Arquivo 30Dias nº 05 - 2006
E então saímos para ver as estrelas e as listas
O interesse por Dante nos Estados Unidos, explicado por uma
docente da James Madison University da Virgínia.
de Giuliana Fazzion
O século XX
No século XX, Dante “is still alive and well”. A “Dante Society”, a partir de
1954, transformou-se na sociedade por ações “Dante Society of America Inc.”, e
seu Annual Report já era um dos mais importantes instrumentos
de consulta: lá se comenta a bibliografia dos estudos dantescos, lá se publicam
ensaios, notas, conferências muitas vezes de notável interesse. A Sociedade tem
uma rica biblioteca de literatura dantesca na Harvard University, que, na
América, só fica atrás da que a Cornell University veio a herdar do estudioso e
bibliófilo Daniel Willard Fiske. A sociedade desenvolve também atividades
promocionais, e gerencia um “Dante Prize” destinado a teses de graduação e
pesquisas sobre temas dantescos.
O estudo americano de Dante já chegou a dar contribuições
extremamente notáveis. Por exemplo, o número de poetas do século XX
influenciados por Dante é relevante. Há alguns anos, saiu um livro
intitulado The Poets’ Dante, uma coletânea de ensaios escritos por
famosos poetas do século XX. Os organizadores, Peter Hawkins (professor de
Estudos Religiosos na Universidade de Boston) e Rachel Jacoff (professora de
Literatura Comparada e de Estudos Italianos no Wellesley College), contam na
introdução que, como a maior parte dos leitores de Dante, eles entraram em
contato com o poeta florentino por intermédio de Ezra Pound e Thomas S. Eliot.
Em seus estudos em nível de mestrado na faculdade de Inglês, o italiano se
tornou a língua a ser aprendida para estudar Dante. Para eles, Dante era
realmente “o altíssimo poeta”, e justamente por isso liam em particular James
Merrill, Gjertrud Schnackenberg, Charles Wright, Seamus Heaney, poetas que
tinham uma afinidade com Dante e para com o qual se sentiam endividados, pela
inspiração que dele haviam recebido. Daqui surgiu a ideia de reunir ensaios
escritos por poetas contemporâneos que contam como “encontraram” Dante pela
primeira vez, o que os atraiu para ele, o que os manteve à distância do poeta,
e se os escritos dele tiveram uma influência direta sobre seus trabalhos. Há
ensaios de Ezra Pound, Thomas S. Eliot, Osip Mandelstam, Robert Duncan, Howard
Nemerov, Seamus Heaney, Jacqueline Osherow, Robert Pinsky, Rosanna Warren,
Daniel Halpern, Mark Doty, o belíssimo ensaio de Jorge Luis Borges, entre
outros.
Traduções americanas da Divina Comédia
Atualmente existem mais traduções de Dante em inglês que em qualquer outra
língua, e os Estados Unidos produzem mais traduções de Dante que qualquer outro
país. O poeta Eliot, em 1929, disse que Dante e Shakespeare dividem o mundo
moderno entre si: a parte do mundo que “pertence” a Dante aumenta a cada ano.
Em 1989, cerca de sessenta anos depois de Eliot, o escritor Stuart McDougal
disse que o impacto de Dante sobre os maiores escritores do mundo moderno
superou grandemente o de Shakespeare. De fato, Dante virou o jogo. “Migrou” do
campo literário, cultural e acadêmico para o mundo externo e teve um impacto
tanto sobre o público instruído quanto sobre o não instruído.
O século XX é o período das grandes traduções. E por isso
começou no século XX um debate que em certo sentido continua ainda hoje:
tradução em prosa ou poesia? Alguns são contrários à tradução inglesa usando o
terceto, e estas são as razões: 1) o inglês é pobre em rimas; 2) esse “uso do
terceto” não se presta à língua; 3) o verso em inglês não se adapta à formação
constante da rima.
Traduttore traditore. Todo tradutor de Dante sabe o
quanto isso é verdade. Dizendo isso se reconhece com humildade a extrema
dificuldade de fazer justiça a Dante, considerado por Byron “o mais
intraduzível dos poetas”. De fato, qualquer tradutor reconhece que, procurando
conservar certos aspectos da poesia, outros são perdidos na tradução. E muitos
desses tradutores concordam com Dorothy Sayers, segundo a qual o maior elogio
que sua tradução possa receber é que seja um impulso, um estímulo aos leitores
a que leiam Dante na língua original.
