizer “sim” ou “não” de modo livre e decidido quando as circunstâncias o exigirem, independentemente do que a maioria acha. Aqui entram o jejum de alimentos que deem prazer, a aceitação voluntária da perseguição sofrida, a humilhação injusta dos superiores ou encarregados etc.

Já a ascese positiva consiste em exercer atividades que levem ao crescimento do amor a Deus e ao próximo e à prática das demais virtudes dando especial atenção àquela virtude que a pessoa mais precisa (se é grosseira ou ríspida, pedirá a mansidão; se orgulhosa, suplicará a humildade; se negligente, rezará para obter a diligência etc.). Mesmo o esforço por rezar continuamente e sem distrações pode ser um grande exercício de ascese a quem tem dificuldade com algo metódico que leve ao conhecimento de Deus como é a Missa, o terço, a via-sacra, por exemplo.

Óbvio é que a ascese positiva complementa a negativa, visto que a vida cristã não é feita apenas do “não”, ainda que este seja necessário, mas do “sim” dado a Deus rumo à santidade. Daí a abstinência (de carne, de programas de TV, de leituras etc.) não ter a última palavra na vida cristã. Ela deve ser, antes de tudo, a preparação para se libertar das amarras deste mundo a fim de se obter maior intimidade com o Pai do céu.

Em outras palavras: na medida em que nos penitenciamos, vamos fazendo morrer em nós o velho homem, Adão, a fim de que possa viver o novo homem, Cristo, cuja plena estatura somos chamados a atingir (cf. Ef 4,13).

Por fim, resta entender uma importante verdade: se é lícito (e é) batalhar pela conquista de troféus nas competições deste mundo, muito mais importante é a batalha pelos bens eternos, conforme nos assegura o grande Apóstolo São Paulo: “Os atletas abstêm-se de tudo; eles, para ganhar uma coroa perecível; nós, porém, para ganhar uma coroa imperecível” (1Cor 9,25).

Possam as reflexões acima levar-nos ao reforço da prática da ascese neste tempo quaresmal e também na vida do dia a dia, com a graça de Deus.

Para aprofundamento: E. Bettencourt. Curso de Espiritualidade. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2006, p. 37-69.

https://pt.aleteia.org/apoie-a-aleteia/

Fonte: https://pt.aleteia.org/

A kênosis de Cristo e a nossa

A kênosis de Cristo | estiloadoracao

A KÊNOSIS DE CRISTO E A NOSSA

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
 

Neste tempo da Quaresma e já nos aproximando da Semana Santa – tempo litúrgico especial que a mãe Igreja nos oferece em preparação à Páscoa do Senhor, maior solenidade cristã –, desejo meditar, à luz de excertos de preciosos textos de alguns sábios monges cartuxos, filhos espirituais de São Bruno de Reims (cerca de 1030 a 1101), sobre a kênosis, um termo grego muito importante, mas, infelizmente, assaz esquecido entre parte do Povo de Deus. 

Significativa para nossa reflexão é a Carta de São Paulo aos Filipenses 2,6-11: “Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é Senhor”. 

Em suma, o trecho citado nos diz que Jesus, mesmo sendo Deus, não se valeu disso a fim de se engrandecer, mas, ao contrário, humilhou-se e se fez igual a nós em tudo, exceto no pecado. Foi extremamente obediente a ponto de morrer na cruz, após indizíveis sofrimentos, para nos salvar da morte eterna. Deus, porém, que derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes (cf. Lc 1,52) e, mais de uma vez, ensina ser a exaltação caminho para a humilhação e a humilhação via para a exaltação (cf. Lc 14,11), fez Seu amado Filho triunfar. Daí, no céu, na terra e nos infernos, todos O reconhecem, de modo reverente, como Kýrios (Senhor, termo grego que, na Bíblia dos LXX, traduz o nome Javé: Deus). 

