UM POEMA NA VÉSPERA DE NATAL
23/12/2025
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
Na véspera de Natal, o mundo respira de outro modo. Há um
silêncio, uma pausa mais profunda, como se a história, por um instante,
diminuísse o ritmo para escutar a si mesma. As luzes, os gestos
repetidos, os encontros marcados, convivem com uma pergunta quase muda
sobre o amanhã. E é justamente nessa véspera, nesse intervalo delicado entre o
que ainda não aconteceu e o que já se anuncia, que nasce a intuição de um
poema.
O poema surge quando a alma encontra uma forma de dizer
aquilo que não se deixa explicar. A véspera de Natal é o lugar natural desse
dizer. Não é o dia do cumprimento, mas o instante suspenso no entardecer.
Tudo ainda é frágil, tudo pode se perder, tudo pode nascer. A véspera educa o
coração para a espera sem controle, para a confiança que não exige
garantias.
Assim foi também na primeira noite. Antes da manjedoura,
houve a longa fadiga da história, o peso do domínio estrangeiro, a esperança
cansada de um povo que rezava há gerações.
Neste horizonte que se fechava Deus se decide por não abandonar
a história.
A esperança católica nasce da coragem de acolher.
O Natal começa com uma presença. Um menino colocado no centro do mundo. Um Deus
que se oferece como companhia fiel. E um futuro que já
não precisa ser enfrentado sozinho.
Talvez por isso tantas narrativas natalinas falem de
transformação interior mais do que de milagres visíveis.
Há pessoas que precisam revisitar o próprio tempo para reaprender a
viver. Há pobres que se tornam ricos quando descobrem que o dom vale mais do
que o objeto oferecido. Há poetas que intuem que a vida só permanece quando é
tratada com ternura. Todas essas histórias tocam o mesmo mistério que a fé
contempla em Belém. O coração humano se reordena quando encontra sentido no
amor que se entrega.
A véspera de Natal tem essa densidade espiritual. Nela, tudo
permanece vulnerável. A paz, as relações, os sonhos, a própria fé. E ainda
assim, a Igreja nos conduz a uma cena desarmada e silenciosa. Uma
mulher que confia. Um homem que guarda. Um menino que dorme. A pobreza que
não se envergonha.
Um poema na véspera de Natal é mais que uma imagem
delicada. É uma maneira de habitar o mundo. É permitir que o coração escreva,
mesmo com mãos trêmulas, uma frase simples de confiança. É olhar a complexidade
do tempo presente sem cinismo. É aceitar que a história possa estar confusa sem
estar abandonada.
A véspera, então, se transforma em oração sem
artifícios, quase um sussurro por onde Deus chega. O Natal não
elimina o sofrimento, mas impede que ele seja o último
capítulo.
Que nesta véspera de Natal cada um encontre o seu
poema. Talvez ele não tenha métrica perfeita. Talvez seja apenas um
gesto interior de perdão, de recomeço, de confiança retomada, de cuidado
silencioso. Algo pequeno, quase imperceptível, como uma manjedoura. É assim que
Deus costuma iniciar.
O Natal confirma que a esperança nunca esteve vencida. Ela
aguardava o tempo certo para nascer. Nasce assim, discreta e verdadeira, no
centro da noite, no coração da história. O amor chegou!
Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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