TUDO SERIA MELHOR SE O NATAL NÃO FOSSE UM DIA…
29/12/2025
Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
Muitos sabem de cor essa simples e
bela canção do Padre Zezinho, lançada há meio século atrás. Os
versos continuam assim: “…Se as mães fossem Maria, e os pais fossem
José; e a gente parecesse com Jesus de Nazaré”. Na verdade, celebramos no dia
de Natal um acontecimento perene e grávido de consequências: a
encarnação do Filho de Deus.
Por isso, o Natal de Jesus está longe de
ser apenas um fervilhante evento comercial, uma colheita sazonal e
abundante do turismo ou um espetáculo cultural repleto de luzes
coloridas, anjos barrocos e sons harmoniosos. Também não se resume à recordação
piedosa de um fato circunscrito a um casal hebreu e a uma aldeia do império
romano.
O que as celebrações natalinas, oferecidas anualmente pelas
Igrejas cristãs, querem lembrar é que Deus e a criatura humana não se
opõem; que o céu e a terra não são realidades paralelas; que a história é o
lugar onde germinam as sementes da eternidade; que a justiça dá as mãos à
compaixão; que a vida humana e terrena é a morada de Deus.
Assim, o nascimento de Jesus, ocorrido no ano zero
da era cristã, também não se esgota na piedade individual, celebrada na
intimidade dos lares ou no interior dos templos. O Natal é muito mais
que a celebração do “aniversário de Jesus”. A memória desse fato divide em
dois e fecunda o tempo histórico e repercute nas relações humanas e
sociais.
Não é por acaso que a narração de Lucas
insere este acontecimento na moldura política do império
Romano no Oriente Médio (quando o imperador César Augusto ordenou um
recenseamento e Quirino era governador da Síria; cf. Lucas 2,1-2), e Mateus o
situa no tempo em que o rei Herodes governava a Judéia (cf. Mateus
2,1-3). O que isso tem a ver?
Numa região e num tempo marcados pelo medo, aumentado pela
presença do exército romano, aquele discreto nascimento ocorrido na
periférica Belém significou coragem e alegria para os pastores
e todo o povo, paz para os amados e amadas de Deus, esperançosa
peregrinação para os pagãos. E, também, grande inquietação para
Herodes.
Nós acolhemos o filho de José e de Maria como
Filho e Enviado de Deus para “anunciar o Evangelho aos pobres, proclamar a
liberdade aos presos e aos cegos a visão, para pôr em liberdade os oprimidos e
proclamar um ano do agrado do Senhor” (Lucas 4,18-19). E o
reconhecemos como salvação e luz para todos os povos. Mas também, desde
sempre, como pedra de tropeço para muitos (cf. Lucas 2,29-35).

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