Translate

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos (14/15)

Celibato eclesiástico (Presbíteros)

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos

CARD. Alfons M. Stickler

        3. O ensinamento do Antigo Testamento

 É necessário agora que tratemos outro ponto, que é muitas vezes invocado como um argumento contra a continência dos ministros nos primeiros séculos. Costuma-se apelar, como muitas vezes já afirmamos, ao Antigo Testamento, que, como sabemos, era legítimo e até mesmo necessário o uso pleno do matrimônio por parte dos sacerdotes e levitas, nos dias em que viviam em suas casas, livres do serviço do Templo. A essa objeção se pode responder de duas maneiras. 

Antes de tudo deve-se assinalar que o sacerdócio vétero-testamentário havia sido confiado a uma única tribo que devia ser conservada, e isso fazia necessário o matrimônio. O sacerdócio do Novo Testamento não foi definido, no entanto, como o sacerdócio de sucessão pelo sangue e não se baseia na descendência familiar. Um segundo e mais importante argumento a favor da distinção entre um sacerdócio e outro diz: os sacerdotes do Antigo Testamento prestavam um serviço temporal limitado no templo, enquanto que os sacerdotes do Novo Testamento mantêm um serviço permanente, por isso a obrigação temporal de continência e de pureza se estendeu a uma observância ilimitada e contínua. 

Como explicação convincente se recorre à passagem de São Paulo em I Cor 7, 5, na qual o Apóstolo aconselha aos esposos que não se recusem um ao outro, a não ser de comum acordo, por um tempo determinado e para dedicar-se à oração. Os sacerdotes do Novo Testamento, no entanto, devem rezar continuamente e dedicar-se a um serviço diário ininterrupto, no qual, através de suas mãos, é dada a graça do perdão e é oferecido o Corpo de Cristo. A Sagrada Escritura lhes exorta a ser em tudo puros para este serviço e os Padres mandavam conservar a abstinência corporal. 

Os mesmos documentos também oferecem outros motivos de caráter pastoral: como poderia um padre pregar sobre a continência e sobre a pureza a uma viúva ou a uma virgem, se ele mesmo desse maior valor o trazer filhos ao mundo que a Deus? Assim, a objeção contrária torna-se argumento a favor da continência ministerial. 

A partir dessas considerações se deduz uma imagem do sacerdote do Novo Testamento modelado sobre a vontade de Cristo, e distinta substancialmente daquela imagem do Antigo Testamento. Esta última foi configurada apenas como uma função, limitada no tempo e puramente externa. Aquela, ao contrário, implica por natureza a toda a pessoa do sacerdote, no externo e no interno, e, portanto, o seu serviço. Cristo exige ao seu sacerdote alma, coração e corpo e pureza e continência em todo seu ministério como um testemunho de que já não vive segundo a carne, mas pelo Espírito (Rom 8, 8). O sacerdócio funcional do Antigo Testamento nunca pode ser um modelo do sacerdócio ontológico do Novo, configurado com o de Cristo. Este supera o antigo sacerdócio essencialmente. 

Assim, aqueles que receberam a mensagem da salvação de Cristo compreenderam, já desde o início, a exigência de Mestre aos seus Apóstolos de chegar a renunciar inclusive o casamento pelo Reino dos Céus (Mt 19, 12), e que, como um discípulo em sentido rigoroso e pleno deve estar disposto para deixar pai, mãe, esposa, filhos, irmão e irmã (Lc 18, 29; 14, 26). Também se entende assim as palavras de São Paulo sobre a diversa relação com Deus dos celibatários e dos casados (1 Cor 7, 32-33), e o seu significado no que diz respeito ao celibato eclesiástico. 

Foi tarefa da escola, ou seja, da canonística clássica a partir do décimo segundo século em diante, descobrir, explicar e desenvolver as razões que ligam continência e sacerdócio neo-testamentário. Na história do desenvolvimento científico do tema, brevemente descrito na segunda parte deste trabalho, se mencionou as dificuldades existentes então para se chegar à elaboração de uma teoria satisfatória. Embora os antigos Padres tivessem já entendido que a continência pertencia à essência do sacerdócio novo – como, por exemplo, quando Epifânio disse que o carisma do sacerdócio consiste na continência; ou Santo Ambrósio que apontava a obrigação de rezar continuamente como o mandamento da Nova Aliança -, os glossistas, no entanto, foram incapazes de construir uma teologia do celibato, talvez porque eram demasiado pouco teólogos. Em seus trabalhos sobre a disciplina celibatária no Ocidente estiveram também muito influenciadas pela disciplina oriental, cuja legitimidade tomaram por boa, ao aceitar tanto a lenda de Pafnucio como a legislação trullana. 

No entanto, a partir dos documentos da Igreja Católica sobre este assunto, tentaram desenvolver uma teoria na qual se continham os elementos essenciais para uma Teologia válida. Compreenderam, sobretudo, que a continência está em relação estreita com o ordo sacer, e que essa lei tinha sido dada à Igreja propter ordinis reverentiam, pela reverência que é devida à Ordem. Também entenderam que a continência está mais unida ao Sacramento da Ordem recebido que ao homem ordenado, o qual era livre de aceitar a Ordenação, sabendo que aceitava também a obrigação anexa. 

Desde a síntese realizada por São Raimundo de Peñafort, já mencionado, se deriva com toda certeza que naquele tempo se tinha como verdadeiro motivo da continência clerical não tanto a pureza do ministro – que se adequaria muito bem com a práxis oriental estabelecida no Concílio Trullano – quanto à eficácia da oração mediadora do ministro sagrado, que procedia da sua total dedicação a Deus. De um modo geral eram apresentadas já então as verdadeiras razões da perfeita continência: a possibilidade de rezar com liberdade, assim como a também completa liberdade de desenvolver o próprio ministério e para dedicar-se ao serviço da Igreja. 

