Publicado o livro León XIV: cidadão do mundo, missionário do
século XXI com o texto integral da entrevista concedida pelo Pontífice à
jornalista de Crux, Elise Ann Allen. Entre os temas abordados: o drama de Gaza,
a política sobre a China, o papel das mulheres, a acolhida às pessoas LGBT+, os
abusos, a situação financeira da Santa Sé, IA e fake news.
Salvatore Cernuzio – Vatican News
Como Papa, papel no qual busca "construir pontes"
e "não alimentar ainda mais a polarização" no mundo e na Igreja, ele
denuncia a situação "terrível" em Gaza, à qual "não podemos nos
tornar insensíveis", e afirma que a Santa Sé "não considera",
neste momento, que "qualquer declaração possa ser feita" sobre a
definição de genocídio. Em seguida, assegura que não deseja interferir na
política de seu país natal, os Estados Unidos, mas que "não tem medo"
de levantar questões, mesmo com o presidente Trump, sobre questões urgentes. Em
relação à China, ele assegura que dará continuidade às políticas da Santa Sé e
de seus antecessores e, seguindo Francisco, espera continuar nomeando mulheres
para cargos de liderança, reiterando que não tem intenção de mudar o ensinamento
da Igreja sobre a ordenação feminina. O mesmo vale para pessoas LGBTQ+:
acolhida a "todos, todos, todos", mas "o ensinamento da Igreja
continuará como está". Ele descreve o abuso como uma verdadeira crise;
pede a maior proximidade para com as vítimas, mas lembra que, por vezes, foram
feitas falsas acusações. Em relação à outra "crise", a financeira,
pede que não nos "choraminguemos" e, em vez disso, continuemos a
desenvolver planos: "Mas não perco o sono por causa disso".
Perguntas e respostas sobre questões urgentes da atualidade
para a Igreja e o mundo estão presentes na entrevista – a primeira concedida -
do Papa Leão XIV para Elise Ann Allen, jornalista de Crux. Em 14 de setembro,
aniversário de Robert Francis Prevost, trechos da conversa foram divulgados
antecipadamente, acompanhando o volume biográfico "León XIV: ciudadano del
mundo, misionero del siglo XXI", lançado esta quinta-feira, 18 de
setembro, em espanhol pela Penguin Peru.
O drama de Gaza
Entre as primeiras perguntas ao Papa está a situação em
Gaza. "Embora tenha havido alguma pressão" sobre Israel por parte dos
Estados Unidos e apesar de algumas declarações do presidente Trump, "não
houve uma resposta clara" para "aliviar o sofrimento da
população", enfatizou o Papa Leão XIV. "Isso é muito
preocupante", dadas as condições em que tantas pessoas, especialmente
crianças, sofrem de "fome verdadeiramente". No futuro, "elas
precisarão de cuidados médicos significativos, bem como de ajuda humanitária".
O Papa espera que as pessoas não se tornem "insensíveis" ao que está
acontecendo na Faixa de Gaza: "É terrível ver essas imagens na
televisão... não se pode suportar tanta dor."
A palavra "genocídio"
Sobre o uso da palavra genocídio, que "é cada vez mais
usada" em relação à tragédia em Gaza, o Papa enfatizou que
"oficialmente, a Santa Sé não considera que qualquer declaração sobre o
assunto possa ser feita neste momento". "Há uma definição muito
técnica do que pode ser genocídio. Mas cada vez mais pessoas estão levantando a
questão, incluindo dois grupos de direitos humanos em Israel que emitiram essa
declaração."
Relações com a China
Ainda no âmbito da geopolítica, Leão XIV olha para o outro
ator global: a China. Ele garante que dará continuidade à "política que a
Santa Sé segue há alguns anos", sem pretender ser "mais sábio ou
experiente" do que seus antecessores. Há muito tempo, mantém "diálogo
constante com diversos chineses" e busca "obter uma compreensão mais
clara de como a Igreja pode continuar sua missão, respeitando tanto a cultura
quanto as questões políticas", bem como com o grupo "significativo"
de católicos que "há muitos anos experimentam uma espécie de opressão ou
dificuldade em viver livremente sua fé sem tomar partido". "É uma
situação muito difícil", admite o Bispo de Roma.
Política dos EUA
No geral, o primeiro Papa dos Estados Unidos não acredita
que suas origens possam fazer muita diferença na dinâmica global. Ele, no
entanto, espera que isso faça diferença em seu relacionamento com o episcopado
estadunidense, onde houve atritos com o pontificado anterior: "O fato de
eu ser estadunidense significa, entre outras coisas, que as pessoas não podem
dizer, como fizeram com Francisco, 'ele não entende os Estados Unidos,
simplesmente não vê o que está acontecendo'".
Leão deixa claro: "Não tenho intenção de me envolver em
política partidária". E sobre seu relacionamento com Trump, ele afirma:
"seria muito mais apropriado que a liderança da Igreja nos Estados Unidos
se envolvesse com ele". É claro que, se houvesse temas específicos para
discutir, "eu não teria problema em fazê-lo". O próprio Trump disse
recentemente que não tem intenção de se encontrar com o Papa, acrescentando:
"seu irmão é um bom sujeito". Trata-se de uma referência ao seu irmão
mais velho, Louis, que ele recebeu no Salão Oval alguns dias após o Conclave.
"Um dos meus irmãos o encontrou e ele foi muito aberto sobre suas opiniões
políticas", confirma o Papa Leão. Ele também fala de Louis em outra parte
da entrevista, quando, descrevendo seu relacionamento com a família (além do
irmão mais velho, também há seu segundo irmão, John), comenta: "Ainda
somos muito próximos, embora se esteja politicamente muito distante".
A crise dos abusos na Igreja
A entrevista dedica um espaço considerável à crise dos
abusos sexuais na Igreja. Uma crise que ainda não foi resolvida, enfatiza o
Pontífice, pedindo "grande respeito" pelas vítimas, muitas das quais
carregam as feridas dos abusos por toda a vida. Leão XIV cita estatísticas que
mostram que "mais de 90% dos que se apresentam e fazem acusações são
vítimas verdadeiras". Não estão inventando nada, é claro. No entanto, há
"casos comprovados de algumas acusações falsas" e alguns padres
"tiveram suas vidas destruídas". As acusações "não anulam a
presunção de inocência", observa o Papa Leão. "Portanto, também os
padres devem ser protegidos, ou os acusados devem
ser protegidos, seus direitos devem ser respeitados. Mas mesmo dizer isso às vezes causa maior sofrimento para as vítimas."
De qualquer forma, explica ele, "a questão dos abusos
sexuais não pode se tornar o fulcro da Igreja": "A grande maioria dos
envolvidos na Igreja — padres, bispos e religiosos — nunca abusou de ninguém.
Portanto, não podemos permitir que toda a Igreja se concentre exclusivamente
nesta questão."
Acolhimento de pessoas LGBTQ+
Ele também menciona as questões das pessoas LGBTQ+ e das
mulheres. Sobre a primeira questão, o Papa explica que não quer promover a
polarização na Igreja. Ele fala da Fiducia supplicans, enfatizando
que a mensagem fundamental desse documento é "certamente, podemos abençoar
a todos, mas não devemos buscar uma maneira de ritualizar qualquer
bênção". Leão XIV certamente abraça a mensagem de Francisco de acolher
"todos, todos, todos": "Todos são convidados", não por
causa de uma "identidade específica", mas porque todos são filhos de
Deus. Isso não implica, no entanto, uma mudança na Doutrina: "Acho
altamente improvável, certamente num futuro próximo, que a Doutrina da Igreja
mude em termos do que a Igreja ensina sobre sexualidade, o que a Igreja ensina
sobre o matrimônio", afirma. Ou seja, "de uma família composta por um
homem e uma mulher", "abençoados no sacramento do matrimônio".
O papel das mulheres
Nem o magistério sobre a ordenação feminina mudará. O Papa
afirma que "seguirá os passos de Francisco, nomeando mulheres para cargos
de liderança em vários níveis da vida da Igreja". A questão
"controversa" é a das chamadas diaconisas: "Por enquanto, não
tenho intenção de mudar a doutrina da Igreja sobre o assunto".
A situação financeira da Santa Sé
A posição do Papa sobre a situação financeira da Santa Sé é
mais "aberta". A abordagem do Papa é pragmática: "Estou
começando a ter ideias claras", garante. Ele lista uma série de questões
detalhadas: o resultado positivo de mais de 60 milhões de euros registrado no
Balanço da APSA 2024; o fundo de pensão "que precisa ser examinado"
("Um problema universal"); a crise da Covid que afetou os Museus
Vaticanos, "uma das fontes de receita mais significativas do Vaticano".
"Devemos evitar o tipo de más escolhas que foram feitas nos últimos
anos", afirma o Papa, mencionando o caso do prédio de Londres, no centro
de um processo judicial que atraiu "grande publicidade":
"Quantos milhões foram perdidos por causa disso!" O Pontífice fala
então de "medidas significativas" tomadas durante o pontificado de
Francisco para freios e contrapesos. No entanto, devemos ter cuidado ao
"relaxar e dizer que a crise acabou". "Penso que devemos
continuar trabalhando nisso, mas não perco o sono por causa disso, e acho
importante comunicar uma mensagem diferente."
Reformas na Cúria
Sobre o tema das reformas, o Papa Leão anuncia
"decisões" na Cúria Romana, como "desmantelar ou transformar a
forma isolada como cada Dicastério opera". Uma espécie de
"mentalidade em compartimento estanque" que, por vezes, levou à falta
de diálogo e comunicação. E isso, por vezes, tem sido "muito limitador e
prejudicial à governança da Igreja".
A Missa em latim
O Pontífice também aborda a questão da Missa tridentina.
Mais do que uma questão, “um problema”, porque alguns usaram a liturgia como
“instrumento político”. Algo “muito desagradável”. Em breve, diz ele, surgirá a
oportunidade de “sentar-se à mesa com um grupo de pessoas que defendem o rito
tridentino” e talvez o problema possa ser resolvido “com a sinodalidade”.
Fake news e Inteligência artificial
Fora do circuito eclesial, o Papa aborda o tema das fake
news, que são “destrutivas”, e se detém na Inteligência Artificial, na qual
investem “pessoas extremamente ricas”, ignorando totalmente “o valor dos seres
humanos”. “A Igreja deve intervir”, porque é sério o risco de que “o mundo
digital siga seu caminho” e todos nos tornemos “peças”. A esse respeito, ele
conta a anedota de uma pessoa que pediu autorização para criar um Papa
“artificial” para permitir que qualquer pessoa tivesse uma audiência pessoal.
“Eu disse: ‘Não vou autorizar’. Se há alguém que não deveria ser representado
por um avatar, diria que o Papa está no topo da lista”.
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