ARQUITETURA DA VERDADE
29/09/2025
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
Durante muito tempo a vida comum avançou porque havia medida
e referência. A política se equilibrava no juízo dos eleitores, a economia
justificava o que produzia e distribuía, a religião repousava em instituições
que atravessavam séculos. Com a virada do milênio as réguas se torceram e
muitas paredes cederam. A política passou a medir barulho em vez de argumento,
a economia multiplicou cifras que não chegam ao cotidiano, e até a religião se
fragmentou em promessas sem memória de igrejas que surgiram como modo de
negócios que ainda precisam ser examinados.
A verdade precisa ser compartilhada, pois quando a verdade
deixa de ser critério compartilhado o abismo deixa de ser metáfora e começa a
organizar a vida pública.
Sair desse terreno pede uma conversão paciente. É preciso
recompor a confiança com pessoas responsáveis, processos confiáveis e fatos que
possam ser examinadas por todos.
O nosso tempo tornou visível, ainda, o risco das grandes
fortunas tecnológicas. Há gênios da engenharia e da informática que, ao
cruzarem a fronteira da política, revelam amadorismo, improviso e mentalidade
tirânica. Plataformas que funcionam como praças digitais passam a refletir
humores pessoais. Mudanças bruscas de regras, decisões tomadas em público como
quem joga os dados, interferências que tocam a vida de países inteiros.
Quando uma infraestrutura crítica depende da vontade de um
único proprietário, a fronteira entre opinião e poder real se desfaz e a
democracia fica exposta. Lembremos que nenhum talento individual substitui
instituições, que um bilionário não pode funcionar como órgão regulador, que a
esfera pública requer freios, contrapesos e prestação de contas.
A política sofre ainda outro deslocamento. A figura do
influenciador, que vive do ritmo das redes, impõe agenda e humor, mas quase
nunca oferece projeto. Vence quem captura atenção e não quem constrói
processos. A cidade, se quer amadurecer, precisa devolver tempo à deliberação.
Espaços onde a opinião desacelera e vira argumento, dados públicos que permitam
refazer contas, decisões que venham acompanhadas de razões minoritárias para
que o dissenso tenha lugar. Democracia é o exercício de justificar-se diante de
muitos, e não a vitória do barulho ruidoso.
Na economia a planilha precisa enxergar pessoas. Progresso
que suga tempo, saúde, vínculos e o chão do qual vivemos não merece esse nome.
A riqueza deve ter substância e endereço. Isso começa quando medimos o que
sustenta a vida e não apenas o que infla gráficos. Metodologias abertas de
impacto social e ambiental, auditorias independentes, redes produtivas
enraizadas no território, crédito paciente para transição de atividades
predatórias para atividades regenerativas. A métrica existe para servir ao sentido
e não para o substituir. Quando números e vidas conversam, a economia
respira.
Na religião a fidelidade não dispensa exame. O crescimento
veloz de comunidades sem lastro institucional pode atrair muita gente, mas
também expõe vulneráveis e fragiliza a própria fé. Autoridade pastoral sem
medida e sem verificação degenera em culto de personalidade e busca de poder
político. Comunidades adultas protegem o carisma com regras claras, conselhos
que prestam contas, formação séria de ministros, proteção efetiva dos pequenos.
A tradição não é peso morto, é critério que impede reinvenções oportunistas do
Evangelho.
Nada disso avança sem reeducação do juízo. Fomos capturados
por uma política da atenção que inflama afetos e empobrece a reflexão.
O caminho não pede a restauração de velhos muros nem a
exibição de novas vitrines. Pede a passagem do carisma sem prova para o
trabalho e a caridade com prova. Líderes que inspiram e se submetem a regras.
Métricas que contam o que a vida sente. As grandes fortunas, os pastores
carismáticos, os políticos da atenção podem continuar a contribuir, desde que
aceitem a companhia dos processos. Se a modernidade ensinou a medir e o nosso
tempo confundiu o que medir, a etapa seguinte é recuperar a medida como serva do
significado.
Verdade que volta para casa, porque pode ser habitada,
examinada e partilhada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário