As bem-aventuranças (3): o microfone de Deus
"Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados." A dor pode ser uma experiência que nos permite acolher a
Deus. Este texto, voltado para os jovens, fala sobre as bem-aventuranças
propostas pelo Papa Francisco para preparar para a Jornada Mundial da
Juventude, na Polônia.
01/07/2016
Aquele não era um mestre
como os outros. As centenas de pessoas que se espalhavam pelas ladeiras da
colina ouviam com surpresa sua pregação, feita com palavras novas. Tinha
chamado felizes os pobres e havia prometido o Reino dos Céus.
Para que a primeira bem-aventurança penetrasse bem nos
corações, o Senhor provavelmente faria uma pausa antes de enumerar a segunda.
Então disse: “Felizes os que choram,
porque serão consolados”[1].
Ao ouvir estas palavras, muitos levantariam a cabeça. Não
eram felizes e, por isso, tinham deixado sua casa e sua aldeia para
caminhar durante dias em busca desse Rabi que incendiava os corações. Queriam
ser curados de uma doença, libertar-se de uma situação injusta, mudar de vida
ou recuperar a esperança em Deus. Mas, chorar? Como pode o Senhor desejar que
choremos, que soframos? Qual Salvador promete lágrimas a seus seguidores?
Surpresos, meditariam as palavras do Mestre. Depois de
ter-se dirigido aos pobres, o Senhor indica agora um caminho aos que choram. É
um Messias que não fala só aos ricos, nem aos que gozam de muitos talentos, nem
àqueles a quem tudo corre bem na vida. Esse
Mestre tem uma mensagem para todos, porque: quem não chorou alguma vez? Quem
duvida de que a tristeza, a adversidade ou a dor aparecerão antes ou depois na
própria vida?
O microfone de Deus
Para que precisamos de Deus? É uma pergunta que pode surgir
em alguns momentos da nossa existência. São épocas em que temos outras
ocupações mais interessantes ou urgentes para fazer. Nossa cabeça e nosso
coração estão em outras coisas, e a relação com o Senhor é
vista como uma carga, cheia de regras e compromissos (por exemplo, assistir à
missa aos domingos),
da qual nada obtemos. Não vale a pena.
É que quando na vida navegamos como num mar calmo, a
sensação de sermos os capitães do nosso próprio barco pode levar-nos a duvidar, inclusive, de
Deus. No entanto, basta pouco para compreendermos que a nau que conduzimos é
muito frágil. Uma doença, problemas na família, um amor não correspondido ou a
sensação de que nada nos completa são experiências capazes de lançar uma sombra
sobre tudo o que nos rodeia.
O escritor C. S. Lewis interpreta esses momentos de dor –
física ou interior – como uma chamada forte de Deus. “Deus sussurra em nossos
prazeres, fala em nossa consciência, mas grita em nossas horas de sofrimento:
esse é o megafone de Deus para despertar um mundo surdo”[2].
Efetivamente, Deus nos acompanha sempre e seus conselhos na
vida ordinária nos chegam como um sussurro. Não se impõe, mas propõe. Por isso,
não é estranho que o ruído interior, as preocupações ou os interesses que
ocupam nosso espírito cheguem a esconder a Sua voz. Simplesmente, nos
esquecemos do Senhor e O encurralamos no nosso interior. Tornamo-nos surdos. Mesmo
assim, ainda que Deus não deseje nem provoque nossa dor, volta para
acompanhar-nos no momento da prova, pois não nos abandona nunca.
Que alguém diga o seu nome
Os sofrimentos que aparecem na vida podem ser provocados por
uma situação objetiva – o falecimento de um familiar, uma época de dificuldade
econômica ou profissional, uma doença, etc. São ocasiões em que a solução para
o problema não está completamente em nossas mãos. Nesses momentos, podemos
aprender de Maria Madalena, uma das muitas personagens que – como o próprio
Jesus, a Virgem, São Pedro ou São Paulo – vemos chorar nos Evangelhos.
Dois dias depois da crucifixão do Senhor, Maria acode ao
túmulo do Mestre para limpar o cadáver com aromas. A sua dor não é um obstáculo
para servir a Jesus uma última vez. Quantas recordações a invadiriam naquela
manhã, sozinha, nas ruas de Jerusalém! Porém, ao chegar ao sepulcro e descobrir
que está vazio, Madalena se desmorona. Não lhe resta nem sequer o consolo de
ver o corpo do Senhor: tiraram-lhe tudo. Perguntaria uma e outra vez a
Deus: Por quê? Por quê?