Embora a Teologia dos séculos posteriores, até hoje, não desatendeu a reflexão sobre o sacerdócio do Novo Testamento, a crise dos sacerdotes e das vocações ao sacerdócio nestas últimas décadas – difundidas e ampliadas através dos meios de comunicação social – exigiu com urgência um especial aprofundamento na matéria. O fundamento para isso tinha sido posto pelo Concílio Vaticano II, sobre o que se baseou o ensinamento do Papa João Paulo II, que fez do sacerdócio um motivo particular do seu programa doutrinal e pastoral desde o começo do seu pontificado. É significativo nesse sentido, que já na sua primeira mensagem aos sacerdotes, por ocasião da quinta-feira santa, dissesse sobre o celibato que a Igreja ocidental o quis no passado e o quer no futuro enquanto que se “inspira no exemplo mesmo de Nosso Senhor Jesus Cristo, na doutrina apostólica e em toda a Tradição que lhe é própria”. Nos anos seguintes voltou várias vezes a tratar o tema do sacerdócio e do celibato unido a ele e tem posto um grande empenho em frear as demasiado fáceis dispensas nesta matéria. 

O ponto mais alto destas preocupações de sua elevadíssima consciência pastoral constituiu a convocatória, para outubro de 1990 do oitavo Sínodo dos Bispos, que devia abordar a questão da formação sacerdotal no contexto das circunstâncias atuais. Isto foi feito de uma forma exaustiva através das vozes dos representantes do episcopado mundial, e esta questão encontrou a sua mais perfeita expressão na Exortação Apostólica Pós-sinodal Pastores Dabo Vobis, que pode ser considerada uma “Carta Magna” da Teologia do sacerdócio, e que permanecerá como norma autorizada no futuro da Igreja. 

Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO 

Tradução para o português:

Pe. Anderson Alves.
Contato: 
amralves_filo@yahoo.com.br

Fonte: https://presbiteros.org.br/

Papa em Santa Maria Maior reza pela viagem a Lisboa e pelos jovens da JMJ

Papa em Santa Maria Maggiore rezando em frente ao ícone da Salus Populi Romani (Vatican Media)

Francisco retorna pela 109ª vez à Basílica liberiana para rezar diante do ícone da Salus Populi Romani, como se tornou uma tradição desde o início de seu pontificado, antes e depois de cada viagem internacional. A última visita havia sido em meados de junho, após a operação no Hospital Gemelli. Nesta tarde de segunda-feira, o Pontífice confiou à Virgem a viagem a Portugal e todos os jovens dos cinco continentes que participarão da Jornada Mundial da Juventude.

Salvatore Cernuzio – Vatican News

Os milhares de jovens que encontrará nos próximos dias durante a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa - a quarta de seu pontificado -, o Papa quis confiá-los a Ela, a Salus Populi Romani, a padroeira do povo de Roma, de quem Francisco invoca a proteção antes e depois de cada viagem internacional há mais de dez anos.

Também desta vez, na véspera de sua partida para Portugal, na manhã de 2 de agosto, o Papa não interrompeu essa longa tradição e foi na tarde desta segunda-feira à Basílica de Santa Maria Maior. Foi o que referiu a Sala de Imprensa vaticana, explicando que na Basílica liberiana Francisco foi à pequena capela que já recebeu, com a de hoje, 109 visitas do Pontífice argentino. Sozinho, sentado, em silêncio, Francisco "se deteve em oração" diante da efígie mariana que a tradição diz ter sido pintada por São Lucas, "confiando a ela", diz a nota do Vaticano, "a viagem e os milhares de jovens que ele encontrará nos próximos dias".

A última visita em junho, após a operação

A última visita do Papa à Salus Populi Romani foi em 16 de junho, para agradecer pelo sucesso da operação de laparatomia na Policlínica Gemelli. Também naquela ocasião, Jorge Mario Bergoglio - acolhido tanto na entrada quanto na saída pelas saudações afetuosas dos fiéis reunidos na entrada da Basílica – se deteve em oração por alguns momentos, sentado em sua cadeira de rodas, diante do ícone da Virgem. Antes disso, o papa havia visitado Santa Maria Maior no final de abril, antes de partir para sua 41ª viagem apostólica à Hungria; ele retornou à Basílica pouco depois de desembarcar em Roma, vindo de Budapeste.

A entrega dos jovens a Maria

Além da proteção de Nossa Senhora, o Papa pediu aos fiéis que acompanhem a iminente viagem com a oração. Ele o fez no Angelus deste domingo, 30 de julho, acrescentando ao seu pedido a oração de entrega a Maria de todos os jovens dos cinco continentes que se reunirão em Lisboa para o evento mundial. "Peço-lhes que me acompanhem com suas orações na minha viagem a Portugal, que farei a partir da próxima quarta-feira", foram as palavras de Francisco. São "tantos" os jovens que irão (muitos já partiram) para Portugal, acrescentou o Papa, e eles vêm de "todos os continentes". Todos eles "experimentam o desejo de um encontro com Deus e com os irmãos e irmãs, guiados pela Virgem Maria que, depois da Anunciação, se levantou e partiu apressadamente". Tema, este último, desta edição da JMJ. A Nossa Senhora, "Estrela luminosa do caminho cristão tão venerada em Portugal", concluiu o Pontífice, "confio os peregrinos da JMJ e todos os jovens do mundo".

O programa da viagem do Papa

De acordo com o programa oficial, numerosos encontros marcarão a 42ª viagem apostólica do Papa, e não apenas com os jovens, mas também com autoridades civis, líderes religiosos e representantes locais de organizações de caridade. De 2 a 6 de agosto, o Papa se encontrará com o presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, depois com o primeiro-ministro, as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático. Ele celebrará as vésperas com o clero local e dedicará um encontro inteiro aos estudantes da Universidade Católica Portuguesa. Seguindo para a vizinha Cascais, Francisco também cumprimentará os jovens de Scholas Occurentes e assistirá à plantação de uma oliveira da paz junto com outros líderes religiosos.

Etapa de Fátima

Haverá também os eventos característicos de toda Jornada Mundial da Juventude, como a confissão de alguns jovens com o Papa (a ser realizada no dia 4 de agosto no Jardim Vasco da Gama, em Belém), a Via Sacra com os jovens na sexta-feira à noite e a vigília noturna entre sábado e domingo, seguida no dia 6 de agosto pela missa de encerramento. Também está incluída na viagem uma etapa em Fátima, onde o Papa - retornando ao santuário mariano que já havia visitado em 13 de maio de 2017 - rezará o Terço com jovens doentes para invocar a paz para um mundo ferido por conflitos. Esse também é um ato de devoção a Nossa Senhora, cuja proteção ele pediu para toda a viagem.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santo Afonso Maria de Ligório: farol de confiança, coragem e perseverança

Santo Afonso Maria de Ligório (Guadium Press)

No dia 1º de agosto, comemora-se a festa de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo, Confessor e Doutor da Igreja. Fundador da Congregação do Santíssimo Redentor, é o tratadista por excelência da moral católica, e se destacou por sua profunda devoção a Nossa Senhora.

Redação (31/07/2023 17:24, Gaudium Press) No antigo reino de Nápoles do século XVII, o nobre casal Giuseppe de Ligório e Anna Cavalieri destacava-se por sua virtude. Em 27 de setembro de 1696, nasceu o primogênito e que, por haver sido consagrado de modo especial à Santíssima Virgem, recebeu o nome de Afonso Maria.

Vasta formação intelectual

Dotado de inteligência brilhante, Afonso Maria teve em casa uma primorosa educação, sob a tutela de um preceptor e diversos professores, escolhidos com zelo e cuidado.

O pai estabeleceu-lhe um rigoroso programa de estudos, no qual constavam idiomas como o italiano, latim, grego e francês, que haviam de ser-lhe muito úteis no cumprimento da futura missão.

Também estudou literatura, chegando a compor vários cânticos espirituais. E por seu grande pendor para as belas artes iniciou-se no desenho, na pintura e na música, bem como nos arcanos das ciências exatas e naturais.

Antes de completar 14 anos começou a estudar Direito, e aos 16 já havia penetrado de tal modo no intrincado universo das leis napolitanas que lhe foi permitido, por especial concessão, fazer seu exame de doutorado em tão jovem idade.

Radical mudança de vida

Por mais de uma década dedicou-se à prática da advocacia. Sua honestidade e ciência fizeram crescer-lhe a clientela, sendo muito enaltecido por jamais ter perdido uma causa.

Mantinha, entretanto, uma exímia retidão profissional, uma ilibada pureza e uma intensa vida interior. Fazia frequentes visitas ao Santíssimo Sacramento, nutria uma particular devoção a Nossa Senhora e era pródigo em exercícios piedosos como a meditação ou a participação em retiros espirituais.

Em setembro de 1722, recebeu o Sacramento da Confirmação, e, seis meses depois, fez o propósito solene e irrevogável de renunciar ao mundo. Abdicou da primogenitura em favor de seu irmão Hércules e se dispôs a guardar o celibato, contrariando os desejos do pai, que desejava casá-lo com alguma donzela de casa principesca.

O último impulso para sua radical mudança de vida vir-lhe-ia por ocasião do litígio entre o Duque Orsini e o Grão-Duque da Toscana. O caso envolvia grandes interesses. A elevada posição dos litigantes e o prestígio dos advogados tornaram-no notícia em toda Nápoles.

Afonso estudou com cuidado os autos do processo e aparelhou-se bem para o debate. Sem embargo, depois de argumentar brilhantemente em favor de seu cliente, o advogado do Grão-Duque alegou, com esperteza, uma cláusula fundada no antigo direito lombardo e angevino, jogando por terra todo o trabalho realizado.

Perdendo a causa, o ilustre advogado percebeu a fragilidade da justiça humana e o vazio das promessas do mundo. Era a gota d’água que faltava para pôr definitivamente em prática as resoluções tomadas: “Ó mundo, agora te conheço! Tribunais, não me vereis mais!”.

A descoberta da verdadeira vocação

O golpe fê-lo sofrer tremendamente. No entanto, compreendendo estar ali a mão de Deus, passou a levar uma vida dedicada à oração e leituras piedosas.

Estando certo dia no Hospital dos Incuráveis, pouco depois de haver abandonado os tribunais, viu-se circundado de uma luz intensa e misteriosa, e ouviu em seu interior estas palavras: “Deixa o mundo e entrega-te todo a mim”.

Mesmo um tanto atônito, retomou seu percurso como se nada houvesse acontecido. Ao descer as escadas para sair, todavia, repetiu-se o fenômeno. Estupefato, desta vez respondeu: “Senhor, há muito tempo eu resisto à vossa graça: fazei de mim o que vos aprouver”.

Ainda sob o influxo daquela manifestação sobrenatural, dirigiu-se à Igreja da Redenção dos Cativos, dedicada a Nossa Senhora das Mercês, e lançou-se aos pés de Maria, pedindo-Lhe a graça de conhecer e cumprir a vontade de Deus.

Sentiu-se, então, inspirado a abraçar o sacerdócio, e como penhor da promessa feita de seguir essa vocação desembainhou sua espada de gentil-homem, depositando-a aos pés da Virgem.

Sacerdote e missionário

Santo Afonso Maria de Ligório (Guadium Press)

Apesar da forte oposição paterna, em outubro de 1723 Afonso foi admitido no seminário diocesano, onde, sendo já douto em tantas disciplinas, dedicou-se com especial empenho aos estudos da Teologia.

Quando foi ordenado presbítero, em 21 de dezembro de 1726, estabeleceu para si mesmo a obrigação de levar uma vida dedicada à ação missionária e à contemplação, seguindo os passos do Santíssimo Redentor.

Paulatinamente foi adquirindo experiência como confessor. Exigente quanto aos costumes, mas isento de rigorismos e cheio de confiança no misericordioso auxílio divino, agia ele como consolador dos aflitos e médico das almas, animando muitos pecadores a regressarem ao redil do Bom Pastor.

Durante sua ação apostólica, foi percebendo que, se nos grandes centros ou vilas populosas abundavam os sacerdotes, nos arrabaldes e nos campos a pobre gente estava relegada à ignorância religiosa, quando não influenciada pelo veneno jansenista.

Era mister salvar tais almas e para isso iniciou uma intensa atividade apostólica, da qual se beneficiaram os mais humildes operários e até os esmoleres de Nápoles. Nasceram, assim, as Cappelle serotine — Capelas ao entardecer —, instituição que acabou obtendo uma extraordinária expansão.

Uma multidão de fiéis acorria às pregações por ele feitas, pois sua palavra tinha o poder de converter os pecadores mais obstinados, atraindo-os para o caminho da virtude.

Nasce a Congregação do Santíssimo Redentor

Santo Afonso travou amizade com o padre Tomás Falcoia, sacerdote empenhado na fundação de uma instituição religiosa que imitasse de forma perfeita as virtudes do Salvador, segundo uma visão que tivera em Roma.

Esse sacerdote havia restaurado na cidade de Scala um convento de freiras, organizando-o nos moldes deste carisma. Nele entrou uma antiga carmelita napolitana, Maria Celeste Crostarosa, à qual apareceu o Divino Redentor, fazendo-a conhecer o hábito e as regras a serem adotadas pela Congregação nascente, bem como a figura do padre Afonso, dizendo-lhe:

“Eis o homem escolhido para chefe do meu Instituto e superior geral de uma nova congregação de homens que trabalharão para minha glória”.

O padre Falcoia ficara impressionado ao constatar que as regras reveladas à Irmã Maria Celeste eram inteiramente conformes o espírito da instituição que lhe havia sido desvendada.

Tendo sido eleito Bispo de Castellamare, aproveitou ele uma estadia do padre Afonso em Santa Maria dos Montes para convidá-lo a pregar os exercícios espirituais às religiosas de Scala, dando ensejo ao encontro providencial entre as três almas escolhidas por Deus para a fundação da Congregação do Santíssimo Redentor.

Ela nasceria a 9 de novembro de 1732, com a missão de “seguir Jesus Cristo através dos povoados e das aldeias, pregando o Evangelho por meio de missões e aulas de catecismo”.

À testa desta nova milícia de Cristo, o grande Afonso Maria de Ligório começava a época mais fecunda de sua existência.

Arma mais poderosa e permanente que a palavra

Quando já havia passado da segunda metade de sua vida, o padre Afonso adoeceu. Não podendo mais se dedicar às missões, consagrou seu tempo a escrever.

Contando com 25 anos de experiência direta com os problemas de consciência do povo, escreveu sua famosa Teologia Moral, além de a Prática do confessor, o Homo apostolicus e a Selva de matérias predicáveis, dedicadas à formação de seus sacerdotes.

Ensinava que “saber viver, é saber rezar”, pois “quem reza se salva, quem não reza se condena”.

Também foi desta convicção que lhe brotaram as populares Visitas ao Santíssimo Sacramento e as Glórias de Maria, seguindo-se a estas a Preparação para a morte, a Oração, a Prática do amor a Jesus Cristo e uma infinidade de opúsculos que iam servindo de esteio para as missões.

Bispo de Santa Águeda dos Godos

Santo Afonso Maria de Ligório (Guadium Press)

Em 1762, não pôde evitar ser nomeado Bispo de Santa Águeda dos Godos. Com a aprovação do Colégio Cardinalício, o Papa Clemente XIII foi inflexível. Apesar de ter enviado uma carta alegando graves impedimentos para desempenhar os deveres episcopais, entre eles a avançada idade e suas enfermidades, viu-se o santo obrigado a aceitar o cargo.

Durante seus treze anos de episcopado, fazia questão de pregar todos os sábados em honra a Nossa Senhora, na Catedral. Promoveu a santa missão redentorista em todos os povoados e vilas, fazendo ele mesmo o grande sermão, ponto culminante desta.

Fundou um convento de irmãs Redentoristas, vindas de Scala, a fim de serem núcleo firme da vida contemplativa. E empreendeu uma grande reforma no clero e no Seminário Maior, remodelando suas instalações, velando pela escolha dos candidatos e pela qualidade de sua formação. Com isso, todas as paróquias tomaram outra fisionomia.

Modelo de virtude até o fim

Em 1775, estando por completar 80 anos, o Papa aliviou-o do governo da diocese. Dirigiu-se, então, para o convento de Pagani, na Diocese de Nocera, onde passou a levar uma vida de recolhimento na comunidade por ele fundada ali.

É no cadinho, porém, que Deus purifica seus escolhidos. As tentações sofridas nesse convento foram as mais duras de sua longa existência.

Como em um verdadeiro purgatório interior, estas iam desde o assédio do demônio inculcando-lhe escrúpulos, até as mais árduas dúvidas contra a Fé.

Contudo, a mais terrível prova, sem dúvida, foi a perseguição contra ele movida por alguns membros da instituição que fundara, culminando com a divisão da própria Congregação e sua exclusão temporária da mesma, determinada por Roma.

A tudo isso ele reagiu com inteira flexibilidade à vontade de Deus. E a seus filhos espirituais os animava com palavras cheias de confiança: “Tenho por certo que Jesus Cristo vê com bons olhos esta pequena congregação […]; porque em meio de tantas perseguições Ele não cessa de nos proteger”.

Foi uma confiança ilimitada na Mãe do Perpétuo Socorro, à qual tanto amara e servira durante toda sua longa existência, a fonte de sua fortaleza até seus últimos dias.

Quando já não enxergava mais, irmão Romito, seu fiel acompanhante, leu para ele algumas páginas das Glórias de Maria, sem que o santo reconhecesse suas próprias palavras.

E ao saber que livro era aquele, exclamou comovido: “Como é doce, na hora da morte, pensar que se pôde contribuir para implantar nos corações a devoção a Santa Virgem!”

Em outra ocasião, ao não se recordar se já havia recitado o Rosário naquele dia, disse ainda ao Irmão Romito, que procurava dissuadi-lo de recitá-lo: “Ignorais, pois, que desta devoção depende minha salvação?”

Santo Afonso Maria de Ligório (Guadium Press)

Depois de tantos sofrimentos e provações, tendo junto a si um crucifixo e o quadro de Nossa Senhora da Esperança que ele mesmo pintara na juventude, enquanto seus filhos espirituais recitavam as orações dos agonizantes e a ladainha da Santíssima Virgem, o nonagenário Santo Afonso entregou serenamente sua alma a Deus, à hora do Angelus do dia 1º de agosto de 1787.

Modelo de virtude em todas as circunstâncias da vida, segue ele sendo um farol de “constância, coragem e ânimo perseverante”, sobretudo para os que sentem abater sobre si grandes tribulações.

“Imitemos, pois, Santo Afonso na sua perseverança, na sua confiança humilde e profunda, compreendendo que em nossa vida espiritual haveremos de nos deparar com túneis escuros, sem termos de nos atemorizar com eles. Para além dessa escuridão, a Providência nos traça uma via ainda mais luminosa e mais bela que a anterior”.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 128, agosto 2012.

