A CRUZ: LUGAR ONDE NASCE A ESPERANÇA
09/09/2025
Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
A liturgia da Exaltação da Santa Cruz nos convida a
contemplar o madeiro no qual Cristo entregou a vida por nós. Aos olhos do
mundo, a cruz é sinal de fracasso, humilhação e morte. Mas, na fé, descobrimos
que ela é o trono de Cristo, onde Ele reina pelo amor e inaugura um novo tempo
para toda a humanidade: não mais o domínio do pecado e da morte, mas o reinado
da graça e da vida no Espírito.
Na Carta aos Romanos, Paulo ensina que o batismo nos une de
tal forma à cruz de Cristo que podemos dizer: fomos “sepultados com Ele na
morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dos mortos, também nós vivamos
uma vida nova” (Rm 6,4). Pela cruz, morremos para o pecado; pela ressurreição,
vivemos para Deus. A cruz não é, portanto, um episódio isolado da vida de
Jesus: é o ponto decisivo da história humana. Nela, o amor venceu o egoísmo, a
obediência venceu a rebeldia, a vida venceu a morte.
A cruz: vitória que sustenta a esperança
Paulo sabe que essa vitória não nos dispensa da luta. O
pecado ainda tenta dominar “os nossos membros” (Rm 6,12), e as forças de morte
continuam presentes no mundo. Mas quem vive unido a Cristo já não pertence à
velha escravidão. A cruz se torna, então, a força que sustenta a nossa
resistência e o fundamento da nossa esperança: “a esperança não decepciona,
porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo” (Rm
5,5).
Celebrar a Exaltação da Santa Cruz é reconhecer que nossa
liberdade custou o preço do sangue de Cristo. Por isso, não podemos viver de
forma superficial ou indiferente. Aquele que foi “obediente até a morte, e
morte de cruz” (Fl 2,8) nos chama a viver na novidade de vida, como servidores
da justiça e construtores de paz.
O capítulo 7 de Romanos lembra que, antes da cruz, estávamos
sob o peso da Lei, incapazes de cumprir plenamente a vontade de Deus. A cruz
liberta desse “corpo de morte” (Rm 7,24) e abre o caminho para o dom do
Espírito, que escreve a Lei no coração e nos conduz à vida eterna. Assim, a
cruz não é um fardo inútil, mas a ponte entre a nossa fragilidade e a
misericórdia de Deus.
A espiritualidade da Cruz
Viver a espiritualidade da cruz significa aprender a olhar
para a vida a partir do amor que se entrega totalmente. A cruz não é um convite
ao sofrimento pelo sofrimento, mas à doação livre que transforma o sofrimento
em oferta de amor.
Quando o cristão carrega a sua cruz — seja nas lutas
diárias, nas renúncias silenciosas, no cuidado fiel pelos outros —, ele se une
ao caminho de Cristo e participa de sua obra redentora. A espiritualidade da
cruz nos ensina a confiar mesmo quando não compreendemos, a perdoar quando
fomos feridos, a servir quando seria mais fácil recuar.
Assim, a cruz se torna uma escola de humildade, fortaleza e
misericórdia, moldando em nós o coração do próprio Cristo, que venceu não com
poder e violência, mas com a força mansa e invencível do amor.
A Cruz: reconciliação e missão
A Igreja proclama: “Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e
vos bendizemos, porque pela vossa santa cruz remistes o mundo.” A esperança
cristã nasce desse mistério: o Filho de Deus assumiu o que havia de mais
doloroso e vergonhoso em nossa condição humana e o transformou em fonte de
vida. Quem abraça a cruz, abraça a certeza de que nada — nem o pecado, nem a
morte — poderá separar-nos do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus (cf. Rm
8,39).
A cruz permanece erguida no centro da história como sinal de
definitivo de reconciliação. É nela que Deus nos reconcilia consigo e nos dá a
missão de reconciliar o mundo: famílias feridas, sociedades divididas, povos em
conflito. Olhar para a cruz é deixar-se configurar ao Crucificado, para que
também nossas palavras e gestos se tornem sementes de esperança.
Que, ao celebrarmos a Exaltação da Santa Cruz, renovemos
nossa decisão de viver como batizados: mortos para o pecado, vivos para Deus,
peregrinos de esperança. Pois na cruz encontramos a resposta para o clamor
humano e a garantia de que a graça sempre terá a última palavra.
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