Ora, essa humildade, esse despojamento ou abaixamento de Cristo, nosso Senhor, é o que a Teologia chama de kênosis, expressão derivada do citado texto grego de Fl 2,7: heautón ekênosen. Quer dizer, uma renúncia de privilégios, privilégios que Sua divindade unida à humanidade Lhe daria direito, mas Ele renunciou e preferiu assumir a condição de escravo, uma vez que, mesmo sem pecado algum, carregou sobre si as nossas penas e enfermidades (cf. Is 53,4.6; 2Cor 5,21; Gl 3,13) para nos salvar. Afinal, só em Cristo há salvação (cf. At 4,12; Ef 1,7; Cl 1,14 etc.). É só por Ele que fomos, de fato, reconciliados com Deus (cf. Dom Cirilo Folch Gomes, OSB. Riquezas da mensagem cristã. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1981, p. 353-368). Isso também é o que nos recorda o Concílio Vaticano II (1962-1965) ao ensinar: “Por si mesmo e por próprias forças não há ninguém que se liberte do pecado e se eleve acima de si mesmo, ninguém absolutamente que se liberte a si mesmo da sua enfermidade, da sua solidão ou da sua escravidão, mas todos precisam de Cristo como modelo, mestre, libertador, salvador, vivificador” (Ad Gentes, n. 8).  

Feito este breve, mas necessário preâmbulo, volto-me a alguns trechos de obras escritas por monges cartuxos ao longo da história. Extraio-os do alentado livro assinado por “Um Cartuxo”, como é tradição da Ordem, e tem por título Antologia de autores cartuxos. Itinerário de contemplação (São Paulo: Cultor de Livros, 2020). Ao citar suas palavras originárias de uma madura reflexão da Palavra de Deus em suas próprias celas, materialmente modestas, mas espiritualmente repletas da graça divina, desejo estimular a busca sequiosa da água que jorra da verdadeira fonte, que é Cristo (cf. Jo 4,14), e não de cisternas furadas (cf. Jr 2,13). Possa este meu desejo, se for da vontade do Pai celestial, produzir seus frutos em cada leitor(a). 

O primeiro cartuxo que desejo mencionar é Ludolfo da Saxônia († 1377), em sua Vita Christi, obra magistral que muito ajudou Santo Inácio de Loyola (1491-1556) chegar à conversão. Escreve ele sobre o tema central desta nossa reflexão estas ricas palavras: “Assim como a soberba é abominada por Deus e pelos homens, do mesmo modo a humildade é amada diante de Deus e dos homens; porque quem é humilde está repleto de caridade, é agradável, afável e serviçal; nenhuma coisa vale tanto para fazer-se amável a Deus e aos homens quanto ser grandes em méritos e virtudes, e pequeninos pela humildade. Para ser humildes desse modo, consideremos diligentemente a humildade de Jesus Cristo que, mesmo sendo o Rei dos reis, Deus Verdadeiro, Unigênito do Pai, viveu neste mundo como verdadeiro humilde a fim de que nós o imitássemos (cf. 1Pd 2,21)”. 

“Jesus Cristo fez primeiro com as obras o que ensinou depois com as palavras; dizia, com efeito: ‘Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração’ (Mt 11,29b). Isso Ele quer, antes de nada, fazer; e não dissimulando, mas sinceramente porque era, verdadeiramente, manso e humilde de coração. Nele não podia existir simulação alguma; em contrapartida, praticou uma íntima e profunda humildade, ‘despojo’ e abaixamento até humilhar-se diante de todos. É, portanto, verdade nisso o que diz o Apóstolo: ‘Despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano’ (Fl 2,7) e não só a condição, quer dizer a forma de um servo inútil, mas com sua humildade de vida. Considera as ações únicas de Jesus Cristo e verás que nelas resplandece, sempre, a humildade” (Vita Jesu Christi, parte I, c. XVI, nn. 4-5, p. 161). 

Da humildade de Cristo, deve vir a nossa. Isso é o que nos recorda Dionísio, o cartuxo († 1471). Diz ele: “A humildade é uma virtude com a qual o homem, por meio da contemplação profunda do seu Criador e do verdadeiro conhecimento de si mesmo, se faz vil aos seus próprios olhos, se rebaixa e submete-se a Deus”. Por isso, quem, como Nosso Senhor, Nossa Senhora, os anjos e alguns seres humanos agraciados – cada um em seu grau – conheceu a dignidade, a onipotência e a perfeição imensa de Deus, fez-se humilde sem hesitar. Com efeito, segue o monge seu lógico raciocínio: “Se analisarmos bem, encontraremos muita matéria para nos humilharmos. E o que somos por natureza? O que somos na alma? O que somos em nossa carne corrompida? E, quiçá, não é verdade que estamos cheios de defeitos e que somos frágeis e impuros? E o que somos depois do pecado original? Somos muito ingratos, perversos e malvados, cometemos continuamente muitas faltas, estamos rodeados de laços e perigos, e nossas misérias são infinitas, como disse Jó: ‘O homem, nascido de mulher, curto de dias, farto de inquietude, como flor se abre e se murcha, foge como a sombra sem parar-se’ (Jó 14,1). […]” 

“Consideremos com frequência esta verdade, e humilhemo-nos profundamente diante de Deus, confessando com humildes lágrimas nossa pobreza, misérias, ruindade, enfermidade e nossas culpas, assim como as inclinações a todo vício para ser, assim, por Ele ajudados, confortados e defendidos em todo tempo. Então, certamente virá ao nosso socorro o Senhor, rico em misericórdia, o qual cobre os vales, quer dizer, os espíritos humildes, enchendo-os de graças, conservando-os e conduzindo-os à perfeição. Deus guarda e defende os humildes como está escrito na Escritura: ‘O Senhor protege os humildes’ (Sl 114,6a); O Senhor dá aos humildes sua luz, já que, como está escrito nos Salmos: ‘Ao revelar-se, tua palavra dá sabedoria aos simples’ (Sl 118,130)”. (Dominica IV Adventus, sermo sextus, Opera omnia, t. 29, pp. 109-110). 

Possam estas modestas reflexões – associadas à Regra de São Bento, capítulo VII, comentada n’Os graus da humildade e da soberba, de São Bernardo de Claraval (São Paulo: Katechesis, 2022) – ser útil a quantos desejam configurar-se a Cristo Jesus (cf. Rm 8,29) por meio de sua kênosis. Santa Quaresma a todos!

A Virgem Maria e a Igreja na Lumen Gentium

Papa Francisco durante a Santa Missa celebrada no Estádio 
Hariri em Erbil, no Curdistão iraquiano 
(© Photo by Safin Hamed) (AFP or licensors)

Maria é “verdadeiramente Mãe dos membros de Cristo, porque cooperou com o seu amor para que na Igreja nascessem os fiéis, membros daquela cabeça, que é o seu filho Jesus." (Paulo VI)

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

“O sagrado Concílio, ao expor a doutrina acerca da Igreja, na qual o divino Redentor realiza a salvação, pretende esclarecer cuidadosamente não só o papel da Virgem Santíssima no mistério do Verbo encarnado e do Corpo místico, mas também os deveres dos homens resgatados para com a Mãe de Deus, Mãe de Cristo e Mãe dos homens, sobretudo dos fiéis. Não tem, contudo, intenção de propor toda a doutrina acerca de Maria, nem de dirimir as questões ainda não totalmente esclarecidas pelos teólogos. Conservam, por isso, os seus direitos as opiniões que nas escolas católicas livremente se propõem acerca daquela que na santa Igreja ocupa depois de Cristo o lugar mais elevado e também o mais próximo de nós (LG 54)”

O capítulo VIII da Lumen gentium constituiu uma virada decisiva na reflexão teológica sobre a Bem-aventurada Virgem Maria. No artigo “Maria, da Lumen gentium à Redemptoris Mater”, o Prof. Michael F. Hull recorda que após um acalorado debate, o Concílio modificou completamente os fundamentos da Mariologia fazendo duas coisas simples: primeiro, “não produziu um documento separado sobre Maria, destacando assim que a futura Mariologia não poderia ser separada de outros aspectos teológicos importantes.” Depois, “o Concílio incorporou suas instruções relativamente breves sobre Maria na Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium. Assim, a Mariologia foi colocada no contexto do Verbo Encarnado e do Corpo Místico, sem implicar uma nova doutrina sobre Maria ou impedir a reflexão teológica (LG, 54).

