Vilões da alimentação? Como saber se um alimento é
ultraprocessado e por que os danos ao corpo vão além do que você imagina
Especialistas explicam como identificar um ultraprocessado
no rótulo, o que acontece no organismo quando eles entram na rotina e por que
seus efeitos atingem intestino, metabolismo e até o cérebro.
Por Talyta Vespa,
g1
12/12/2025 02h00 Atualizado há 9 horas
- O
que são ultraprocessados: são formulações industriais com aditivos,
substâncias modificadas e pouca comida de verdade; a classificação NOVA
explica o grau de processamento.
- Como
identificar no mercado: listas longas de ingredientes, nomes técnicos
(espessantes, aromatizantes, emulsificantes), textura padronizada e longa
validade são sinais claros.
- Por
que fazem tão mal: desregulam fome e saciedade, ativam excessivamente o
sistema de recompensa, geram inflamação, alteram microbiota e favorecem
ganho de peso e risco metabólico.
- Danos
que vão além das calorias: aditivos podem liberar substâncias nocivas,
irritar o intestino, aumentar permeabilidade e interferir em hormônios e
vias neurológicas.
- Impacto
maior em crianças: com cérebro, microbiota e metabolismo em
desenvolvimento, elas são mais vulneráveis; efeitos incluem
irritabilidade, pior sono, dificuldade de foco e maior risco de problemas
futuros.
Eles ocupam cada vez mais espaço no carrinho de compras e na
mesa dos brasileiros. Estão nos lanches práticos, nas bebidas de caixinha, nos
pães embalados, nas barras integrais e até nos produtos vendidos como “fit”,
“zero” ou “ricos em proteínas”.
Todo mundo já ouviu que ultraprocessados fazem mal —
mas a pergunta central permanece: o que são eles e, afinal, o que os torna
tão problemáticos para o corpo?
De acordo com a classificação NOVA — um sistema criado por
pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) que organiza os alimentos pelo
grau de processamento — ultraprocessados pertencem ao grupo mais
artificial de todos.
A lógica é simples: quanto mais distante o produto está da
forma original do alimento e quanto mais depende de aditivos, aromas,
espessantes e substâncias modificadas em laboratório, maior o seu grau de
processamento.
Endocrinologista e metabologista da Clínica Sartor, Jéssica Okubo explica que entram nessa categoria ingredientes que não aparecem na cozinha de casa — emulsificantes, espessantes, aromatizantes, corantes, amidos modificados, óleos interesterificados. “A fração de comida de verdade costuma ser mínima”, afirma.
Como identificar um ultraprocessado na prateleira
O jeito mais simples não é olhar para a frente da
embalagem, mas para a lista de ingredientes.
Segundo a nutricionista oncológica Mariana Ferrari, do
Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, quanto mais longa e
“estranha” for a lista, maior a chance de ser um ultraprocessado.
“Se o rótulo traz nomes que você não reconhece como
alimento — xarope de glicose, gordura vegetal hidrogenada, aromatizante
idêntico ao natural, estabilizantes — é praticamente certo que se trata de um
ultraprocessado”, diz.
Há também sinais práticos: produtos que duram semanas
sem estragar, têm textura sempre igual, sabor padronizado e são muito mais
doces ou mais salgados do que versões caseiras.
Nutricionista e especialista em neurociência, Gustavo Corrêa
resume a lógica:
“Alimentos com mais de cinco ingredientes já acendem um
alerta. E se boa parte deles é impronunciável, não há dúvida: é
ultraprocessado.”
Por que fazem tão mal
A primeira camada do problema é conhecida: muitos desses
produtos concentram muito sódio, açúcar e gordura. Mas o impacto vai além
disso.
- Eles
favorecem o consumo excessivo sem que a pessoa perceba
Como são macios, fáceis de mastigar e altamente palatáveis,
esses alimentos reduzem a sensação de saciedade. “Comer sem atenção — no carro,
no sofá, no trabalho — faz com que o corpo perca a capacidade de perceber
quando já foi suficiente”, diz Okubo.
Isso gera superávit calórico constante, que leva ao ganho de
peso e, consequentemente, aumenta o risco de diabetes, hipertensão e
dislipidemia.
- Eles
ativam demais o sistema de recompensa do cérebro
A combinação industrial de açúcar + gordura + aditivos
provoca uma descarga maior de dopamina. Isso reforça a busca por mais comida,
mesmo sem fome.
“É como se o cérebro recebesse um estímulo exagerado de
prazer e passasse a pedir repetição”, explica Corrêa.
- Eles
bagunçam hormônios da fome e da saciedade
Okubo detalha que dietas ricas em ultraprocessados aumentam
a grelina, hormônio que estimula o apetite, e reduzem GLP-1 e PYY, hormônios
que sinalizam saciedade. A consequência é clara: fome maior, menos saciedade e
ingestão calórica elevada.
- Eles
provocam inflamação e afetam o intestino
Ferrari explica que parte dos aditivos — como emulsificantes
— altera a barreira intestinal, afinando a camada de muco que protege o
intestino. Isso facilita a passagem de substâncias inflamatórias para a
corrente sanguínea.
Com o tempo, esse processo alimenta inflamação sistêmica,
desregula o metabolismo e pode contribuir para resistência à insulina.
Corrêa complementa que esse efeito chega ao sistema nervoso
central: “É uma inflamação de baixo grau que não fica só no intestino. Ela
altera sinais que chegam ao cérebro e deixa o organismo mais sensível a
estresse, irritabilidade e dificuldade de foco”.
- Eles
podem liberar compostos nocivos
Segundo Ferrari, há estudos que mostraram aumento de
substâncias como acrilamida — um composto que pode se formar em processos
industriais de aquecimento e está associado a risco carcinogênico — e bisfenol,
um químico usado em plásticos e revestimentos que pode interferir em hormônios,
nos consumidores frequentes de ultraprocessados.
A ciência ainda investiga o impacto de cada aditivo
individualmente, mas o consenso entre entidades de saúde é claro: o risco vem
do conjunto da obra, e não de um ingrediente isolado.
E esse efeito combinado tende a ser ainda mais intenso em
organismos que estão em formação — especialmente crianças e
adolescentes.
Pior para crianças e adolescentes
A fase de crescimento é especialmente sensível. O
cérebro ainda está maturando áreas responsáveis por atenção, comportamento e
tomada de decisão — e a microbiota intestinal também está em formação.
“É um organismo que precisa de nutrientes reais para
construir circuitos cerebrais. Quando a base da alimentação é ultraprocessada,
essa construção fica mais vulnerável”, explica Corrêa.
Isso se traduz em efeitos concretos: maior
irritabilidade, pior sono, dificuldade de manter foco e risco aumentado para
problemas metabólicos no futuro.
Os ‘inocentes’ que também são ultraprocessados
Muitas vezes, o consumidor associa ultraprocessado a
refrigerante, salgadinho e biscoito recheado. Mas há produtos que passam
despercebidos:
- iogurtes
“fit” ou com polpa de fruta, mas cheios de aromatizantes e espessantes;
- barrinhas
de cereal feitas com xaropes e óleos refinados;
- pães
de forma “integrais”, com emulsificantes e conservantes;
- requeijões
e queijos processados;
- leites
vegetais industrializados com estabilizantes;
- snacks
“saudáveis”, cookies proteicos e chips de legumes embalados.
Ferrari reforça: “O apelo saudável não garante que o produto
é adequado. A leitura do rótulo é indispensável."
Existe quantidade segura?
As entidades internacionais não definem um limite
considerado “seguro”.
A recomendação geral é: reduzir ao máximo, mas sem
buscar perfeição impossível. Uma alimentação majoritariamente baseada em
alimentos in natura protege o corpo para lidar com eventuais exceções.
“Se a base da alimentação é de verdade, o organismo
tolera o consumo esporádico de ultraprocessados. O problema é quando eles são a
rotina, não a exceção”, diz Corrêa.
Como reduzir na prática — sem viver preso à cozinha
Os especialistas convergem em um ponto central: mudar tudo
de uma vez é inviável. O realista é começar por pequenas trocas.
- trocar
o “pronto” por “quase pronto”: frutas, castanhas, iogurte natural, ovos,
bolos simples;
- preparar
alimentos em pequenos lotes (frango desfiado, legumes picados, arroz
porcionado);
- priorizar
temperos frescos e preparos caseiros;
- manter
opções rápidas e naturais acessíveis;
- criar
o hábito de ler rótulos.
“Planejamento é a peça-chave”, diz Corrêa. “Quando a casa
está organizada para escolhas melhores, comer bem deixa de ser um esforço e
vira consequência.”




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