O que se espera de uma tradução? Que comunique o sentimento
e o sentido do trabalho original. No caso da Divina Comédia, a
opinião está dividida entre aqueles que afirmam que o espírito e o sentido
dessa obra se comunica melhor ao leitor por meio de uma tradução em verso e
aqueles que preferem uma tradução em prosa. Muitos críticos concordam, de
qualquer forma, que tanto a tradução em prosa quanto a tradução em verso
apresentam suas vantagens. A tradução em prosa comunica melhor o sentido
literal, ao passo que a tradução em verso pode comunicar o sentido do movimento
e do ritmo da poesia de Dante. No ensino da obra-prima de Dante nos Estados
Unidos são usadas edições bilíngues, nas quais o texto original se encontra na
página à esquerda e a tradução na da direita. O poeta Thomas S. Eliot e outros
afirmaram ter aprendido a ler italiano com essas edições.
As traduções mais usadas nas universidades americanas
John D. Sinclair (prosa, edição bilíngüe). Esta é ainda a edição mais popular. Sinclair escolheu a prosa para alcançar seu objetivo, que era combinar uma tradução literal, ou quase, do texto italiano a uma boa forma da língua inglesa.
Essa tradução é renomada por ser cuidadosa e expressa num inglês elegante.
Notas explicativas, consideradas por muitos professores “uma pequena jóia”, se
encontram no final de cada canto. Elas contêm o resumo do canto, no qual o
tradutor trata do aspecto histórico, das qualidades estéticas e fornece
elementos de crítica. Ainda no final de cada canto há breves notas numeradas que
chamam a atenção para alguns termos do texto.
Charles S. Singleton (prosa, edição bilíngüe). É uma
tradução clara e acurada. Cada cantiga é publicada em dois volumes; um contém o
texto e a tradução e o outro os comentários de teologia e mitologia, análises
linguística, histórica e biográfica. Faltam os resumos dos cantos.
John Ciardi (poesia). Popular, mas tem suscitado também
controvérsias. Ciardi usou o dummy, ou “terceto defeituoso”, para empregar
um inglês idiomático e ao mesmo tempo para comunicar as sensações do poema. A
crítica contesta seu uso de algumas “licenças poéticas” não necessárias.
Mark Musa (Inferno, poesia). Sua versão é muito usada nos college. Escolheu uma forma poética sem rima para obter uma tradução acurada.
A Universidade de Harvard usa a tradução de Jean e Robert Hollander para o
ensino do Inferno e do Purgatório, e a de
Mandelbaum para o Paraíso.
Conclusão
No verão de 1999, a seção “Bookend” do New York Times foi
inteiramente dedicada ao criador de histórias em quadrinhos Seymour Chwast, que
escolheu para essa edição o mundo da Divina Comédia. A página foi
intitulada: A Divina Comédia de Dante: O Diagrama. Essa divertida
representação dos três reinos ofereceu ao leitor dominical da seção dedicada à
resenha de livros uma visão esquemática da Comédia dantesca.
Uma pergunta que se pode fazer é: por que os quadrinhos apareceram lá, sem
explicações particulares, num dos jornais mais famosos e talvez mais vendidos
do mundo? E por que o New York presumia que um leitor normal
conhecesse o poema?
O fato é que Dante é conhecido não apenas por aqueles que
leram o poema ao menos uma vez, mas também por um número ainda maior de pessoas
que nunca leram sequer uma página dele. Dante é uma figura popular da cultura
contemporânea americana. Por exemplo, diversos filmes americanos - O
Balconista (Clerks, 1994), Seven (1995), O Inferno de
Dante (Dante’s Peak, 1997) - fazem alusões ao poema ou o tomam como ponto
de partida. Existe até um conjunto de rock que adotou o nome “Divine Comedy”
com a intenção de ser facilmente lembrado. Os Estados Unidos têm muitos
restaurantes e bares chamados “Dante’s Inferno”. Esta última expressão é
comumente usada por jornalistas para descrever situações sociais e políticas
particularmente críticas.
Como se viu, a fortuna de Dante nunca declinou em setecentos
anos, e nunca declinará, pois sua mensagem é universal e sempre atual.
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