Floresta Amazônica pode ter ultrapassado ponto de não
retorno
Impactos vão da redução nas vazões de hidrelétricas ao risco
para o abastecimento de milhões de pessoas no Sudeste.
Por Pedro Côrtes*
17/09/25 às 03:34 | Atualizado 17/09/25 às 03:34
A floresta amazônica, considerada um dos principais
reguladores climáticos do planeta, pode ter ultrapassado o chamado ponto de não
retorno. O conceito foi formulado pelos cientistas Thomas Lovejoy e Carlos
Nobre em 2018, ao alertarem que, caso o desmatamento atingisse entre 20% e
25% da área total, a Amazônia perderia a capacidade de se autorregenerar,
caminhando para um processo de savanização. Nesse processo, a floresta seria
substituída por uma flora mista entre serrado e savana africana, com grande impacto
na circulação de umidade na América do Sul.
Estudos recentes indicam que esse cenário não é mais uma
projeção distante. Pesquisas mostram que o desmatamento acumulado em algumas
áreas já chega a valores próximos de 25%. Mais grave ainda, o chamado “arco do
desmatamento” — uma extensa faixa que cruza a floresta em seus limites a leste
e sul — funciona como uma barreira que impede a reposição da umidade
atmosférica. Esse bloqueio compromete a recirculação das chuvas, essencial para
a manutenção do bioma e para a irrigação de outras regiões do Brasil e países
vizinhos.
O funcionamento do ciclo amazônico é conhecido: a umidade do
Atlântico precipita na floresta, infiltra-se no subsolo e retorna à atmosfera
pela evapotranspiração proporcionada pelas grandes árvores. Os ventos carregam
essa umidade para o oeste e, ao encontrar os Andes, parte dela se espalha em
direção ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de atingir Paraguai,
Uruguai e Argentina. Esse processo, conhecido como “rios voadores”, é vital
para o equilíbrio hídrico do continente.
Quando a cobertura de árvores é suprimida, a floresta perde
a capacidade de reciclar a água. O resultado é a redução no volume de
chuvas, com reflexos diretos já perceptíveis. Pesquisa realizada na
Universidade do Porto, em parceria com a USP, mostra que 11 hidrelétricas no
centro do Brasil tiveram queda significativa na vazão afluente, ou seja, na
quantidade de água recebida naturalmente pelos reservatórios. Exemplos de
usinas como Emborcação, Furnas e Itumbiara revelam reduções médias preocupantes
desde a segunda década dos anos 2000.
O problema também se manifesta no abastecimento
urbano. O Sistema Alto Tietê, responsável por parte da água que atende a
Região Metropolitana de São Paulo, registra volumes de chuva abaixo da média
histórica, em grande parte pela diminuição da umidade transportada da
Amazônia.
Embora a taxa de desmatamento tenha oscilado nos últimos
anos, o fato é que nunca houve desmatamento zero. O processo se
acumula desde a década de 1970 e já produz efeitos sobre clima, agricultura,
geração elétrica e abastecimento de água.
A noção de ponto de não retorno foi essencial para mobilizar
a opinião pública e pressionar governos. Mas as evidências atuais sugerem que
essa barreira já foi cruzada no arco do desmatamento, transformando a região em
uma trincheira contra a recirculação de umidade.
Uma taxa “menor” de desmatamento acumulado em todo o bioma
pode dar a falsa impressão de que ainda temos algum tempo para reverter a
situação, mas basta que uma extensa região – como o arco do desmatamento - seja
suficientemente afetada para reduzir a circulação de umidade em grande parte da
floresta.
As consequências vão além da Amazônia: comprometem a
segurança hídrica e energética do Brasil e de países vizinhos. A inação,
alertam os pesquisadores, pode agravar ainda mais um processo de ruptura
ambiental de grandes proporções.
*Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um
dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.
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