Paulo
Teixeira - publicado em 24/12/25
Enquanto a maioria das famílias se prepara para as
festividades de fim de ano com luzes, banquetes e trocas de presentes, existe
um grupo para o qual o calendário parece ter estagnado em uma rotina de
invisibilidade e sobrevivência.
No coração da "Casa dos Pobres",
na periferia de São Paulo,
Frei Luiz Favaron compartilha uma reflexão profunda sobre
o impacto — ou a falta dele — que o Natal exerce sobre aqueles que ele descreve
como "os mais pobres entre os pobres".
Para este público, a marginalização é tão profunda que
atinge até a percepção de pertencimento espiritual. O Frei relata que, durante
as celebrações eucarísticas de domingo, um número considerável de
frequentadores da casa opta por sair e não participar do rito. "Penso que
eles acham e sentem que a igreja não é para eles" , observa o
religioso, evidenciando o abismo que a exclusão social cava entre o indivíduo e
as instituições.
Na tentativa de reaproximar esse povo da mensagem cristã,
Frei Luiz utiliza a imagem do presépio não como um adorno estético, mas como um
reflexo da realidade crua das calçadas. Ele frequentemente lembra aos acolhidos
que a origem de Cristo guarda uma semelhança direta com a jornada deles.
"Digo que Jesus nasceu na rua, como muitos deles estão agora vivendo na
rua".
O impacto dessa afirmação é imediato e inexplicável.
"Quando falo isso, se faz um profundo silêncio. Tem algo misterioso que se
manifesta nesse momento. Eu não sei explicar". É neste silêncio que a
figura de Deus parece ser a única âncora que resta a quem já foi destituído de
tudo.
A vida sem cores
Apesar dos esforços da Casa dos Pobres em proporcionar um
ambiente festivo — com almoços diferenciados, salões enfeitados e músicas
temáticas —, Frei Luiz confessa sentir uma ponta de frustração diante da apatia
causada pela miséria extrema. Para o homem que vive à margem, a data no
calendário não altera a urgência da fome ou a necessidade de roupas e material
de higiene.
"Para esse povo mais pobre, Natal e Ano Novo é a mesma
coisa que todo outro dia do ano", afirma o Frei. Ele descreve a existência
desse grupo como uma jornada sem matizes: "A vida deles é cinza, não tem
mais sonhos, não tem mais desejos, são pessoas tão humilhadas e excluídas que a
capacidade de projetar o futuro ou desejar algo além da sobrevivência imediata
foi neutralizada”.
Gratidão
Mesmo inseridos nesse cenário de desesperança e "vida
cinza", o comportamento desses homens e mulheres diante da divindade
surpreende quem os atende. Existe uma resistência espiritual que desafia a
lógica do consumo e da troca, tão presentes no Natal comercial.
O Frei destaca que, ao serem incentivados a apresentar seus
pedidos a Deus, os acolhidos raramente solicitam bens materiais ou mudanças de
sorte. Em vez disso, o foco se volta inteiramente para o reconhecimento do que
ainda possuem. "Quando a gente pede para eles de fazer algum pedido a
Deus, eles só agradecem, eles não pedem nada, só agradecem". A gratidão se
manifesta pelas coisas mais fundamentais: pela vida, pelo prato de comida e
pelo acolhimento recebido na Casa dos Pobres.
Essa lição de fé e resiliência, vinda de quem habita as
margens da sociedade, encerra o ano de Frei Luiz com um sentimento de assombro
e respeito pelo mistério que envolve a relação entre o criador e a criatura nos
momentos de maior vulnerabilidade.

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