Fonte: https://gaudiumpress.org/

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Milhares de jovens participarão de um Encontro Vocacional do Caminho Neocatecumenal em Lisboa no âmbito da JMJ

Carmen Hernández e Kiko Argüello, JMJ, Alemanha 2005 (neocatechumenaleiter)

NA SEGUNDA-FEIRA 7 DE AGOSTO, OS JOVENS SE REUNIRÃO PROVENIENTES DOS CINCO CONTINENTES ACOMPANHADOS DE VÁRIOS CARDEAIS E BISPOS

O Caminho Neocatecumenal, como é costume nas Jornadas Mundiais da Juventude, celebrará um Encontro Vocacional por ocasião da JMJ de Lisboa 2023. Será na segunda-feira dia 7 de agosto, às 12h (horário de Brasília), no Passeio Marítimo de Algés. Participarão mais de 75 mil jovens de todo o mundo que terão acompanhado o Papa Francisco durante a semana de celebração das Jornadas.

O Encontro do Caminho será conduzido pela equipe responsável internacional, composta por seu iniciador, Kiko Argüello, Padre Mario Pezzi e Maria Ascensión Romero.

lisboa2023cnc.org

Será presidido pelo Patriarca de Lisboa, Cardeal Manuel Clemente. No encontro será anunciado o Kerigma, a Boa Nova da morte e ressurreição de Cristo, e será feito um chamado vocacional para os jovens que se sentirem chamados pelo Senhor à vida religiosa, à missão itinerante ou ao presbiterado.

Durante quatro anos, desde a JMJ no Panamá, os jovens do Caminho se preparam para fazer a peregrinação a Lisboa. Nos dias que antecedem a chegada do Santo Padre, passando por diversos países e cidades, eles evangelizarão dando testemunho de seu encontro com o Senhor. Como repete com frequência o Papa Francisco, citando algumas palavras de Bento XVI, “a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração”.

Os dias anteriores à JMJ de Lisboa e ao Encontro Vocacional coincidiram com o sétimo aniversário da morte de Carmen Hernández, coiniciadora do Caminho Neocatecumenal junto com Kiko Arguello. No dia 19 de julho, dia do aniversário, milhares desses jovens celebraram a Eucaristia pela alma de Carmen em paróquias de todo o mundo, pedindo ao Senhor que acelere sua Causa de Beatificação e de Canonização.

Carmen Hernández (neocatechumenaleiter)

Jovens de muitas nações, de passagem por Madri a caminho de Lisboa, estão visitando o túmulo de Carmen Hernández. O Seminário Redemptoris Mater de Madri está vivendo antecipadamente a alegria da JMJ, com a presença de tantos jovens agradecidos ao Senhor pelo dom da vida de Carmen e seu amor pela missão e pela Igreja.

Fonte: https://neocatechumenaleiter.org/pt-br

Os portugueses esperam que o Papa traga “uma mensagem de confiança no futuro”, diz embaixador

Domingos Teixeira de Abreu Fezas Vital / I.Media

Por I. Media

"Receber centenas de milhares de jovens por uma semana é uma oportunidade de abraçar um espírito de renovação, de esperança, de fé no futuro, de vontade de agir por um mundo melhor." [ENTREVISTA]

De 2 a 6 de agosto de 2023, o Papa Francisco iniciará sua 42ª viagem apostólica ao exterior, em Portugal, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. Além de participar de vários eventos com jovens católicos de todo o mundo, o Papa também se reunirá com representantes da Igreja, da sociedade e do governo português durante o movimentado programa de sua viagem. O embaixador de Portugal na Santa Sé desde 2022, Domingos Teixeira de Abreu Fezas Vital, conta à I.MEDIA como o povo português está se preparando para o evento e o que os católicos do país esperam da visita do Papa Francisco.

O que significa a JMJ para Portugal? O que os portugueses estão esperando?

Esses dias representam um enorme desafio logístico, pois são centenas de milhares, as pessoas que precisam de ser acolhidas. Mas são também uma grande oportunidade de projeção internacional para Portugal, que vai estar sob os holofotes da comunicação social mundial durante muito tempo. O país vai viver uma atmosfera festiva, obviamente com uma conotação espiritual, mas, que não deixa por isso de constituir uma celebração.

Receber centenas de milhares de jovens por uma semana é uma oportunidade de abraçar um espírito de renovação, de esperança, de fé no futuro, de vontade de agir por um mundo melhor. Cada um deles traz isso consigo, e isso é extremamente positivo.

Os portugueses são também um povo muito curioso em relação aos estrangeiros, como qualquer pessoa que visite o nosso país pode constatar. Eles são vistos como construtores de pontes. O confronto com jovens de origens geográficas tão diferentes, durante a JMJ, será uma oportunidade para os portugueses satisfazerem esse seu apetite natural por construir pontes, ouvir os outros e acolher a diversidade. Penso que viveremos um período em Portugal, que ninguém poderá esquecer.

Como o país se mobilizou para organizar a JMJ?

As estruturas da Igreja e do Estado vêm trabalhando há muito tempo na organização das jornadas tendo em vista garantir o seu sucesso. O governo está envolvido, assim como os municípios, como Lisboa e Loures, além de Leiria-Fátima, Cascais e Oeiras.

Mas o que eu gostaria de salientar é a procura, por parte de que todos os envolvidos, na Igreja e no Estado, de uma cooperação cada vez mais intensa e frutífera. Um empreendimento desta envergadura implica, obviamente, um período de esforço de aprendizagem, é normal que assim seja. A JMJ permitiu a todos os envolvidos aprender a trabalhar uns com os outros, no respeito pela identidade, competências e responsabilidades de cada um.

O Papa disse muitas vezes que um dos grandes desafios das JMJ é precisamente aprender a trabalhar em equipe, a levar por diante um ‘lavoro di squadra’. Hoje, acho que as coisas estão mais afinadas, a colaboração é mais próxima, mais fluida e mais fácil.

E como a sociedade portuguesa está contribuindo para a organização?

Quer as estruturas, quer as pessoas se têm estado a preparar para receber quem vem. As Forças Armadas, por exemplo, através das suas instalações militares, ou as escolas, através de suas instalações de ensino, mas também as famílias. Muitas famílias receberão pessoas em suas casas. Muitas pessoas estão envolvidas nas estruturas de voluntariado que foram criadas, estruturas de que pouco se fala, mas que foram fundamentais na preparação da JMJ. A grande maioria dessas estruturas é constituída por católicos, para quem o compromisso tem também uma dimensão espiritual, que lhe confere um vigor adicional.

Ouvi uma história extraordinária recentemente. Uma das minhas irmãs contou-me que esteve recentemente num casamento no norte de Portugal em que os noivos, em vez de partirem para a lua de mel, foram para Lisboa para trabalhar como voluntários na JMJ. Na imprensa, temos lido várias histórias de pessoas que renunciaram a coisas e momentos importantes para ajudar a tornar a JMJ um sucesso. Esse esforço é ainda mais notável e valioso porque as jornadas acontecem numa semana que tradicionalmente é de férias e descanso para os portugueses.

O que os católicos portugueses esperam do Papa Francisco?

Acho que os portugueses esperam que o Papa traga uma mensagem de esperança e confiança no futuro. O mundo passou e está a passar por momentos muito difíceis, de que também Portugal sentiu e sente o impacto. Vivemos a crise económica e financeira, a pandemia e agora a guerra. Este encontro de todas estas pessoas, de origens tão diferentes, representa a crença no futuro que nos entra pela porta e queremos acreditar no futuro com eles.

O Papa tem um programa muito exigente e generoso que demonstra o seu afeto por Portugal e pelo povo português. Um programa que incluiu igualmente uma visita a Fátima, que é um ponto de referência universal para os católicos e não só. Como costumamos dizer, Fátima é o altar do mundo. Como Portugal também é o país de Fátima, a visita do Papa a esse santuário é um reconhecimento dessa caraterística.

A questão dos abusos na Igreja portuguesa tem sido um dos principais tópicos de discussão no ano passado, após as revelações da comissão independente encomendada pelos bispos. Como o povo português reagiu a essas revelações? Elas terão um impacto na JMJ?

A primeira reação do povo português, como um todo, foi de choque com as revelações. Seguiu-se a expectativa em relação à resposta, e a Igreja respondeu. Nesta fase, a sociedade portuguesa espera que essa resposta da Igreja tenha seguimento. 

Como o próprio primeiro-ministro português referiu, nessa altura, há uma consciência de que esse gesto por parte da Igreja deve ser acompanhado pela sociedade como um todo. A questão dos abusos não se limita à Igreja, mesmo que, no seu caso, tenha uma gravidade particular. A iniciativa da Igreja é uma oportunidade para o país examinar essa questão, como um todo. Como sabemos, a maioria dos abusos ocorre dentro da família, o que é terrível. Foi também isto que o primeiro-ministro quis lembrar, quando, na sua reação inicial ao relatório disse que esta não era uma questão apenas da Igreja.

No que diz respeito à JMJ, está previsto, como se sabe, que o Santo Padre se encontre com pessoas que apresentaram queixas e denunciaram abusos. É um momento importante, mas que está a ser tratado com o máximo de reserva e discrição, como exige o respeito por essas pessoas. Perguntou-me como é que as vítimas se sentiriam com este gesto. Não posso falar pelas vítimas, só posso esperar que elas vejam na atitude do Papa um sinal de conforto e uma oportunidade de reconciliação.

A Igreja ainda é ouvida no cenário político e social, em um momento em que o país acaba de legislar sobre a eutanásia?

Claro que sim. Portugal é uma democracia, portanto, todas as opiniões são levadas em conta, no processo de tomada de decisões, incluindo as da Igreja, com o seu peso específico e particular.

Há aspetos em que a convergência com a agenda do Papa está muito presente. É o caso, por exemplo, da preocupação com o meio ambiente. Tudo o que o Santo Padre tem dito sobre este assunto, o que está contido nas encíclicas Laudato Si’ e Fratelli Tutti, são aspetos de óbvia convergência com Portugal. A visão do Papa sobre a necessidade de dar particular atenção aos mais desfavorecidos é outra dimensão que os portugueses acompanham de forma particularmente próxima.

O Papa Francisco acaba de anunciar a criação de um novo cardeal eleitor português. O que pensa da decisão do pontífice argentino de dar 6 cardeais, incluindo 4 eleitores, ao seu país?

Foi uma grande alegria para nós. É um sinal de reconhecimento e apreço por Portugal e pela Igreja portuguesa, que o país recebeu com alegria, mas também, em especial os católicos, com humildade, porque, como o próprio novo cardeal, Dom Américo Aguiar, disse, esta decisão implica também maiores responsabilidades para a Igreja portuguesa, como um todo.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

A presença de Jesus no mundo (2/2)

Jesus ensina na sinagoga de Nazaré, painel de madeira policromo de teto pintado, segunda metade do século XII, igreja de São Martinho, Zillis, Suíça

Arquivo 30Dias – 11/2005mero 11 - 2005

A presença de Jesus no mundo

A conferência do jornalista e escritor judeu Alain Elkann no congresso sobre o “Rosto dos rostos. Cristo”, realizado em outubro, em Roma, cujas atas acabam de ser publicadas.

de Alain Elkann

Um padre rosminiano me hospedou em seu colégio no Vale de Aosta quando eu estudava para prestar alguns exames, e festejei, como todos, em 5 de agosto, a festa de Nossa Senhora das Neves.

Mais tarde, numa favela de uma cidadezinha brasileira, padre Arturo, um père da ordem de Foucauld, me fez entender o que sig­nificava dedicar a vida a Jesus e ao Evangelho e, mesmo realizando os trabalhos mais humildes, me falou muito do fascínio de Deus, dos Evangelhos e da figura de Jesus. Fez-me entender o que significa a palavra confiança, sentir uma fé profunda que guia a todos os atos da nossa vida.

O cardeal Martini me levou a refletir sobre a palavra de Deus, sobre as Escrituras, sobre o silêncio e sobre Jerusalém. Ensinou-me como era importante sentir os outros como nossos irmãos.

É verdade que Jerusalém, para mim, é a cidade judaica, a cidade em que rezamos no Muro das Lamentações, mas a presença de Jesus é fortíssima por toda parte naquela cidade. Afinal, todos sabem que Jesus era judeu, vivia ali, entre aqueles muros, naquela paisagem, naqueles lugares que hoje são sagrados também para os muçulmanos. É verdade que por toda a parte em Israel, na Palestina, se sente a presença do Cristo que lá nasceu, viveu e morreu. Mas, como já disse outras vezes, vejo o curso de nossa história judeu-cristã como o percurso de um trem que, para os judeus, partiu há mais de cinco mil anos e no qual, há dois mil anos, subiram os cristãos.

O fato de não pensar viver na era messiânica não significa que eu não tenha respeito e também sentimentos de alegria, de proximidade fraterna por aqueles que já receberam o Messias e vivem um estado de felicidade interior profunda todas as vezes que O sentem próximo.

