O cardeal e bispo de Setúbal destaca a importância do método
sinodal, assinalando alguns aspetos do que tem sido feito na sua diocese e
agradece o trabalho da Rede Sinodal em Portugal que aqui apresenta o episódio
11 do podcast “No coração da esperança”.
Rui Saraiva – Portugal
“No coração da esperança” é o nome da iniciativa em podcast
da Rede Sinodal em Portugal. Apresentamos aqui o episódio número 11 de uma
parceria inovadora de comunicação que faz caminhar em conjunto Diário do Minho,
Voz Portucalense, Correio do Vouga, Correio de Coimbra, A Guarda, 7Margens,
Rede Mundial de Oração do Papa e Folha do Domingo.
Neste episódio 11 o entrevistado é o cardeal Américo Aguiar,
bispo de Setúbal e que coordenou a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa
2023. Publicamos aqui as suas respostas às questões da Rede Sinodal em
Portugal:
P: Que leitura faz do Documento Final do Sínodo e das
Pistas para a implementação do Sínodo, a partir daquela que foi a sua
experiência na XVI Assembleia Geral do Sínodo dos bispos?
R: Em primeiro lugar, termos todos consciência
que estamos a caminho. Estamos a fazer um caminho, estamos a caminho e fomos
provocados para fazer o caminho juntos: uns com os outros. Não numa corrida de
fundo isolada, mas cada vez mais termos consciência que fazemos caminho como
povo. E chegar a uma estação a meio do caminho, ou no meio do início, ou no
meio do fim… Nunca sabemos. Chegar a meio de uma viagem implica sempre muito
respeito pela caminhada feita e alguma coragem para questionar o caminho feito.
Como é óbvio.
Confesso que o que mais foi difícil para mim naqueles dias,
naquelas semanas, foi, porque não tinha tido a experiência anterior, os grupos
de trabalho com aquela metodologia da conversação no espírito. Confesso que a
certa altura já cortava os pulsos, daquilo que significava converter-me àquela
dinâmica e àquela metodologia. Mas passado metade já era qualquer coisa normal,
já fazia parte, enfim, da aprendizagem, do protocolo e da metodologia.
Foi muito importante nos grupos em que... Eu acho que mudei
só duas vezes de grupo: um grupo, depois outro, depois voltei ao início. Eu não
me lembro de qual era o nome da função, mas era uma… Foram senhoras que nos
calharam na primeira vez. Depois um senhor, depois uma senhora. Que eram os
responsáveis por distribuir jogo, por fazer com que as coisas funcionassem. E
eu tenho muita gratidão a essas pessoas, porque, de facto, fizeram com que
cardeais, bispos, padres, leigos, mais ou menos famosos, mais ou menos
anónimos, a certa altura éramos irmãos conhecidos desde sempre.
P: O que está a ser feito na sua diocese de Setúbal?
R: Temos uma Comissão Sinodal Diocesana,
constituída por um sacerdote e três leigos. Duas leigas e um leigo, mais o
sacerdote. Que eu já herdei quando cheguei. E pedi-lhes que continuassem a
fazer o trabalho que tinham feito. Sei que antes tinham feito trabalho de
grupos paroquiais, vicariais… O trabalho do terreno que foi feito por algumas
dioceses, e Setúbal também. E eles agora, aliás, nestes dias últimos, estiveram
no Jubileu, também participaram. E sou muito grato por isso, que temos de ter
consciência que os leigos têm vida para além da participação nestas coisas que
a Igreja lhes pede. E estivemos reunidos há dias para preparar aquilo que serão
os próximos passos.
Nós, já comigo em Setúbal, eu pedi-lhes que eles fizessem um
circuito por toda a diocese, ao nível das vigararias, para uma atualização,
tipo revisão da matéria dada e projeção dos passos seguintes. Que o fizeram e
eu pedi-lhes que me remetessem um documento síntese disso.
É assim, eu quero meter-me o menos possível nestas fases.
Acho que é mais puro que venha ter ao bispo o diamante lapidado, porque eu acho
que é do que se trata. Isto que se está a fazer, com imprescindível
protagonismo laical… No caso de Setúbal é a maioria esmagadora: três, um. E
depois nos conselhos também. Mas eu acho que é muito importante nós permitirmos
que o diamante seja lapidado, e tenha ganho valor exatamente por isso.
E, por exemplo, aquilo que vamos fazer este Ano Pastoral
25/26: uma das coisas que vamos, e estamos a arrancar... Uma: em Setúbal
tem sido difícil a concretização da constituição dos Conselhos Pastorais
Paroquiais. Tem sido difícil. A primeira… Eu estou lá há dois anos. A primeira
carta pastoral... Pedi que se constituíssem. A segunda carta pastoral… Pedi,
insisti e rezei para que se constituíssem. E a terceira carta pastoral, que foi
há dias, pedi, rezei, insisti e supliquei. Não sei o que é que será a palavra a
seguir. Mas estou muito grato porque nós somos 57 paróquias, e nós já passámos
a barreira dos 40. Já passámos a barreira dos 40. Mas é fundamental. E estas
instâncias de sinodalidade prática são fundamentais. E eu não consigo entender
porque razão é que uma paróquia não o tem, não o constitui. Aliás, eu até uso a
imagem: nem os párocos são monarcas, nem é preciso também, enfim, transformar
os leigos em miniaturas de padres ou coisas parecidas. Portanto cada um no seu
lugar, cada um respeitando a sua missão.
Mas este Ano Pastoral, com a ajuda desta Comissão, e com a
ajuda destes 40 já constituídos Conselhos Paroquiais Pastorais, vamos
aprofundar para que todos saibam qual é de verdade a missão, a função. Porque,
às vezes, nós convidamos as pessoas e normalmente enganamo-las. “Olhe, não dá
trabalho nenhum, é só uma reunião por ano.” Pronto, está enganadinho. E a
partir daí muitos acreditam nisso, e depois também as coisas não produzem como
deveriam produzir, em razão destes mínimos olímpicos que nós vamos combinando
uns com os outros.
Depois, também os Conselhos Paroquiais para os Assuntos
Económicos. Também são muito importantes, e é fundamental que todos cresçam na
corresponsabilidade pelas decisões da vida material da comunidade. De maneira
que nem o pároco se sinta única e exclusivamente o dono, nem os leigos se
sintam desresponsabilizados, nem também, erradamente, responsáveis pela decisão
final.
E nós vamos ter no dia 28 de fevereiro próximo, um primeiro
grande encontro de todos os Conselhos Pastorais Paroquiais constituídos. Estou
muito curioso e muito orante por esse encontro, para que cada um comece a levar
a sério a responsabilidade de fazer parte deste tal caminho. Porque a
sinodalidade é querermos, desejarmos e aceitarmos caminhar juntos. E o que é
isso? É fácil: ouvir, rezar, discernir e decidir. E eu aqui digo: decidir.
Porque às vezes acho que há processos que esquecem a última parte, e passam
eternamente a refletir, a discernir, a rezar, e depois falha a decisão. E a
decisão é muito importante.
P: A Rede Sinodal em Portugal procura ser um espaço de
partilha de conteúdos e dinamização do processo sinodal. Que papel poderá ter
nesta fase da implementação das conclusões do Sínodo?
R: Acima de tudo nós temos todos que também...
Temos que nos converter a que ninguém é dono da sinodalidade, e ninguém é dono
do caminho. Ou seja, se há um dono é Cristo Rei. Já que há poucos dias
celebramos Cristo Rei. O Espírito Santo, Deus, Jesus. Eles são os donos do
caminho. São eles que nos inspiram, que nos projetam, que nos provocam e, por
isso, em primeiro lugar, temos que dar graças a Deus por... Não sei se por
loucura, por martírio, muitos leigos se colocarem na linha da frente do pelotão
de fuzilamento para nos provocarem, para nos ajudarem à reflexão sobre
exatamente esta temática. E com equilíbrio, porque às vezes nós conversamos… Eu
não sou muito erudito naquilo que significa a sistematização académica das
coisas… Chateia-me, aborrece-me, e não tenho muita paciência para isso. Mas
ainda bem que há quem a tenha para nos ajudar a arrumar as coisas e a refletir
de modo científico.
Mas eu temo muito, às vezes, que nos distraiamos demasiado
com uma tentativa de tornar a sinodalidade uma cátedra da faculdade não sei de
quê. E eu acho que isto não é propriamente a urgência. É preciso sistematizar,
é preciso aprofundar, é preciso refletir. Mas eu... A minha preocupação como
pastor, acima de tudo, é que as minhas ovelhas entendam. Saibam e entendam.
Porque acima de tudo, e eu tenho notado nestes dois anos… Acho que é uma
urgência uma aproximação e familiaridade, vejam lá, com a palavra de Deus. Acho
que há um défice tamanho das pessoas mais diversas que encontramos no dia a
dia, nas paróquias, nos serviços, nas comunidades, que é um défice gigantesco
de familiaridade, de conhecimento com a Sagrada Escritura. Isso estou
convencido que temos de fazer alguma coisa. Depois, se nós saltarmos da Sagrada
Escritura para o Magistério da Igreja, para os documentos do Papa, para não sei
quê… Então é melhor não continuar a conversar, porque isto vai acabar muito
pessimista.
Portanto, em relação à Rede, agradecer o trabalho que fazem.
Que ofereçam os sofrimentos para salvação do mundo, mas na certeza de que não é
trabalho deitado fora. Pelo contrário. E acredito que estes caminhos das
dioceses, das paróquias, dos movimentos… Estes caminhos, sendo caminhos de
Deus, vão-se cruzar. A certa altura vão-se cruzar. Vai demorar mais, ou vai
demorar menos tempo.
O cardeal Américo Aguiar é bispo de Setúbal e foi presidente
da Fundação JMJ Lisboa 2023. Com esta entrevista colaborou com a iniciativa
podcast “No coração da esperança” da Rede Sinodal em Portugal, uma parceria que
junta Diário do Minho, Voz Portucalense, Correio do Vouga, Correio de Coimbra,
A Guarda, 7Margens, Rede Mundial de Oração do Papa e Folha do Domingo.
Laudetur Iesus Christus

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