MANIFESTO
15/07/2025
Dom Geraldo dos Reis Maia
Bispo de Araçuaí (MG)
Foi lançado, recentemente, o Manifesto “Ecologia Integral:
uma narrativa para entender a crise socioambiental planetária”, confeccionado
pela Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração (CEEM) da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Trata-se de um texto bastante
lúcido, em meio a tantas nuvens tóxicas produzidas pelas atividades
extrativistas. O grande alerta do Manifesto é “o tempo de salvar o mundo da
vida é agora” (p. 5). A intenção do texto é clara: “Nem tudo é consenso, mas há
pontos chave que nos conduzem e que queremos, com este Manifesto, compartilhar”
(p. 7).
O Manifesto observa que “o modelo econômico atual acentua a
distinção entre pessoas com direito à sobrevivência e aquelas consideradas
descartáveis” (p. 9). É essa a crítica que lançamos sobre as atividades
minerárias em geral e, no Vale do Jequitinhonha, em especial. Um caso típico a
considerar é o município de Araçuaí e região, no epicentro de atividades
minerárias. Reconhecemos que essas atividades têm trazido certo desenvolvimento
para a região. Podemos ressaltar o crescimento na oferta de empregos, com a
consequente redução do desemprego. Outra consideração é o aumento da demanda
pelos serviços de hotelaria e aquecimento do mercado. Em contrapartida,
constatamos uma série de impactos sociais que massacram o nosso povo: saúde,
moradia, transporte, urbanismo, ecologia integral, dentre outros.
Foi publicado recentemente que houve um aumento da demanda
no Hospital de Araçuaí em 30% nesses últimos tempos, sendo que o último censo
constatou retração do número de habitantes nas cidades que são atendidas por
esse mesmo hospital. Isso denota que os habitantes estão sofrendo mais com
enfermidades, certamente afetados pelos impactos da mineração. A poeira, os
explosivos e o estresse afetam as condições de saúde, no campo e na cidade,
especialmente nas regiões onde acontecem atividades minerárias. Eu mesmo
visitei famílias em comunidades afetadas por essas atividades e vi como sofrem
com esses impactos. É lamentável que somente uma empresa mineradora vem
assumindo suas responsabilidades para com o único Hospital da cidade.
É notório o aumento no preço de aluguéis, especialmente na
cidade de Araçuaí. Não se consegue um barraco para morar a preço acessível. Os
preços de aluguéis vêm tornando-se exorbitantes. Isso se deve, em parte, ao
êxodo rural, pois muitas pessoas se mudam para a cidade a fim de garantir as
vagas de empregos, assim como tantas outas que vêm de diferentes cidades para
assumir postos de serviços. Há empresas que promovem o retorno de habitantes
que haviam se mudado à procura de oferta de emprego, o que é muito louvável,
mas também colabora para o aumento no preço de aluguéis. A especulação
imobiliária vai se agravando ainda mais.
Outra dificuldade é acarretada pelo aumento do transporte.
Vias públicas, especialmente na zona rural, são redirecionadas sem consulta
prévia a comunidades tradicionais, dificultando a mobilidade de muitas pessoas
que vivem em suas povoações. Aumenta a poeira nas estradas e nem sempre as
empresas prestam a manutenção devida para a conservação dessas estradas. As
rodovias pavimentadas não suportam tanto movimento de veículos pesados.
Frequentemente, são abertas crateras no asfalto, gerando constantes perdas de
pneus, amortecedores e outros equipamentos nos automóveis. Onde está a
responsabilidade da iniciativa privada para firmar parcerias com o setor
público para a conservação dessas vias?
Já na entrada da cidade de Araçuaí, percebe-se o desgaste
urbanístico, clamando por investimentos. Ao entrar na cidade, nota-se que as
vias públicas carecem de mais cuidado. A parte antiga da cidade está um
verdadeiro caos, entregue às intempéries naturais. Quase sempre se retarda na
manutenção da iluminação pública, do fornecimento de água tratada e de tantos
outros benefícios que poderiam gerar melhores condições de vida para a
população, como garantem a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município.
O descuido com a ecologia é evidente: poeira gerada pelas
atividades minerárias, fontes de água e riachos estão secando e o assoreamento
de rios é gritante. Como é triste passar sobre pontes, sob as quais só há
abismos, onde a água não corre mais! É de se lamentar que vegetações sejam
devastadas em nome de um lucro fácil, fazendo com que as pessoas passam a
sentir os efeitos do descuido com a Casa Comum. Comunidades que vivem da
generosidade das matas já sentem suas fontes de sobrevivência diminuírem. Essa realidade
ilustra bem o que diz o Manifesto: “A crítica fundamental ao conceito de
‘desenvolvimento’ é sua insustentabilidade e, consequentemente, sua
contribuição para a injustiça socioambiental” (p. 12).
Há um “canto de sereia” no ar, fascinando muita gente sobre
o possível desenvolvimento da região, até mesmo propondo a mudança de nome do
reconhecido Vale do Jequitinhonha. Não, não é ele o “Vale da miséria”, como se
falava tanto há décadas. Não, muito menos é o “Vale do Lítio”. O nosso Vale do
Jequitinhonha é história, é arte, é cultura, é resistência. Não podemos trocar
essas riquezas naturais e humanas por um pretenso progresso que nunca vem! Não
podemos nos calar enquanto retiram as riquezas do Vale e nos deixam migalhas e
crateras! Exigimos responsabilidade social!
Parte das riquezas que são tiradas precisam ser revertidas
em políticas públicas, não só em empregos que passam. O Hospital São Vicente de
Paulo é estratégico para atender as sete cidades da região e precisa ser
ampliado e melhor equipado para prestar serviços de qualidade à população. É
vergonhoso visitar enfermos nos corredores dos quartos porque os leitos são
insuficientes. É vergonhoso ainda não ter um serviço local de hemodiálise para
atender os pacientes que precisam dessa terapia. É vergonhoso ter que percorrer
cerca de 300 quilômetros para submeter-se a um exame especializado ou para
conseguir uma vaga de UTI. Onde está a responsabilidade dessas empresas que
levam as riquezas do Vale? Esforços têm sido realizados neste sentido, mas é
necessário contar com a responsabilidade do setor privado, firmando parcerias
com as políticas públicas e entidades beneficentes.
Como essas empresas podem investir em moradias, revitalizar
o centro antigo da cidade e projetar um novo urbanismo? Como podem investir
mais nas rodovias e estradas para facilitar a mobilidade humana na região?
Quais seriam as melhores contribuições para o respeito à ecologia integral, com
a revitalização de nascentes, riachos, fauna e flora? E o que pode ser feito em
relação aos povos originais? Antes de dizimá-los, é preciso aprender com eles,
na sua perspectiva do “bem viver”, entendendo que “os estilos de vida e as
sociedades deveriam se basear e respeitar a interrelação entre os seres humanos
e não humanos, vivendo de forma integrada”, como nos recorda o Manifesto (p.
13).
“Que este manifesto abra clareiras, não somente a partir da
confiança nas forças humanas: a vida é um dom muito largo e Deus manifesta seu
amor na misteriosa engenharia universal, sempre em transformação. Aliás, só é
possível a borboleta voar livre, depois de ter passado pela paciente
metamorfose do casulo” (p. 27). Por fim, o documento nos adverte para não nos
esquecermos “de pedir, em nossas súplicas feitas com os olhos fechados, para o
Criador nos ajudar a abri-los, ainda mais, diante do que está acontecendo com o
planeta. E que não nos falte criatividade para desenhar, com sonhos e
trabalhos, novos céus e boa terra (2Pd 3,13)” (p. 27).
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