Homem e mulher na sociedade e na Igreja
Como São Josemaria compreendia o papel do homem e da mulher
na sociedade? Ambos “se hão de sentir justamente protagonistas da história da
salvação” Este texto, do “Diccionario de san Josemaria Escrivá de Balaguer”
explica algumas chaves dos seus ensinamentos.
20/08/2025
No começo do século XX desenvolveu-se no mundo ocidental uma
ampla literatura sobre a distinção-relação entre homem e mulher, dando origem a
abordagens antropológicas muito diversas. São Josemaria tinha conhecimento
desse debate, mas sua doutrina sobre a vocação do homem e da mulher não se
baseia nessas fontes, nem se desenvolve em diálogo com elas. Sua doutrina
fundamenta-se nos ensinamentos da Sagrada Escritura e da Tradição da Igreja, e
em sua experiência como fundador de uma instituição, o Opus Dei, destinada
a promover a chamada à santidade e, portanto, também ao desenvolvimento da
personalidade humana entre pessoas, homem ou mulher, de países e condições
diversas.
1. Dignidade humana e vocação divina do homem e da mulher
São Josemaria, de acordo com a tradição judaico-cristã,
ensinou que existe uma unidade fundamental entre homem e mulher. Ambos são
iguais em dignidade como seres criados por Deus à sua imagem e semelhança (cfr.
Gn 1, 22) e corresponsáveis, por mandato divino, da dupla tarefa de transmitir
a vida e dar origem à história e à cultura (“crescei, multiplicai-vos, enchei a
terra e submetei-a”: Gn 1, 28). Essas afirmações do Gênesis, essa doutrina
sobre a igualdade originária do homem e da mulher, completa-se na antropologia
cristã com o conhecimento da filiação divina que Cristo nos ganhou na Cruz. “A
mulher tem em comum com o homem sua dignidade pessoal e sua responsabilidade, e
– na ordem sobrenatural – todos temos uma idêntica filiação divina adotiva (Gl
3, 26-28) ” (Carta 29/07/1965, n. 4: AGP, série A.3, 94-4-1).
Todo batizado deve saber-se membro da família universal dos
filhos de Deus, à qual são chamados todos os seres humanos. Na terra, há apenas
uma raça: a raça dos filhos de Deus, ensina São Josemaria (cfr. É
Cristo que passa, 13). Todas as pessoas – homens e mulheres, anciãos, sãos
e enfermos – iguais em dignidade, merecem respeito e amor. Todos, mulheres e
homens de qualquer idade, condição, estado ou ofício, nas circunstâncias em que
se acham, no exercício de suas diversas atividades podem, apoiados na graça de
Deus que é nosso Pai, alcançar a plenitude de vida, a santidade. Para tornar
isso viável, Cristo estabeleceu a Igreja, que conserva e transmite sua doutrina
e comunica a graça que torna possível o viver cristão. Essa é a grande tarefa
dos filhos de Deus: santificar-se e contribuir, entregando-se como Cristo o
fez, até a Cruz, para santificação dos outros. Neste horizonte da chamada
universal à santidade, São Josemaria enquadrou a consideração da dignidade e do
valor de toda pessoa.
Ensinou que o homem e a mulher possuem condições para
realizar – segundo suas aptidões pessoais – todos os trabalhos que contribuem
para o bem comum e dignificam a pessoa que os realiza. Por isso, desde o início
de seu trabalho pastoral, abriu horizontes para as mulheres e os homens para
que empreendessem com garbo e confiança em Deus o trabalho profissional que
escolhessem livremente (Intelectual, manual, de gestão, etc.). E apresentou
tanto aos homens como às mulheres que se incorporavam ao Opus Dei, um horizonte
de vida espiritual e de formação doutrinal-teológica que lhes permitiria
realizar com sentido cristão a tarefa profissional, familiar ou social que cada
um deveria levar a cabo e nesse contexto dar vida a um profundo apostolado do
testemunho e da doutrina.