“Mulher, por que choras?”[3],
lhe diz uma voz. Ela, pensando que fosse o jardineiro, responde: “Senhor, se
foste tu que o levaste, dize-me onde o colocaste, e eu irei buscá-lo”. Aquela
mulher não podia imaginar o que havia ocorrido: só Deus conhece o porquê dos fatos que nos podem levar ao desespero.
“Maria!”, chama o Senhor. “Rabûni!
Mestre!”, grita ela de alegria ao reconhecê-lo.
“Maria!” Ao ser chamada, os olhos de Madalena se abrem à
verdade. Às vezes, só necessitamos que alguém diga o nosso nome com amor para
que as penas se iluminem. Quando não encontrarmos sentido na dor e já não
soubermos o que fazer, é bom ir em frente ao
Sacrário, deixar o problema nas mãos de Deus e ouvir ao Senhor que pronuncia o
nosso nome.
O elefante na estaca
Mas quem deseja encontrar o Senhor na sua vida cotidiana não
precisa esperar uma grande tragédia para obter o consolo de Deus, mas as
pequenas decepções, desânimos, queixas ou contrariedades de cada dia serão
oportunidades para buscar a Sua ajuda.
Especificamente, uma fonte de dor costuma ser a acumulação
de misérias pessoais. Embora pensemos que não fizemos nada de grave na vida, o
nosso coração conserva a lembrança de cada ferida. De modo misterioso, a alma
se cansa dos pecados cometidos, grandes e pequenos. E assim, um dia,
sentimo-nos esgotados, desmotivados ou nos desprezamos sem motivo. Nesses
momentos, ficamos especialmente fracos, por isso não convém permanecer tristes
por muito tempo, porque a tristeza chama o
pecado, e assim quando estamos irritados, chateados ou derrotados podemos
cometer grandes bobagens. “Um abismo chama outro abismo”[4],
diz a Bíblia.
“Todos nós temos escuridões na nossa vida” – reconhece o
Papa Francisco – “ocasiões em que há escuridão em tudo, inclusive na própria
consciência. Caminhar nas trevas significa estar satisfeito consigo mesmo;
estar convencido de que não precisa de salvação: Essas são as trevas!”[5] De
fato, como aponta o Papa, existe o perigo de nos conformarmos com a nossa
miséria e de preferir a amargura à mudança, porque a mudança implica
crescimento, luta, maturidade. Pensamos: “deveria estudar”, “deveria discutir
menos com meus pais e compreendê-los”, “deveria abandonar esse vício”… porém, muitas vezes, ficamos
apenas nos desejos.
Antigamente, para que os elefantes não fugissem dos circos,
costumava-se atá-los a uma estaca com uma corda grossa. O enorme animal possuía
uma força imensa e poderia libertar-se com um puxão da pata. Por que não
tentava? Porque, assim que nasciam, eram presos a esse pau e, ainda pequenos, lutavam
para escapar, porém perdiam logo a vontade de continuar tentando. Já grandes,
sem consciência da força adquirida, continuavam vencidos por aquela simples
estaca.
Pode nos ocorrer a mesma coisa: durante muito tempo, lutamos contra defeitos que nos superam
e, cansados no fim, deixamos de combater. Levantar-nos cedo de manhã, estudar o
tempo que havíamos previsto, viver a castidade, falar com sinceridade na
confissão ou ser amáveis quando os outros nos contrariam podem ter-se tornado
guerras impossíveis de vencer. E não é assim: com a ajuda de Deus,
temos de continuar tentando, porque talvez o que antes não era possível,
agora será com um pouco de esforço. Além disso, contamos com a graça de Deus:
Ele só nos pede que correspondamos, pede-nos que estiquemos o nosso braço
para segurarmos o dEle.
Quem ainda não é maduro o suficiente para ver que a causa de
seus problemas está em si mesmo, pode reagir com rebeldia ou acusando outros (a
família, os amigos, o “sistema”, etc.). Acontece que o pecado nos fecha em nós
mesmos e deixamos de levantar os olhos para os outros e para Deus. Já não vemos
as necessidades alheias, e só pensamos no que nos afeta.
Por isso, um primeiro passo para libertar-nos da dor pode
ser olhar com outros olhos para os que nos rodeiam e deixar de atribuir a eles
as culpas do nosso sofrimento. Ajudar em casa, preocupar-nos pelos problemas
dos nossos pais, dedicar tempo e atenção a um amigo que precisa ou
comprometer-nos numa iniciativa de solidariedade pode ser um bom começo.
Descobriremos, entre outras coisas, que possuímos a enorme capacidade de fazer
os outros felizes. Vale a pena realizar esse esforço!
Outra vez, e outra e outra e outra
São Josemaría perguntava: “Não
há alegria? – Então pensa: há um
obstáculo entre Deus e mim. – Quase
sempre acertarás.”[6].
É que, para sair de um contratempo na vida, uma boa confissão, algumas vezes, pode
ajudar muito. Se ainda não estamos preparados para nos confessar, podemos pelo
menos fazer exame de consciência e reconhecer que precisamos mudar. Se o nosso
orgulho não nos impede, Deus nos dará inclusive as forças que às vezes
precisamos para pedir perdão.
Os obstáculos que poderão aparecer – “melhor confessar-me
outro dia”, “não estou preparado para contar esta coisa”, “o sacerdote não vai
me entender”, “quando tiver vontade”...; são armadilhas que o diabo coloca no
nosso caminho, que temos de atravessar com decisão. Não devemos conceder-lhe
nem uma só vitória. De joelhos diante do sacerdote, na presença de Deus, não só
cairá de nossa alma a máscara de mentiras que nos sustentava fragilmente, como
o Senhor nos encherá da sua graça.
“Pensamos que ir à confissão é como ir à lavanderia, mas Jesus no confessionário não é uma
lavanderia” e sim um encontro com Alguém “que nos espera como somos. Mas,
Senhor, olha, eu sou assim. Temos vergonha de dizer a verdade, ‘fiz isso,
pensei aquilo’ (...) a capacidade de envergonhar-se é uma virtude do
humilde". Portanto, devemos confessar-nos “com confiança, também com
alegria, sem nos maquiar. Não devemos jamais nos maquiar diante de Deus! Com a
verdade. Com vergonha? Bendita vergonha…” E, com otimismo, o Papa pergunta-se:
“E se amanhã fizer o mesmo? Confesse-se outra vez, e outra e outra e outra… Ele
te espera sempre”[7].
E em outra ocasião dizia: “Deus não se cansa de perdoar; nós é que cansamos de
pedir perdão”.
Só assim a nossa fragilidade não será um peso que nos enche
de insegurança, mas uma ocasião para viver com a alegria, que
só possuem aqueles que sabem que são filhos de Deus. Assim o
aconselhava São Josemaría: “Triste?... Por teres caído nessa pequena
batalha? Não! Alegre! Porque na próxima, com a graça de Deus e com a tua
humilhação de agora, vencerás!”[8].
Então compreenderemos que as lágrimas que nos levaram até
ali – os sofrimentos interiores, a debilidade ou as dúvidas – valeram a pena.
Conhecer-nos-emos melhor e, acima de tudo, saberemos que contamos com a ajuda
do Senhor. Quando abandonarmos nossos pesares em Deus e saborearmos a paz e a
alegria serena da confissão, entenderemos, enfim, porque Jesus chamou “bem-aventurados” os
que choram.
* * *
Preguntas para a oração pessoal
– Pratico a fé
unicamente quando é útil? Lembro-me do Senhor só quando preciso pedir algo?
Para não me esquecer de Deus nas épocas em que outras coisas ocupam minha
cabeça, poderia buscar um momento no dia para falar uns minutos com Ele ou
recitar alguma oração? Posso concretizar com meu diretor espiritual um plano
para conversar com Deus diariamente?
– Aceito as
coisas que não são como eu gostaria? Peço a Deus que me ajude a ver a Sua
vontade e a aproveitar essas ocasiões para aproximar-me mais dEle?
– Quando me
chateio ou uma situação fica complicada, penso em que mais eu poderia fazer?
Critico sempre os outros sem reconhecer nunca a minha parte de
responsabilidade? Peço perdão quando percebo que errei ou feri, mesmo que me
custe?
– Que
obstáculos me afastam de pedir perdão a Deus na confissão? Se já me confesso,
faço alguma coisa para aprender a me confessar cada vez melhor? Vou
confessar-me com a atitude de quem vai “esvaziar o carrinho de mão” ou procuro
pedir perdão ao Senhor de verdade, com o coração?
J. Narbona / J. Bordonaba
[1] Mt
5,4.
[2] C.
S. Lewis, O Problema do sofrimento.
[3] Jo
20,11-18.
[4] Sal
42,8 .
[5] Homilia
do Papa Francisco, 29/04/2013.
[6] Caminho,
n. 662.
[7] Homilia
do Papa Francisco, 29/04/2013.
[8] São
Josemaria, Via Sacra, III estação, n. 3.

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