Por Hannah Brockhaus*
19 de set de 2025
O papa Leão XIV disse que seu papel principal como líder da
Igreja é confirmar os católicos na fé e compartilhar o Evangelho com o mundo,
não resolver crises globais.
A fala do papa à correspondente do Crux em Roma,
Elise Ann Allen, foi a primeira entrevista formal de Leão XIV como papa. Ela
foi incluída no livro Leão XIV: Cidadão do Mundo, Missionário do Século
XXI, publicado ontem (18) em espanhol pela editora Penguin, no Peru.
Edições em inglês e português estão previstas para o início de 2026.
Leão XIV disse que está "tentando não continuar
polarizando ou promovendo a polarização na Igreja".
"Eu não vejo meu papel principal como o de tentar
resolver os problemas do mundo. Na verdade, não vejo meu papel como tal, embora
eu ache que a Igreja tem uma voz, uma mensagem que precisa continuar sendo
pregada, dita e falada em voz alta", disse ele.
Temas polêmicos
O papa Leão XIV disse estar ciente de que a doutrina da
Igreja sobre moral sexual é um tema altamente polarizador na Igreja.
Sinalizando sua intenção de dar continuidade à abordagem de
seu predecessor, o papa Francisco, ele disse que "todos são convidados,
mas eu não convido uma pessoa por ela ser ou não de uma identidade
específica".
"As pessoas querem que a doutrina da Igreja mude,
querem que as atitudes mudem. Eu acho que precisamos mudar as atitudes antes
mesmo de pensar em mudar o que a Igreja diz sobre qualquer pergunta dada",
disse ele.
“Parece-me muito improvável, certamente num futuro próximo,
que a doutrina da Igreja mude em termos do que ensina sobre sexualidade e
matrimônio”, disse ele.
“Os indivíduos serão aceitos e acolhidos”, acrescentou o
papa, reiterando a importância de respeitar e aceitar pessoas que fazem
escolhas diferentes em suas vidas.
“Já falei sobre o matrimônio, assim como o papa Francisco
fez quando era papa, sobre a família ser composta por um homem e uma mulher em
compromisso solene, abençoados no sacramento do matrimônio”, continuou.
O “papel da família na sociedade, que por vezes sofreu nas
últimas décadas, precisa ser novamente reconhecido e fortalecido”, disse Leão
XIV.
Ele também criticou a publicação de rituais que abençoam
“pessoas que se amam” em países do norte da Europa, dizendo que violam as
diretrizes do papa Francisco na declaração Fiducia supplicans,
publicada pelo Dicastério da Doutrina da Fé em 18 de dezembro de 2023, que
concedeu permissão para bênçãos não litúrgicas de uniões homossexuais.
“Acredito que o ensinamento da Igreja continuará como está,
e é isso que tenho a dizer sobre isso por enquanto”, disse ele.
Outra mudança que o papa disse que não fará no momento é
permitir a ordenação de mulheres diaconisas.
“Espero continuar os passos de Francisco, inclusive nomeando
mulheres para alguns cargos de liderança em diferentes níveis da vida da
Igreja”, disse. “Acredito que há algumas questões prévias que precisam ser
levantadas. ... Por que falaríamos sobre ordenar mulheres ao diaconato se o
próprio diaconato ainda não é devidamente compreendido, desenvolvido e
promovido dentro da Igreja?”.
Ele disse que há um grupo de estudo, no contexto do Sínodo
da Sinodalidade, dedicado especificamente a examinar a questão dos ministérios
na Igreja, incluindo a possibilidade do diaconato feminino.
“Talvez haja muitas coisas que precisam ser analisadas e
desenvolvidas neste momento antes que possamos realmente nos concentrar em
fazer outras perguntas. … Vamos caminhar com isso e ver o que acontece”, disse
ele.
O papa Leão XIV descreveu a sinodalidade, o programa de
Francisco para uma consulta mais ampla sobre a governança e a doutrina da
Igreja além da hierarquia, como “uma atitude, uma abertura, uma disposição para
compreender” e um processo “de diálogo e respeito mútuo” que pode assumir
diferentes formas.