Cumprir a vontade de Deus no dever de cada instante,
santificando a própria ocupação ou ofício, requer o exercício das virtudes
cardeais e morais. São Josemaria viu isso feito realidade em seus próprios
pais, no lar em que Deus o fez nascer. Com convicção realista supera princípios
gerais que limitam algumas virtudes ao homem ou à mulher: “Mais forte a mulher
do que o homem, e mais fiel na hora da dor” (Caminho, 982); “Quem te
disse que fazer novenas não é varonil? – Serão varonis essas devoções, sempre
que as pratique um varão...” (Caminho, 574); “quem caluniou a
mulher dizendo que a discrição não é virtude de mulheres?” (Caminho,
652).
As virtudes não constituem qualidades instintivas, é preciso
que se criem raízes na alma com determinação, vencendo os obstáculos que o ‘eu’
ou as circunstâncias opõem. São Josemaria ensina que para se santificar é
preciso partir da realidade de quem somos, com os pés na terra e a cabeça no
céu. E adverte: “Somos homens e mulheres, não anjos. Seres de carne e osso, com
coração e paixões, com tristezas e alegrias” (É Cristo que passa, 103).
Ensina por isso a amar a Deus com a capacidade afetiva que, no plano humano,
todos temos: “com o mesmo coração com o qual quero a meus filhos, com aquele
que quis a meus pais”. Vai, ao mesmo tempo, ao encontro das possíveis
dificuldades que se pode encontrar no caminho: expõe com clareza aos casados os
meios que devem empregar para continuar fiéis até o fim, renovando o amor que
os uniu; aos que não puderam ter filhos orienta para cuidar dos que os rodeiam,
com a dedicação que possam assumir; aos solteiros impulsiona a amar a Deus com
o coração indiviso; aos que ocupam posições relevantes na sociedade recorda sua
responsabilidade; aos que realizam tarefas sem relevo aparente faz ver que nada
está oculto aos olhos de Deus. A todos homens e mulheres convoca a alcançar uma
profunda personalidade humana e cristã.
A igualdade fundamental do homem e da mulher, pregada por
São Josemaria, manifesta-se na igualdade espiritual, moral e jurídica que
caracteriza o Opus Dei. Há um mesmo espírito, uma única vocação e meios
iguais para vivê-la: “O espírito é único, o mesmo para todos, aquele que Deus
quis para esta Obra que é dele” (Carta 29/07/1965, n. 2: AGP, série A.3,
94-4-1). “Por essa identidade do espírito e do modo de fazer o apostolado, é
norma geral estabelecida em nossas leis – precisava São Josemaria – que tudo
quanto te escrevo está dirigido, normalmente, tanto a meus filhos quanto a
minhas filhas, desde que, de alguma forma, não se diga claramente o contrário”
(Carta 29/07/1965 n. 2: AGP, série A.3, 94-4-1).
2. Igualdade e diferença
São Josemaria entende a igualdade total: “Em um plano
essencial – que deve ter reconhecimento jurídico, tanto no direito civil como
no eclesiástico – (...) a mulher tem, exatamente como o homem, a dignidade de
pessoa e de filha de Deus (Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, 87).
Ele observa a igualdade no nível da natureza humana e no nível do ser pessoal e
cita expressamente São Paulo: “já não há distinção de judeu, nem grego; nem de
servo, nem livre; nem de homem, nem mulher” (cfr. Gl 3, 26-28). (Entrevistas
com Mons. Josemaria Escrivá, 14). Esta afirmação radical da igualdade
reflete-se também em sua linguagem; é notável a frequência com que seus
escritos acentuam expressamente – com o uso de expressões – que a doutrina que
transmite dirige-se a todos: tanto cristãos como cristãs (cfr. Entrevistas
com Mons. Josemaria Escrivá, 112), “cada homem, cada mulher” (Entrevistas
com Mons. Josemaria Escrivá, 99), “homem – ou mulher – de uma
só peça” (Sulco, 443), “de um homem de Deus, de uma mulher de Deus”
(Sulco, 60; F, 649), “um varão católico – uma mulher católica” (F, 859),
“cavalheiro cristão, mulher cristã” (F, 450), “não esqueças que cristão (...)