Embora Paulo VI tenha tentado despertar uma compreensão mais profunda com sua Exortação Apostólica Marialis cultus (2 de fevereiro de 1974) e outros escritos - observa ainda o estudioso -, a Igreja teve que esperar quase um quarto de século antes que a Carta Encíclica Redemptoris mater (25 de março de 1987) reacendesse o interesse dos teólogos pela mariologia.

Depois de "Eclesiologia Mariana na Lumen Gentium", Pe. Gerson Schmidt* nos traz hoje a reflexão "A Virgem Maria e a Igreja na Lumen Gentium":

"Maria é a imagem da Igreja, membro singular da Igreja. O capítulo da Mariologia no documento sobre a Igreja, o capítulo oitavo, intitulado “A bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja” não é por causa de uma simples devoção católica. Tal inserção não foi fruto do acaso, mas corresponde à orientação presente na Constituição. A relação entre Maria e a Igreja só é possível de ser compreendida enquanto a Mariologia se insere na eclesiologia, enquanto Maria é a imagem da Igreja. Lembramos que a Lumen Gentium se encerra com a teologia mariana, colocando Maria dentro do seu papel relevante discípula, mãe, mestra, e membro da Igreja.

O número 53 da Constituição sobre a Igreja afirma assim: “Efetivamente, a Virgem Maria, que na anunciação do Anjo recebeu o Verbo no coração e no seio, e deu ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus Redentor. Remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho, e unida a Ele por um vínculo estreito e indissolúvel, foi enriquecida com a excelsa missão e dignidade de Mãe de Deus Filho; é, por isso, filha predileta do Pai e templo do Espírito Santo, e, por este insigne dom da graça, leva vantagem à todas as demais criaturas do céu e da terra. Está, porém, associada, na descendência de Adão, a todos os homens necessitados de salvação; melhor, «é verdadeiramente Mãe dos membros (de Cristo)..., porque cooperou com o seu amor para que na Igreja nascessem os fiéis, membros daquela cabeça» ¹. É, por esta razão, saudada como membro eminente e inteiramente singular da Igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade; e a Igreja católica, ensinada pelo Espírito Santo, consagra-lhe, como a mãe amantíssima, filial afeto de piedade”(LG, 53).

Cabe aqui perfeitamente a reflexão sobre essa temática da LG, que tem aqui por título “A Virgem e a Igreja”(LG, 53-54). Procuraremos dedicar vários programas a esse aspecto importante na eclesiologia, a mãe de Cristo como Mãe da Igreja, nos aspectos relevantes que os santos padres conciliares apontaram a respeito da Mariologia.

Maria leva vantagem às demais criaturas, diz esse artigo da LG. Como afirmou Papa Paulo VI, hoje proclamado santo pela Igreja, Maria é “verdadeiramente Mãe dos membros de Cristo, porque cooperou com o seu amor para que na Igreja nascessem os fiéis, membros daquela cabeça, que é o seu filho Jesus. Todos nós nos tornamos filhos de Deus e membros da Igreja pelo batismo. Maria é membro eminente e inteiramente singular da Igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade. Maria é o símbolo perfeito da cristã autêntica, filha predileta de Deus. É um arquétipo, retrato verdadeiro do cristão que é membro da Igreja, discípulo de Cristo. Se queremos ser verdadeiros cristãos, seguimos seus passos, que nos conduzem aos pés do verdadeiro Mestre. Por isso, diz o Concilio que a Igreja católica, ensinada pelo Espírito Santo, consagra-lhe, como a mãe amantíssima, filial afeto de piedade. Quem não poderá amar aquela que gerou, cuidou, educou o Salvador? Como não amar a mãe do Salvador? Como não venerar aquela que tanto amou a Jesus Cristo, se encarnou em seu ventre? Como não honrar a mãe que se foi sacrário do Altíssimo?"

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS. 
__________________

¹ Paulo VI, Alocução no Concílio, no dia 4 dez. 1963: AAS 56 (1964) p. 37.

domingo, 26 de março de 2023

Cristo é uma parte presente da realidade

A Sagrada Eucaristia | ofielcatolico
Arquivo 30Dias - 12/1998
Por Dom Luigi Giussani

Cristo é uma parte presente da realidade

Mensagem de Mons. Dom Giussani a sete mil universitários reunidos em Rimini para exercícios espirituais.

“Viver a realidade”: assim foi dado o tema a estes exercícios.

Mas Cristo, como podemos concebê-lo e viver relações com ele? É uma realidade: Cristo também é uma realidade, faz parte do real.
Se Cristo está, onde está, qual é o caminho até ele: é a questão culturalmente mais importante sobre o passado.
A resposta da história foi e é a Igreja, isto é, aquele lugar que desde o início manteve fielmente o reconhecimento do que é Jesus de Nazaré e a concepção moral da vida que dele deriva. Mas o profeta Jeremias fala de um desastre em que se dissolve a própria unidade do povo judeu: ele não reconhece o Messias atual. Jeremias conclui: «Por isso cairão com as outras vítimas. Na hora do castigo, eles serão prostrados."

A história é feita de alternâncias dramáticas: os pontos objetantes parecem se expandir mais do que os do passado.
Sua prevalência é estatisticamente a observação mais amarga e dramática que um cristão autêntico pode fazer precisamente sobre a situação da Igreja.
Hoje o fato de que Cristo existe – quem é, onde está, que caminho ir até ele – é experimentado por poucos, quase um remanescente de Israel, e mesmo estes muitas vezes infiltrados ou bloqueados pela influência da mentalidade comum . No entanto, da Igreja vem esta palavra, repetida por dois mil anos: "Aos desanimados digam: Coragem! O Senhor nosso Deus está vindo”. Coragem! Entrei na escola pela evidência desse fato ou, como já disse, desse acontecimento.

Obedeci, como resposta clara e cada vez mais razoável da Igreja e, portanto, de todos aqueles que tornam presente aquele grande acontecimento. Assim minha vida cresceu em paz. Desejo-vos, com a força de um grande afecto e com a consciência do esforço necessário para uma abertura à verdade, que o Espírito de Jesus vos comprove de forma persuasiva o que me fez de persuasão. Tens a simplicidade da "realidade viva", da qual Cristo, como disse, é parte presente. (OI! Palavras introdutórias de Dom Luigi Giussani aos Exercícios Espirituais dos universitários de Comunhão e Libertação, Rimini, 12 de dezembro de 1998).

Como um saco de batatinhas fritas pode salvar sua Quaresma

Aquarius Studio | Shutterstock
Por Cerith Gardiner

A partir de um simples pacote de batatas fritas, um padre americano muito popular nas redes sociais partilha uma reflexão espiritual para nos ajudar a viver bem a Quaresma.

O padre David Michael Moses, um jovem padre americano do Texas muito popular nas redes sociais, está de volta em um vídeo para dar alguns conselhos espirituais aos seus milhares de seguidores. Com seu humor invejável, ele utiliza um saco de batatinhas fritas para explicar a importância de aproveitar ao máximo o tempo livre da Quaresma com atividades significativas. 

A analogia parte de uma constatação simples: comer batata frita em festa – quando todo mundo enfia a mão no pacote – não é muito higiênico. Por isso, uma possível solução para tirar as batatinhas fritas com mais facilidade é criar uma tigela a partir do próprio pacote: se você empurrar por baixo e retirar o espaço vazio dentro do saco, terá uma tigela perfeita transbordando de batatas fritas!

https://www.facebook.com/watch/frdavidmichael/

A lição

Que lição podemos aprender com isso? Pe. David Michael Moses explica que é importante se livrar de todos os espaços vazios em sua vida, ou seja, os momentos do dia em que somos tentados pela preguiça e pelo pecado, pois não há nada planejado para fazermos. Em vez disso, ele nos encoraja a preencher esses tempos vazios com ações significativas, como oração e cuidado da alma, além de exercícios físicos e do convívio com amigos que nos animam.

Então, da próxima vez que vir um saco de batatas fritas, pense em todo aquele espaço vazio em sua vida e como você pode preenchê-lo com ações significativas!

Fonte: https://pt.aleteia.org/

https://pt.aleteia.org/apoie-a-aleteia/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF