Santo Agostinho "convidava os seus fiéis a observar a
realidade do Verbo de Deus feito carne, na maior humildade, para não
envergonhar-se de ser um jumento do Senhor, porque foi esse animal que conduziu
Jesus para a entrada de Jerusalém. É bom fazer lembrança do jumento conduzido
ao Senhor , ninguém se envergonhe disso, porque somos nós que devemos carregar
o Senhor, encontrar-se com Ele. Nós somos convidados a viver a graça da
encarnação do Verbo de Deus, feito carne para a nossa salvação".
Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá (PA)
Nós estamos festejando o grande acontecimento divino e
humano, que é o santo Natal, mistério tão próximo e infinito, o nascimento de
Jesus em nossa realidade humana e pecadora, na qual o Senhor se fez carne e
veio habitar no meio de nós (cf. Jo 1,14). Ele foi anunciado pelos patriarcas,
os profetas no sentido do Messias que devia vir a o mundo, o Salvador da
humanidade. Veremos a seguir este mistério a partir dos santos padres, os
primeiros escritores do cristianismo.
O sentido da encarnação do Verbo
Santo Ireneu de Lião, bispo do século III afirmou
diante dos gnósticos, negadores da encarnação, que o Senhor assumiu a carne
humana, isto é a realidade humana em tudo menos o pecado cfr. Hb 2,17). O Verbo
de Deus recebeu de Maria a geração da recapitulação de Adão. Se os primeiros
seres humanos foram tirados da terra e modelados pelo Verbo de Deus, mas que
caíram no pecado e na morte, era necessário que este mesmo Verbo, efetuando em
si a recapitulação de Adão e de todos os seus descendentes, tivesse geração
semelhante à dele. Desta forma não houve uma segunda obra modelada porque foi
salva a primeira pelo Verbo encarnado que modelou a primeira obra humana[1].
Ele se fez carne (cf. Jo 1,14)
Diante do argumento que Jesus não tomou nada de Maria, nada
da carne humana, Santo Ireneu levantou a pergunta no sentido de que ‘Como isso
seria possível não viver a realidade humana, o Verbo que veio do Pai’? O Bispo
de Lião colocou a contrariedade do argumento gnóstico que se Ele não recebeu de
nenhum ser humano a substância da sua carne, Ele não se fez pessoa humana, nem
Filho do Homem. Portanto, se Ele não se fez o que nós éramos, não tinha
importância nem o valor do sofrimento e do padecimento pela qual Ele teve que
passar na sua paixão, morte de cruz para chegar à glória da ressurreição. Mas
nós acreditamos que Ele se fez carne (cf. Jo 1,14) porque Jesus tomou carne de
Maria, assumindo toda a realidade humana, com as suas alegrias, dificuldades,
problemas, esperanças, espalhando o amor de Deus entre o povo e os seus
discípulos. Ele recapitulou em si toda a vida humana, salvando a obra de suas
mãos[2].
A encarnação e a eucaristia
Tertuliano, Padre da Igreja, Norte Africano, dos séculos II
e III deu importância à encarnação do Verbo de Deus diante também dos gnósticos
que negavam a presença do Senhor na eucaristia, na cruz do sofrimento e da dor
de Jesus. O fato era que Jesus desejou ardentemente comer a Páscoa, porque de
fato era a sua Páscoa e seria indigno se Deus tivesse desejado alguma coisa que
não fosse a sua carne. Por isso, ao tomar o pão disse Jesus que era o seu
corpo, figura do seu próprio corpo(Lc 22,19). Como era o seu corpo, não foi uma
coisa vazia a sua morte de cruz, de modo que no pão tomado por Ele, estava o
seu corpo dado para nós e para a nossa salvação[3].
A encarnação, a cruz e a eucaristia
Tertuliano afirmou também que Jesus Cristo iluminou todas as
figuras antigas e realizou todas as promessas feitas a seu respeito. Ele chamou
o pão o seu corpo e explicou o significado do pão, verdadeiro alimento para a
vida eterna. Da mesma forma falou do cálice (cfr. Lc 22,20) e estabeleceu o
pacto selado com o seu sangue derramado ao longo de sua paixão e morte
confirmando a sua substância corpórea. Desta forma o sangue não podia ser de
nenhum corpo que não fosse de carne. Jesus derramou o seu sangue em vista da
redenção humana[4].
Jesus Cristo encheu o mundo
Santo Agostinho, Bispo de Hipona, Norte da África, séculos
IV E V afirmou que Jesus Cristo encheu o mundo, pois Ele era o seu Criador
junto com o Pai e o Espírito Santo. Desta forma, ao se encarnar Ele não
encontrou lugar na hospedaria, mas Ele foi colocado numa manjedoura (cf. Lc
2,7) e Ele se fez nossa alimento. Dois animais se acostaram no presépio: o boi
que conheceu o seu patrão e o burro a manjedoura, o coxo de seu Senhor (cfr. Is
1,3). O bispo convidava os seus fiéis a observar a realidade do Verbo de Deus
feito carne, na maior humildade, para não envergonhar-se de ser um jumento do
Senhor, porque foi esse animal que conduziu Jesus para a entrada de Jerusalém.
É bom fazer lembrança do jumento conduzido ao Senhor (cf. Lc 19,34-35) ninguém
se envergonhe disso, porque somos nós que devemos carregar o Senhor,
encontrar-se com Ele. Nós somos convidados a viver a graça da encarnação do
Verbo de Deus, feito carne para a nossa salvação[5].
Nós desejamos um Feliz Natal com o Senhor Jesus que se fez
pessoa humana para nos elevar até à divindade. Somos irmãos e irmãs uns aos
outros para viver a alegria do Natal, do amor a Deus, ao próximo como a si
mesmo, do encontro com o Senhor Jesus na eucaristia, na sua palavra de salvação
e em todas as pessoas de nossas famílias, comunidades, sobretudo aquelas mias
necessitadas. O Natal possibilite vida nova para todos nós aqui e agora e um
dia na eternidade.
_______________
[1] Cfr.
Ireneu de Lião, III,21,10. São Paulo; Paulus, 1995, pg. 349.
[2] Cfr. Idem,
III,22,2. In: Idem, pgs. 350-351.
[3] Cfr.
Tertulliano. Contro Marcione, IV, cap. 40,1-5. In; Gerardo di
Nola. Monumenta Eucharistica. La Testimonianza dei Padri della Chiesa. Roma:
Edizioni Dehoniane. 1994, pg. 128.
[4] Cfr. Idem,
pgs 128-129.
[5] Cfr.
Agostino d`Ippona. Sermone 189,4. In: Ogni giorno con
i Padri della Chiesa. Milano: Paoline, pg 396.

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