significa homem – mulher – que tem a fé de Jesus Cristo” (F, 642), “a autêntica
existência do homem cristão, da mulher cristã” (Amigos de Deus, 205).
A igualdade do homem e da mulher não suprime as diferenças
entre eles. Com olhar realista, que se eleva do que é mais evidente aos
sentidos a uma projeção do psíquico e espiritual, afirma: “a partir dessa
igualdade fundamental, cada um deve alcançar o que lhe é próprio” (Entrevistas
com Mons. Josemaria Escrivá, 87). Ao tratar o tema do homem e da mulher
afirma basicamente, nesse sentido, a continuidade entre as dimensões biológica,
psicológica e espiritual que se refletem na feminilidade e na masculinidade.
Às vezes alude a essas diferenças. Sobre a mulher diz que
“está chamada a levar à família, à sociedade civil, à Igreja, algo
característico que lhe é próprio e que só ela pode dar: sua delicada ternura,
sua generosidade incansável, seu amor pelo concreto, sua agudeza de engenho,
sua capacidade de intuição, sua piedade profunda e simples, sua tenacidade” (Entrevistas
com Mons. Josemaria Escrivá, 87). Do homem, sua dedicação ao
trabalho e sua capacidade para assumir com responsabilidade e iniciativa as
tarefas que tem em mãos, que se destacam por exemplo, na figura de São José
(cfr. Amigos de Deus, 40). Embora fale de diferença, detém-se,
porém, com frequência para indicar que a dupla contribuição do homem e da
mulher contribui para enriquecer o patrimônio comum. São Josemaria recorda a
cada pessoa as virtudes do outro. Anima homens e mulheres a conquistar
qualidades que, se bem que costumem destacar-se em um dos dois sexos, são
objetivos de ambos: “Hás de ser, como filho de Deus e com sua graça, varão ou
mulher forte (F, 792), propriedades que ajudam a viver uma “entrega –
sacrificada e alegre – de tantos homens e mulheres que souberam ser fieis” (Entrevistas
com Mons. Josemaria Escrivá, 71). Ele destaca que a mulher,
“junto com o que tem em comum com o homem, leva à família, à sociedade civil, à
vida da Igreja, algo peculiar, algo que lhe é próprio que só ela pode levar
(...). Assim, feminilidade quer dizer a riqueza e a formosura e a necessidade
de sua contribuição própria e insubstituível” (Carta 29/07/1965, n. 2: AGP,
série A.3, 94-4.1).
São Josemaria proclama nitidamente a radical igualdade entre
homem e mulher, mas rejeita ao mesmo tempo a uniformidade. Nem o homem deve
imitar a mulher, nem a mulher o homem: “seria uma perda para a mulher: não
porque seja mais ou menos que o homem, mas porque é diferente” (Entrevistas
com Mons. Josemaria Escrivá, 87). A diferença é querida por
Deus (cfr. Forja, 866): “não foi em vão que Deus os criou homem e mulher. Tal
diversidade não se deve compreender em um sentido patriarcal (...) tanto o
homem como a mulher devem sentir-se protagonistas da história da salvação, mas
ambos de forma complementar” (Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá).
Em suma, como diz João Paulo II: “Os recursos, pessoais da feminilidade não são
sem dúvida menores que os recursos da masculinidade, são apenas diferentes” (Mulieris
Dignitatem, 10).
Aurora Bernal Martínez De Soria
Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/homem-e-mulher-na-sociedade-e-na-igreja/
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