Entendo muito bem que deve ser fascinante para quem tem a sorte de ser cristão ter fé e poder viver numa religião que permitiu poder rezar, poder dirigir-se também ao filho de Deus, que quis trazer Deus a ser homem e, portanto, imagem. Os judeus falam diretamente com Deus, mas Ele não é representado de nenhuma forma.

Não o digo me lamentando, pois tenho muito orgulho de meu destino de judeu.

Creio que se existimos há tantos anos e se nenhuma perseguição, nem a mais bárbara e mais atroz, conseguiu nos exterminar totalmente e calar-nos para sempre, isso se insira num desígnio divino que não cabe a nós, homens, entender. Acredito que o papa João Paulo II fez bem ao definir os judeus como “irmãos mais velhos”. Eles o são não por idade, mas porque mantêm em sua vida uma tradição, uma religião muito antiga, que são, de qualquer forma, a tradição e a religião de Jesus.

Não é por acaso, acredito eu, que Jesus foi judeu; sendo assim, grande parte do caminho dos judeus e dos cristãos é um caminho comum, que para uns e outros se desenvolve nos lugares descritos pela Bíblia.

O que significa a presença de Jesus no mundo de hoje? Creio que é uma das grandes mensagens de paz da humanidade, uma grande resposta de como deveria ser conduzida uma vida humana para que seja o mais feliz e serena possível.

Jesus é uma grande mensagem de esperança e de solidariedade para o mundo, que hoje precisa disso, e sua Igreja demonstrou e demonstra saber ser ainda mais uma formidável organização de paz, de caridade e de amor.

O papa é um incansável defensor do bem, da paz, dos jovens, dos doentes e dos necessitados.

Jesus, além disso, é ética, justiça, poesia e inspiração. Obras-primas da arte, nos últimos dois milênios, da música à pintura, passando pela escultura e pela arquitetura no Ocidente, foram de inspiração cristã, e a Itália é ainda hoje o testemunho vivo disso. Os crucifixos pintados e esculpidos, as cenas da vida de Cristo e dos apóstolos inspiraram os maiores artistas de todos os séculos e de todas as gerações.

Por isso também, Jesus é uma figura tão conhecida e familiar para quem não é cristão, pois pessoas de grandíssimo talento dedicaram seu trabalho a procurar interpretá-lo, imaginá-lo, como um modelo, um herói, um mártir; como um amigo.

Nesta altura eu sinto a necessidade de fazer uma pergunta. Como seria o mundo sem Jesus? Sinceramente, muito diferente e até difícil de imaginar. Os judeus são poucos e sempre foram poucos, os muçulmanos são mais recentes e vêm depois do cristianismo.

Talvez, sem os cristãos, nem houvesse muçulmanos. Talvez tivesse existido um outro filho de Deus em algum outro lugar. O fato, porém, de não se conseguir pensar na história sem Cristo significa, por si só, que Ele era uma exigência do mundo e que os homens sentiam necessidade dele.

O Rosto dos rostos. Cristo, organizado pelo Instituto Internacional de Pesquisa sobre o Rosto de Cristo, Bérgamo, Velar, 2005, 300 pp.

Acredito que seja difícil continuar, como eu já estou fazendo há tempo demais, a caminhar no vazio, ou seja, a procurar imaginar o que significa o Cristo, quando sou apenas um escritor, um jornalista.

Com o passar dos anos, tive uma grande experiência de amor e de amizade profunda que me ligou à presença cristã. Senti próximas de mim e amei ternamente pessoas de fé que tinham por Jesus um sentimento muito profundo que as inspirava e as guiava ao longo da vida. Minha esposa é católica e sempre traz consigo um rosário, que mantém por perto em todos os momentos de sua vida. Um rosário que lhe foi dado por dom Cafarra, o arcebispo de Bolonha, e que pertencia à mãe dele.

Minha esposa teve de enfrentar a vida sem uma mãe que a acompanhasse e estivesse próxima dela enquanto crescia, e acredito que sua fé em Jesus sempre a tenha ajudado a continuar em frente. Isso, para mim, é motivo de grande respeito e me faz entender o que deve ser para ela a força profunda que lhe dá a presença de Jesus em sua vida.

Mas talvez entendamos melhor a presença de Jesus no mundo vendo na televisão uma mulher indígena pele-vermelha que, em New Orleans, diz desconsolada, olhando para os destroços da sua cidade destruída: “Depois que chegou o furacão Katrina, para onde foi Jesus?”. O sentimento de abandono e de impotência diante do silêncio de Jesus, que parece tê-la deixado sozinha e abandonado sua cidade, nos diz como em sua ausência Jesus faz sentir sua falta. A mulher, na verdade, não lhe pede que se explique, mas que volte e a console, que não se afaste.

Não é uma repreensão, mas uma exigência de amor.

Fonte: http://www.30giorni.it/

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos (13/15)

Celibato eclesiástico (Presbíteros)

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos

CARD. Alfons M. Stickler

        2. Fundamento histórico doutrinal

Um olhar para trás na Tradição da Igreja pode nos informar, também nesta ocasião, o desenvolvimento desta Teologia. O que se pode dizer, em síntese, sobre este aspecto já dissemos, em parte, ao analisar os testemunhos da Igreja primitiva sobre a continência dos ministros sagrados. Continuar com as referências históricas sobre o celibato, as referências à Sagrada Escritura e sua interpretação é certamente uma ajuda que pode ser fornecida à argumentação teológica dos Padres sinodais e do Santo Padre, porque na Exortação Apostólica abunda as referências à Sagrada Escritura. A visão do celibato, do ponto de vista das Escrituras adquiriu, por outro lado, uma crescente importância na literatura recente sobre o assunto. 

Já na primeira lei escrita que conhecemos, no cânon 33 do Concílio de Elvira, estão obrigados à continência os clérigos positi in ministerio, ou seja, aqueles que servem ao altar. Também os cânones africanos falam continuamente dos que servem ao altar e, por ser responsável pelo seu serviço, tocam os sacramentos; estes estão obrigados, por causa da consagração recebida, à castidade, o que, por sua vez, garante a eficácia da oração de petição (impetratória) diante de Deus. 