“Acho que há grande esperança se pudermos continuar a
construir sobre a experiência dos últimos dois anos e encontrar maneiras de
sermos Igreja juntos”, disse ele. “Não tentar transformar a Igreja em algum
tipo de governo democrático, que, se olharmos para muitos países ao redor do
mundo hoje, a democracia não é necessariamente uma solução perfeita para
tudo".
Ele manifestou ao longo da entrevista sua disposição de
sentar e ouvir o ponto de vista de qualquer pessoa, inclusive dos defensores da
missa tradicional em latim, embora ainda não tenha decidido como resolver as
tensões em torno de sua celebração.
“Isso se tornou um tipo de questão tão polarizada que as
pessoas, muitas vezes, não estão dispostas a ouvir umas às outras. … Isso é um
problema em si. Significa que agora estamos na ideologia, não estamos mais na
experiência da comunhão da Igreja. Esse é um dos temas em pauta”, disse ele.
“Entre a missa tridentina e a missa do Vaticano II, a missa
de Paulo VI, não tenho certeza de onde isso vai dar. É obviamente muito
complicado”, acrescentou. “Tornou-se uma ferramenta política, e isso é muito
lamentável.”
Ele disse que em breve terá uma oportunidade de falar com
pessoas que defendem o que ele chamou de rito tridentino da missa, uma possível
referência a uma peregrinação anual de devotos da missa em latim que ocorrerá
em Roma no final de outubro.
A missão da Igreja
O papa disse que outro tema prioritário em pauta são as
relações internas no Vaticano. Ele lamentou que, atualmente, os dicastérios
trabalhem de forma muito "isolada".
Ele elogiou o foco renovado na evangelização promovido pela
reforma da Cúria Romana feita pelo papa Francisco, por meio da constituição
apostólica Praedicate Evangelium, mas disse que ainda há muito
trabalho a ser feito.
"A falta de diálogo, de instrumentos de comunicação,
entre os diferentes dicastérios tem sido, em certos momentos, uma grande
limitação e um prejuízo para o governo da Igreja", disse ele.
"Então, acho que há um problema aí - alguém usou a
expressão 'mentalidade de silo'. ... Precisamos encontrar uma forma de reunir
as pessoas para conversar sobre isso”.
Um dos problemas que a cúria enfrenta é a crise dos abusos
sexuais clericais. Leão disse que, embora ele permaneça sem solução, não pode
ser o único foco da Igreja.
Ele disse que é um desafio equilibrar o apoio e a justiça às
vítimas com o respeito aos direitos dos acusados. “Estamos meio que em um
impasse aí.”
Leão contextualizou o problema dos abusos dentro de sua
visão sobre o papel mais amplo da Igreja no mundo: “Não podemos fazer com que
toda a Igreja se concentre exclusivamente nesse tema, porque isso não seria uma
resposta autêntica ao que o mundo busca em termos da missão da Igreja”.
O papa disse que essa abordagem à missão da Igreja também
influenciará sua interação com judeus, muçulmanos e budistas. Ele disse ser
importante respeitar aqueles com crenças diferentes, mas “eu acredito
profundamente em Jesus Cristo e acredito que essa é minha prioridade, porque
sou bispo de Roma e sucessor de Pedro, e o papa precisa ajudar as pessoas a
entender, especialmente os cristãos e católicos, que isso é quem somos. E eu
acho que essa é uma bela missão”.
Durante encontros com representantes de outras religiões,
ele disse: “Não tenho medo de dizer que acredito em Jesus Cristo e que ele
morreu na cruz e ressuscitou dos mortos, e que juntos somos chamados a
compartilhar essa mensagem”.
Ele também manifestou satisfação com o que considera uma
melhora nas relações com a comunidade judaica. Sob o governo de Francisco, o
relacionamento sofreu com o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 e a
subsequente guerra de Israel em Gaza, baseada no forte apoio de Francisco à
Palestina.
"Posso ser muito presunçoso", disse Leão XIV,
"mas ouso dizer que já nos primeiros meses o relacionamento com a
comunidade judaica melhorou um pouco".
*Hannah Brockhaus é jornalista correspondente da CNA em
Roma (Itália). Ela cresceu em Omaha, no estado americano de Nebraska e é
formada em Inglês pela Truman State University no Missouri (EUA).
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