A este respeito, são particularmente importantes e instrutivos os documentos do Romano Pontífice que tratam da continência celibatária. São constantemente consideradas e refutadas nos textos deles, a partir da Sagrada Escritura, duas objeções. A primeira é a norma que indica São Paulo a Timóteo (1 Tim 3, 2 e 3, 12) e Tito (1, 6): os candidatos casados devem ser só unius uxoris, ou seja, ter sido casado apenas uma vez e também com uma mulher virgem. Tanto o Papa Sirício como Inocêncio I insistiram repetidamente em que esta expressão não significa que eles possam continuar com o desejo de gerar filhos, mas, pelo contrário, foi estabelecida propter continentiam futuram, ou seja, devido à continência que deveria ser vivida desde então. 

Esta interpretação feita pelos Pontífices da conhecida passagem da Escritura, que foi assumida pelos Concílios, diz que quem tivesse a necessidade de se casar novamente, demonstrava com isso que não era capaz de viver a continência exigida aos ministros sagrados e não podia, portanto, ser ordenado. Assim, essa norma da Escritura, em vez de uma prova contrária ao celibato, era uma demonstração a favor da continência celibatária e ainda uma exigência dos Apóstolos. Essa disposição se manteve viva no futuro. Na Glossa ordinária ao decreto de Graciano, isto é, no comentário comumente aceito desta passagem (princípio da Dist. 26), explica que existem quatro razões para que um que foi casado duas vezes não pode ser ordenados. Depois de assinalar três razões espirituais, a quarta, de caráter prático, diz que seria um sinal de incontinência que um homem passasse de uma mulher para outra. E o grande cheio de autoridade decretalista Hostiensis, o Cardeal decano Henrique de Susa, explica no seu comentário às decretais de Gregório IX (X, I, 21, 3 à palavra alienum), que a terceira razão das quatro dessa proibição foi “porque se deve temer (neste caso) a incontinência”. 

Esta interpretação do unius uxoris vir também era aceita no Oriente; isso é provado pelo grande historiador da Igreja antiga Eusébio de Cesaréia, que deve ser considerado bem informado, já que, como já afirmamos, participou no Concílio de Nicéia e, como amigo dos arianos, tinha defendido o uso do matrimônio por parte dos padres já casados. No entanto diz expressamente que, comparando o sacerdote do Antigo Testamento com o do Novo, se confronta a geração corporal com a espiritual, e que nisso consiste o sentido do unius uxoris vir: em que aqueles que foram consagrados e dedicados ao culto divino devem abster-se convenientemente, do momento da Ordenação em adiante das relações sexuais com a esposa. 

A proibição apostólica de que nenhum casado duas vezes devia ser admitido às Sagradas Ordens tem sido observada, com todo rigor, através dos séculos e se encontrava entre as irregularidades no Código de 1917 (cân. 984, 4). Na canonística clássica se ensinava que a dispensa desta proibição não era possível nem pelo Sumo Pontífice, pois nem sequer ele poderia dispensar contra apostolum, isto é, contra a Sagrada Escritura. 

Deve-se notar que também a legislação do Concílio de Trullo mantém no seu cânon 3 a mesma proibição para sacerdotes, diáconos e sub-diáconos, ou seja, que os candidatos à estas ordens não podiam estar casados com uma viúva ou com uma mulher que havia sido casada. Só se queria – diziam os padres trullanos – atenuar a gravidade da Igreja romana neste ponto, concedendo àqueles que tinham pecado contra dita proibição a possibilidade de arrependimento e penitência. Se antes de uma data posterior ao Sínodo tivessem renunciado a esse (segundo) casamento, poderiam permanecer no exercício do ministério. 

A falta de lógica nesta disposição do cânon 3, em comparação com o cânon 13 que permite aos sacerdotes e diáconos o uso do matrimônio contraído antes da Ordenação, só pode ser explicado pelo fato de que aquela proibição apostólica estava também profundamente enraizada na tradição oriental, mas sem que se perceba já o seu sentido original. Daí surge outra prova tácita do autêntico significado original, como garantia da total continência após a Ordenação, tal como permaneceu vivo no Ocidente, sempre aceito com fiel observância por parte de Roma. 

Deve-se mencionar neste contexto de duas outras passagens das Escrituras que não se encontram explicitamente nos testemunhos antigos, a segunda das quais vem hoje invocada contra a continência dos mesmos Apóstolos. 

Entre as qualidades que São Paulo exigia ao ministro da Igreja se encontra também a de ser “Encratés“, ou seja, continente. Este termo significa a continência sexual, como se deduz do texto paralelo no qual São Paulo exorta os fiéis casados continência a necessária abstinência para dedicar-se à oração, e também dos posteriores textos gregos sobre o celibato, reunidos, por exemplo, na coleção oficial do Pedalion.

A segunda passagem da Escritura é encontrada em 1 Coríntios 9, 5, onde São Paulo diz que também ele tem o direito de levar consigo uma mulher, como fazem os outros apóstolos, os irmãos do Senhor e Cefas. Muitos interpretaram a expressão “mulher” como a “esposa” dos Apóstolos, que no caso de Pedro poderia ser verdade. Mas é preciso se ter claramente presente o fato do texto original grego não falar simplesmente de “Ginaika“, que podia perfeitamente significar também esposa. Certamente não sem intenção, São Paulo acrescenta a palavra “adelfén“, ou seja, mulher “irmã”, o que exclui qualquer confuso mal-entendido com esposa. 

Somos convencidos facilmente deste sentido retificador que, de aqui em adiante, os testemunhos mais importantes da continência dos ministros sagrados mostram que ao falar da esposa de tais ministros, no contexto da posterior continência sexual, sempre se usa a palavra “sóror“, irmã. Do mesmo modo, a relação entre marido e mulher depois da Ordenação do marido é visto como o de um irmão com sua irmã. São Gregório Magno, por exemplo, diz: “Desde sua Ordenação, o sacerdote amará sua sacerdotisa (ou seja, sua esposa) como a uma irmã”. O Concílio de Gerona (ano 517) decidiu que “se tiverem sido ordenados aqueles que antes estiveram casados, não devem viver junto com a que de esposa se se tornou irmã”. E o Concílio de Auvergne (ano 535), por sua vez, dispôs que: “quando um sacerdote ou um diácono recebeu a Ordenação ao serviço divino passa imediatamente de ser marido a ser irmão da sua esposa”. Este uso das palavras é encontrado em muitos textos patrísticos e conciliares. 

Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO 

Tradução para o português:

Pe. Anderson Alves.
Contato: 
amralves_filo@yahoo.com.br

Fonte: https://presbiteros.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF